"Saudades do Oeste"
Nesta aventura histórica, o lendário John Wayne aceita, a seis dias da reforma, uma derradeira
e perigosa missao. O cinema de John Ford chega a colecçao Clássicos Público
A OPINIÃO
"'Os Dominadores' conjuga uma vibrante
celebraçao da saga
'western', tendo John
Wayne num dos seus
mais formidáveis desempenhos"
JOSÉ DE MATOS-CRUZ, Historiador de Cinema
Quando O "western" foi dos primeiros
géneros cinematográficos em
que a indústria de Hollywood
decidiu apostar, envolvendo-se
nas origens de um país quase
sem história. A obra do realizador
John Ford confunde-se,
hoje, com as fórmulas e a evoluçao
deste estilo narrativo,
sendo um caso sublime em que
um cineasta constrói (quase)
sozinho a identidade de um
modelo de ficçao. O terceiro
DVD da colecçao Clássicos
Público, "Os Dominadores/She Wore a Yellow Ribbon"
(1949), é a confirmaçao deste
talento, contando com o carismático
John Wayne para
personificar um capitao que,
a menos de uma semana da
reforma, é obrigado a aceitar
uma última missao.Hawks.
O ano é o de 1876, período
em que a revolta dos índios
parece estar mais acesa do
que nunca, levando a derrota
da Sétima Cavalaria na
batalha de Little Big Horn. Perante
tao inesperado fracasso,
cabe a Nathan Brittles (John
Wayne) o dever de formar um
novo regimento e conduzi-lo
até ao local do conflito. A situaçao
complica-se quando
a mulher e a filha do major
Allshard (George O'Brien)
se juntam a comitiva, obrigando
a medidas redobradas
de segurança.
O capitao Brittles é a personagem
certa para a imponente
figura de John Wayne, contrastando
a postura rude com a
fraqueza de quem se prepara
para despir o uniforme militar e tem de enfrentar um novo desafio:
a velhice. A derradeira
missao nao corre como o esperado,
mas o homem experiente
está disposto a tudo para nao
se libertar da profissao como
"um falhado".
O "cowboy" perfeito
A voz é rouca, o olhar semicerrado.
No cinema, a imagem de
"cowboy" inflexível e solitário
deu azo a inúmeros papéis de
destaque que o tornaram no
mais emblemático dos actores
de "western". As obras "Forte
Apache", "A Desaparecida"
ou "O Homem Que Matou Liberty
Valance" criaram uma
referencia perfeita dos valores
que a ficçao queria imprimir
no mundo real: firmeza, honestidade
e orgulho.
Também conhecido por
"Duke", John Wayne nem
sempre foi uma figura consensual.
Como republicano
convicto, chegou a ser sondado
para tentar uma candidatura a
Presidencia da República dos Estados Unidos. Recusou, por
acreditar que um actor nunca
seria levado a sério num cargo
político elevado. A opiniao
acabou por mudar quando decidiu
apoiar Ronald Reagan
para o cargo de governador
da Califórnia.
Na rodagem de "Os Dominadores"
tinha 42 anos, mas nao
teve dificuldade em dar vida
a um capitao duas décadas
mais velho. A pose cansada,
o cachimbo que fuma em momentos
de introspecçao e o
desdém com que olha para os
soldados mais novos ajudaram
a criar uma figura nostálgica,
mítica, que se emociona junto
da sepultura da mulher e nao
esconde a amizade pelo colega
Quincannon (Victor McLagen)
- parceiro que gosta de beber
em serviço e é o responsável
pelos momentos mais cómicos
da história.
Para ilustrar a acçao deste
segundo filme da trilogia que
Ford dedicou a Cavalaria norte-
americana (sendo "Forte
Apache" e "Rio Grande" os
outros clássicos que compoem
a série), salta a vista a fita amarela
que as namoradas dos militares
usavam, enquanto estes
se encontravam em serviço. O
pequeno adereço nao é mais do
que um símbolo para a influencia
que uma jovem, Olivia
(Joanne Dru), vai ter nos destinos
afectivos de uma patrulha
nem sempre unida, e desperta
para a veia romântica que um
filme de "cowboys" também
pode assumir.
Além da excelente composiçao
das personagens, este
épico saudosista demarcou-se pela música e pela fotografia
densa de Winton C. Hoch
(premiada com um Óscar).
Como obra-prima, "Os Dominadores"
tenta reflectir sobre
o espírito heróico, evidenciando
os dilemas interiores como
novo obstáculo para concluir
uma missao.