A
Caravana Perdida
Quinta-feira, 17 de Fevereiro de 2005
Por:Ana Filipa Gaspar
Em busca da terra prometida
Onde
há apenas céu e terra, uma caravana viaja rumo ao sonho de um
povo. Entre canções alegres e inúmeras aventuras, John Ford regressa
a um dos seus temas centrais: o nascimento de uma comunidade.
Grandioso pela beleza visual e pelas emoções que transmite, "A
Caravana Perdida/Wagonmaster" (1950) é referido como um dos filmes
preferidos de John Ford. Nas palavras do realizador, foi este
"western" o que "chegou mais perto daquilo que esperava alcançar".
Adaptado por Frank Nugent e pelo filho do realizador, Patrick,
o argumento foi escrito a partir de uma história original de Ford,
baseada em factos reais de 1849. "A Caravana Perdida" é uma epopeia
do povo mórmon, cuja doutrina era mal aceite e, por isso, era
expulso de todas as comunidades por onde passava. Como outros
"westerns" de Ford, as filmagens decorreram em Monument Valley,
entre os estados de Utah e Arizona. Nesta paisagem, destacam-se
os planos das carruagens a avançar pelo deserto rumo ao sol posto,
capturados pela fotografia a preto e branco de Bert Glennon.
Peripécias
no deserto
Uma
caravana de mórmones, liderada por Elder Wiggs (Ward Bond), pretende
atingir a terra que lhes pertence por lei - o vale de San Juan,
junto à fronteira de Utah. São cem famílias que desejam
pôr fim a uma vida obrigatoriamente nómada e construir a sua própria
comunidade.
Elder
propõe um acordo a dois comerciantes de cavalos, Travis Blue (Ben
Johnson) e Sandy (Harry Carey Jr.), para que conduzam a caravana
até ao seu destino. Apesar de inicialmente hesitarem, Travis e
Sandy conhecem o deserto como poucos e tornam-se os guias dos
viajantes.
"Eis
todo o tipo de pessoas, de anos e sexos vários, sob humores e
perigos variegados.Como
se o próprio coração da América, premente e genuíno, se revelasse
pois - numa pulsão latente, intemporal, da natureza humanista
com a paisagem arrebatadora" JOSÉ DE MATOS-CRUZ
Historiador de Cinema
Pelo caminho, a caravana vai vivendo diversas emoções. Começa
por encontrar uma pequena companhia de actores ambulantes, que
se junta ao grupo. Sofre com a escassez de água e festeja quando
chega às margens de um rio. É confrontada com um bando de malfeitores,
os Clegg, chefiados pelo tio Shiloh (Charles Kemper), que lhes
exige acolhimento. E depara-se com índios navajos, que recebem
o povo mórmon como viajantes pacíficos.
Até à chegada à terra prometida, os mórmones têm
de vencer diversos desafios, mas não desistem da sua luta pela
liberdade. Sem um elenco famoso nem verdadeiros protagonistas,
esta história de pessoas simples torna-se mais real, permitindo
a consagração do povo humilde e aventureiro. E transforma-se num
retrato da América como resultado da comunhão de culturas diferentes.
Um filme ao ritmo da música
"A
Caravana Perdida" é também uma prova do fascínio de John Ford
pela música. Desde o início, os Sons of the Pioneers ajudam o
espectador a localizar a história no tempo, quando cantam durante
o genérico "cem anos vieram e foram desde 1849". Em conjunto com
a banda sonora de Richard Hageman, impõem um ritmo palpitante
ao filme, expressando os momentos de alegria e assinalando as
situações de perigo.
Este "western" é também considerado como um dos visualmente mais
ricos na filmografia de Ford. O olhar do realizador sobre a acção
pára em várias ocasiões, para nos mostrar cada um dos intervenientes
em planos aproximados, demonstrando como cada personagem está
a reagir psicologicamente à situação dramática.
De uma forma geral, é a sensibilidade de Ford que sobressai ao
criar um filme lírico e poético, onde o amor nasce entre as personagens,
mas não ofusca a beleza que é a história de um povo e da conquista
da sua terra. Para Orson Welles, John Ford era o maior "poeta"
do cinema. O próprio negavao, afirmando que, para si, realizar
era apenas "um tipo de trabalho".