"Suspeita" de Hitchcock,
Por RUI PEDRO VIEIRA
Quarta-feira, 03 de Novembro de 2004
O realizador de "Psico"
cria uma teia de obsessões em que uma mulher vê no marido um assassino
Quando realizou "Suspeita/ Suspicion" (1941), aquele que ficaria conhecido por "mestre do suspense" já era mais famoso e admirado do que as estrelas que participavam nos seus filmes. Alfred Hitchcock, com a sua silhueta arredondada e olhar de poucos amigos, percebeu que o segredo para renovar o cinema passava pela manipulação das emoções do espectador. O seu perfeccionismo técnico e as histórias que quase sempre mergulhavam nas pistas de um crime ou na jornada de um herói para provar a sua inocência criaram um culto em torno de um género: o mais puro e intrigante dos "thrillers".
Numa filmografia preenchida de obras-primas, "Suspeita" possui todos os requisitos para entrar na galeria dos seus trabalhos mais emblemáticos. A história do vigarista Johnnie Aysgarth (Cary Grant) e da sua amedrontada esposa Lina McLaidlaw (Joan Fontaine) transforma-se num interessante estudo sobre os movimentos de um potencial assassino segundo o olhar apaixonado de uma possível vítima. A espiral de dúvida tem a marca de Hitchcock, quer pela câmara discreta e incisiva, quer pela profunda composição dramática do casal protagonista.
Lina vive no seio de uma família abastada e, aos 27 anos, começa a temer a solidão. Numa rotineira viagem de comboio, um estranho e insinuante homem decide meter conversa. Pouco tempo depois sem saber muito bem como, Lina casa-se com Johnnie, que começa a revelar-se um homem ambicioso, cheio de dívidas e pouco interessado em arranjar trabalho. Porém, o amor que a jovem sente pelo marido leva-a a aceitar os seus defeitos e a entregar-se a alguém que pode não ser o que parece.
A morte misteriosa de Beaky Thwaite (Nigel Bruce), colega de negócios de Johnny, adensa o clima da acção e, sabendo que o marido pode aceder a um avultado crédito com a sua morte, Lina decide vigiar todos os seus movimentos, ao mesmo tempo o que cai numa profunda depressão. Quem é este homem? Será um assassino? As questões multiplicam-se e não haverá uma resposta definitiva. Afinal, Hitchcock sempre gostou do poder da sugestão.
"Suspeita", baseado no romance "Before the Fact", de Francis Iles, é uma história de amor levada as últimas consequencias que aproveita para brincar aos romances policiais. A personagem da escritora Isobel Sedbusk (Auriol Lee) lembra imediatamente Agatha Christie e ajuda a perceber que toda a gente possui um lado oculto. Cary Grant aceitou vestir a pele de um homem que tem pouco de gala e Joan Fontaine recebeu o Óscar de Melhor Actriz por esta interpretação, a de uma mulher obcecada pela dúvida. Neste filme, a única certeza é a da ilusão das aparências.