Céu
Aberto
Quinta - Feira, 13 de Janeiro de 2005
Por: Rui Pedro Vieira Por Rui Pedro Vieira
Ao
sabor da aventura
Os
épicos passados no velho Oeste ganharam um outro esplendor com
a mestria dos cineastas John Ford e Raoul Walsh. Para "Céu Aberto",
Howard Hawks, um dos melhores contadores de histórias de Hollywood,
apostou no espírito de aventura e conduziu dois heróis errantes
a abraçarem uma missão pioneira.
Esta é a saga "dos grandes primeiros tempos" americanos.
Em Hollywood costumava dizer-se que Howard Hawks tinha o dom de
se envolver artisticamente num projecto que, por coincidência,
era aquele que o público mais queria ver. Para o catálogo das
memórias da sétima arte deixou clássicos como "As Duas Feras"
(1938), "O Grande Escândalo" (1940) ou "Os Homens Preferem as
Louras" (1953), filmes que ajudaram a enfatizar a componente de
entretenimento que o cinema deve oferecer. Mais do que a exacerbação
artística, Hawks costumava presentear o espectador com uma boa
história, protagonizada por homens e mulheres desenvoltos, sem
ceder a grandes artifícios de montagem.
O seu estilo adequa-se às regras do cinema clássico, quer pelos
movimentos de câmara despretensiosos quer pelo ritmo fluido, realista.
A fórmula para um bom trabalho era, nas suas palavras, muito simples:
"Desde que existam boas cenas, chega-se a um bom filme." A sua
versatilidade e independência financeira levaram-no a experimentar
quase todos os géneros, da comédia de enganos ao "thriller" nebuloso,
passando pelo musical e pelas histórias de "gangsters".
Viagem pelo rio Missouri
O
filme desta semana da colecção Clássicos Público, "Céu Aberto/The
Big Sky" (1952), foi produzido quando Hawks era já um nome de
prestígio e um dos últimos recursos artísticos para salvar o estúdio
RKO da bancarrota. Partindo de uma história de A. B. Guthrie Jr.
(o mesmo autor do argumento de "Shane"), esta saga passada na
América rural, ainda por explorar, reflecte um amadurecimento
de um género muito popular nos primeiros anos do cinema: o "western",
que Howard Hawks repetiria em "Rio Bravo" (1958) ou "Eldorado"
(1966).
Os épicos passados no velho Oeste ganharam um outro esplendor
com a mestria de John Ford e Raoul Walsh. Para "Céu Aberto", Hawks
apostou no espírito de aventura e conduziu dois heróis errantes
a abraçarem missões pioneiras. Logo nas primeiras imagens deste
filme, passado em 1830, um texto introdutório explica os contornos
desta época: "A história da América é a história dos grandes primeiros
tempos. Houve homens que foram os primeiros a atravessar novas
pradarias e novas montanhas, os primeiros a encontrar ouro, prata
e cobre, a arar novos campos de trigo e a construir novas colónias.
Esta é a história de outros grandes homens."
E a que "outros" heróis se refere esta mensagem? A Jim Deakins
(Kirk Douglas) e a Boone Cardell (Dewey Martin), dois jovens destemidos
que aceitam participar numa jornada arriscada ao longo de três
mil quilómetros pelo "selvagem e inexplorado" rio Missouri. Nesta
descoberta pelo "grande Noroeste" americano, os perigos vão ser
constantes, assim como as lições de companheirismo e de lealdade.
Em vez das habituais perseguições a cavalo (que também estão presentes
neste filme, mas em menor número do que o habitual), grande parte
da acção decorre no espaço exíguo de uma embarcação. Um detalhe
que cria uma nova abordagem para um período em que reinava a lei
da bala.
Uma
mulher entre dois homens
Depois
de se conhecerem por acaso, Jim e Boone tornam-se parceiros de
estrada. Ao chegarem à povoação mais próxima, querem cumprir um
único objectivo: encontrar Zeb Calloway (Arthur Hunnicutt), um
caçador aventureiro que possui um novo plano para ganhar dinheiro,
a já referida viagem de barco pelo rio Missouri, com o propósito
de negociar peles com a tribo índia dos Pés Negros. Comandada
pelo francês Jourdonnais (Steven Geray), a embarcação "Mantan"
segue em direcção a St. Louis, embora um grave acontecimento ameace
comprometer o sucesso desta missão. Por temer a concorrência comercial,
o ambicioso Louis MacMasters (Paul Frees), líder da Fur Trade
Organisation, une-se aos índios Crows para afundarem o barco e
aniquilarem os protagonistas.
Nesta história de homens, há ainda um perigo para o qual Jim e
Boone não estavam preparados: lidar com a presença da jovem índia
Teal Eye (Elizabeth Threatt), que os acompanha nesta viagem para
poder regressar a casa e, ao mesmo tempo, facilitar o negócio
de Zeb Calloway com os pacíficos Pés Negros. Teal Eye vai ser
um dos principais obstáculos à amizade de Jim e Boone, porque
ambos se apaixonam pela sua doçura. Contudo, os dois homens vão
acabar por perceber qual é o seu lugar no território movediço
dos assuntos afectivos (para o qual parecem não possuir armas
de combate).
"Este país é grande... só o céu é maior." O desabafo é de Jim
Deakins, quando o rio Missouri se torna uma paisagem omnipresente
e os dias vão passando devagar. Nesta viagem pela beleza natural
americana (quase toda a rodagem de "Céu Aberto" decorreu em exteriores,
na região de Snake River e no parque natural de Grand Teton),
o realizador Howard Hawks retira o máximo partido das paisagens
imensas e constrói um olhar ponderado sobre as raízes da América.
Como "western", "Céu Aberto" destaca-se pela caracterização profunda
das personagens, com especial destaque para o desempenho de Arthur
Hunnicutt (que foi nomeado para o Óscar de melhor actor secundário),
na pele do sagaz explorador Zeb Calloway, que parece ter todo
o tempo do mundo para cumprir a sua missão. E é com a sabedoria
dos grandes conquistadores que, bem perto do final, deixa no ar
mais uma lição aos dois protagonistas: "Um homem só deve partir
quando não tem mais nada que o leve a ficar."