Macau
Quinta-feira, 3 de Março de 2005
Por: Ana Filipa Gaspar
Crime
e corrupção no Oriente
A bela, o herói e o vilão podem ser personagens típicas, mas não
em "Macau". Jane Russell, Robert Mitchum e Brad Dexter são envolvidos
pelo "film noir" de Josef von Sternberg, que recupera nele o seu
fascínio pelo Oriente.
Os Clássicos PÚBLICO estão a chegar ao fim e "Macau/Macao" (1952)
de Josef von Sternberg é o último título da colecção - um retrato
do chamado "Monte Carlo do Oriente" nos anos 50, que nunca se
estreou comercialmente em Portugal. Nos principais papéis estão
Robert Mitchum e a sensual Jane Russell, que se reencontram um
ano depois de "Redenção", o "thriller" de John Farrow.
"Macau" é também o último filme que o austríaco Sternberg realizou
em Hollywood, apesar de "Jet Pilot" só estrear em 1957 (sete anos
depois de estar concluído). A sua liberdade criativa estava cada
vez mais limitada e Sternberg não conseguia continuar a trabalhar
nessas condições. O sucesso que alcançou ao lado da diva Marlene
Dietrich pertencia ao passado e os projectos produzidos por Howard
Hughes foram a derradeira tentativa no cinema norte-americano.
Posteriormente, o realizador renegava "Macau" - Hughes não tinha
gostado da sequência de acção no iate filmada por Sternberg
e contratou Nicholas Ray para refazer várias cenas do filme.
As duas faces de Macau
"Todos
estamos sós, preocupados e arrependidos. Todos procuramos algo."
Quem o diz é Julie Benson (Jane Russell), uma cantora desempregada
e cuja beleza só atrai problemas. Num barco que parte de Hong
Kong rumo a Macau, Julie conhece Nick Cochran (Robert Mitchum),
um viajante solitário que, enquanto passeia, é atingido pelo sapato
da "donzela em perigo".
"Mitchum
emerge perturbador, sob a intriga criminal, e o fulgor de Russell
incendeia um contexto exótico, pelo Extremo Oriente. 'Macao' é
um único testemunho artístico, simbolizando o cinismo humano no
exílio do paraíso"
JOSÉ
DE MATOS-CRUZ
Historiador de Cinema
Antes
de chegarem ao destino, Julie e Nick encontram ainda um pacato
vendedor, Lawrence C. Trumble (William Bendix), que pretende combinar
negócios e prazer, sobretudo nos famosos casinos daquele que já
deixou de ser um território português. Mas Trumble não é
o que aparenta ser e reserva alguns segredos e surpresas.
"Macau tem duas faces", explica o narrador. "Uma calma e aberta",
que representa a harmonia e a paz do Oriente. "Outra velada e
secreta", porque os criminosos estão a salvo naquele território
(não podem ser presos pela polícia internacional). Durante a noite,
os perigos espreitam e os crimes sucedem-se. E é neste ambiente
obscuro e enigmático que nasce a intriga. O seu inevitável alvo
é Nick Cochran, com o seu ar reservado e respostas quase lacónicas.
Vincent Halloran (Brad Dexter), dono de quase toda a cidade e
proprietário do casino "The Quick Reward" na Rua da Felicidade,
pensa que o recém-chegado norte-americano é um polícia disfarçado,
enviado para prendê-lo fora do limite das três milhas de
Macau. A ameaça tem de ser eliminada e Halloran utiliza a sua
influência sobre a corrupta autoridade local, representada pelo
tenente Sebastian (Thomas Gomez).
Caracterizada com pormenores pitorescos da cultura oriental, a
história evolui por entre as ruas exóticas da cidade, a azáfama
do casino e as canções de Julie, que cativam os espectadores mas
não o seu público. Apesar das alterações impostas por Hughes,
o estilo visual de Sternberg está patente em grande parte do filme.
Na segunda cena de perseguição, é a própria filmagem que captura
o fugitivo, numa das maiores sequências de "Macau". No interior
da casa de jogo, é como se o espectador regressasse a outro filme
de Sternberg, "The Shanghai Gesture" (1941), com uma composição
fascinante dos detalhes - os pequenos cestos que sobem e descem
ou os dados a serem misturados pela loira Gloria Grahame, com
as suas longas luvas de seda.
Baseado numa história original de Bob Williams, o argumento de
"Macau" foi escrito por Bernard C. Schoenfeld e Stanley Rubin.
A sua atribulada rodagem e pós-produção acabaram por convertê-lo
numa obra de produtor e não de autor, muitas vezes subestimada
no universo do "film noir", mas com um dos melhores desempenhos
da carreira de Jane Russell, só superado pela sua participação
em "Os Homens Preferem as Loiras" (1953) de Howard Hawks
"Macau" (1952), de Josef von Sternberg
Nesta aventura pelo Oriente, três desconhecidos encontram-se a
bordo de um barco cujo destino é Macau. Um viajante solitário
(Nick Cochran/Robert Mitchum), uma sensual cantora (Julie Benson/Jane
Russell) e um caricato vendedor (Lawrence C. Trumble/William Bendix)
têm passados diferentes e objectivos distintos. Informado sobre
os recém-chegados pelo tenente Sebastian (Thomas Gomez), o criminoso
Vincent Halloran (Brad Dexter) pensa que Cochran é um polícia
que quer apanhá-lo e ordena ao tenente que o vigie por perto.
Entretanto, Halloran contrata a bela Julie para cantar no seu
casino. Quanto a Trumble, passa despercebido e afinal é ele quem
reserva a maior surpresa. Sedução, corrupção e crime marcam este
"film noir" de Josef von Sternberg. Depois de "Macau", o realizador
abandonou Hollywood e fez apenas mais um filme - "The Saga of
Anatahan" (1953) - no Japão. Visualmente, "Macau" combina a atracção
de Sternberg pelos pormenores da cultura oriental e o seu fascínio
pela fotografia.