"Sylvia Scarlett", de George Cukor
Por RUI PEDRO VIEIRA
Quarta-feira, 10 de Novembro de 2004

Katharine Hepburn disfarça-se de rapaz para nao levantar suspeitas e a máscara con-vence, até ao dia em que se apaixona

A comédia romântica ganhou um novo impulso com o aparecimento do cinema sonoro. Tornou-se sofisticada, atraente e com diálogos acelerados que deram um novo sentido as peripécias e reviravoltas típicas das histórias de amor complicadas. "Sylvia Scarlett", o filme desta semana da colecçao de DVD Clássicos Público, vai um pouco mais longe por introduzir a máscara como elemento ideal para uma série de enganos.

Neste primeiro encontro entre Katharine Hep burn e Cary Grant o que conta sao as artimanhas porque os protagonistas adoram extorquir dinheiro, embora o bom senso os impeça de ter sucesso na difícil arte de enganar o próximo. O final será feliz ou nao fosse esta obra um exemplo perfeito do riso açucarado que Hollywood apresentou na sua "época de ouro". Em fuga França devido a um roubo, Henry Scarlett (Edmund Gwenn) nao quer levantar suspeitas. A filha, Sylvia Katharine Hepburn), propoe vestir-se de rapaz para desviar as atençoes e os dois vao para Inglaterra a procura de novas oportunidades.

Na viagem, conhecem Jimmy Monkley (Cary Grant), um charmoso vigarista que se junta a dupla depois de os acusar de roubo. O primeiro golpe que planeiam juntos parece correr como o previsto com o jovem Sylvester (que afinal é Sylvia) a encenar, no meio de uma rua londrina, o sofrimento de alguém que foi enganado e precisa de dinheiro para sobreviver.

Os seus escrúpulos vao acabar por comprometer o esquema e só no teatro de rua - vestidos de "pierrots" cor-de-rosa - esta peculiar equipa de ladroes parece conseguir algum sucesso. O aparecimento do artista Michael Fane (Brian Aherne) acaba por alterar o rumo da história porque Sylvia (ou Sylvester) se apaixona-se e decide deixar de lado o disfarce que a acompanhou ao longo de várias semanas.

Nesta trama de duplos sentidos, a identidade volta a ser posta em causa sob o mote da ambiguidade sexual. Hepburn, que aqui compoe um arrojado retrato de um falso rapaz, tornou-se célebre pela sua convicçao de nem sempre seguir os modelos femininos do cinema norte-americano, nao hesitando em vestir calças, cortar o cabelo e envolver-se em esforços físicos arriscados. Talvez por isso, o "seu" Sylvester revele uma naturalidade inesperada para a década de 30, embora nas cenas em que a máscara cai (por causa do amor) a beleza e a sensibilidade venham ao de cima.

O realizador George Cukor percebeu a dimensao do talento de Hepburn e acabaram por trabalhar juntos em 15 filmes. Com "Sylvia Scarlett", Cukor procurou contrariar alguns preconceitos, mas o público nao estava preparado para o desafio. Mesmo assim, o engenho de Hepburn e Grant deixa saudades. Esta era a época em que o cinema apostava, sem rodeios, no charme das suas estrelas para criar brilhantes quadros cómicos. Sempre marcados pelo romantismo.

 

 
"O Mundo a Seus Pés"
DE ORSON WELLES

"Um clássico que revolucionou a indústria artística, nos seus reflexos de testemunho e de onirismo. A partir dele, nada se adiantou - sobre os desígnios do poder, a influencia dos meios de comunicaçao, a vagabundagem visionária, os mistérios e os fantasmas da infância..."
"As Duas Feras"
DE HOWARD HAWKS

"O exemplo perfeito das 'screwball comedies', num requinte de ambiguidades morais e sexuais. Um prodígio quanto a narrativa e ao diálogo, ao tempo de acçao, aos efeitos de surpresa, ao absurdo dos artifícios, ao carisma extravagante dos intérpretes."
"Os Dominadores"
DE JOHN FORD

"Uma vibrante celebraçao da saga 'western', tendo John Wayne num dos seus mais formidáveis desempenhos, com a fenomenal reavaliaçao de Ford, em que ao envolvimento de massas se recorta, afinal, o vulto solitário dos protagonistas."
"King Kong"
DE MERIAN C. COOPER E
ERNEST B. SCHOEDSACK


"Épico do terror-fantástico, e um dos clássicos primordiais de culto, mantém um sortilégio essencial: em magia, exotismo, aventura, 'suspense', pulsao erótica em que se transcende o mito entre a bela e o monstro. Eis o espectáculo virtual por excelencia."