Lua sem Mel
Quinta-feira, 24 de Fevereiro de 2005
Por:Ana Filipa Gaspar

O nazismo e uma história de amor

Pat (Cary Grant) e Katie (Ginger Rogers) conhecem-se pouco antes do começo da II Guerra Mundial e mais tarde vão lutar juntos para tentar travá-la. Realizado por Leo McCarey, "Lua sem Mel" é uma aventura romântica pelos países que Hitler e as suas tropas invadiram entre 1938 e 1940.

Combinando romance, espionagem e humor, "Lua sem Mel/Once Upon a Honeymoon" (1942) alia a beleza de Ginger Rogers e o "charme" de Cary Grant, numa intriga que atravessa a Europa durante as invasões nazis. A dirigi-los está Leo McCarey, célebre pelas suas comédias dos anos 20 e 30. Apesar de hoje ser quase desconhecido quando comparado com nomes como John Ford ou Alfred Hitchcock, os filmes de McCarey tiveram muito sucesso entre os espectadores da época. Também a crítica reconheceu o seu mérito e foi distinguido com três Óscares - no total, os seus filmes foram nomeados 36 vezes -, além de ser admirado entre os colegas (por exemplo, Chaplin e Capra). Para Cary Grant, McCarey foi um dos cinco melhores realizadores com que trabalhou, ao lado de Hitchcock, Howard Hawks, George Stevens e George Cukor.

No seu trabalho, McCarey evoca frequentemente aspectos da sua vida. No êxito "Com a Verdade Me Enganas" (1937), Cary Grant tenta vender uma mina falida, história de um dos fracassos do realizador no passado. Mas "Lua sem Mel" é mais o reflexo de uma preocupação do que uma experiência individual. O ano de 1941 foi particularmente difícil - os nazis obrigaram os judeus a usar estrelas amarelas e começaram a utilizar câmaras de gás em Auschwitz. Por isso, McCarey tenta combinar o ridículo dos agentes da Gestapo e dos oficiais nazis com o medo das crianças judias e a angústia dos judeus nos campos de concentração - ingredientes complexos para uma comédia que procura ser ligeira

Uma invulgar lua-de-mel

Em Viena, Katie O"Hara (Ginger Rogers), ex-bailarina de um cabaré nova-iorquino, finge ser um membro da alta sociedade de Filadélfia e utiliza o nome de Katherine Butt-Smith para casar com o barão austríaco Von Luber (Walter Slezak). Mas Katie não sabe que o barão também usa uma máscara. É um colaborador de Hitler disfarçado de diplomata alheio às questões da guerra.

Enquanto a futura baronesa prepara o casamento e a lua-de-mel, um jornalista norte-americano, Pat O"Toole (Cary Grant), tenta aproximar-se dela para saber mais informações sobre Von Luber. Os encantos de Katie fascinam Pat e uma história de amor começa a desenhar-se.

Subitamente, têm início as ofensivas hitlerianas e as viagens dos Von Luber, que entretanto casam na Checoslováquia. Polónia, Noruega, Holanda, Bélgica e França são os vários destinos da lua-de-mel, que avança ao ritmo das tropas nazis e do calendário do "Führer" alemão. A missão de Von Luber é cada vez mais óbvia e Katie acaba por fugir com Pat, que não desistiu de segui-la.

No entanto, o romance tem ainda de ultrapassar alguns obstáculos antes de ser consumado. Para evitar a queda de Paris nas mãos de Hitler e o desenvolvimento da guerra, Katie aceita ser espia dos Aliados e volta para junto do barão. Ameaçado por Von Luber, Pat é contratado para ler uma declaração dos nazis emitida pela rádio para os EUA. Como vão terminar as suas perigosas e nobres tarefas?

O estilo McCarey

Uma das acusações mais habituais a Leo McCarey é que não é um verdadeiro "autor", porque não possui um estilo visual como Orson Welles ou outros realizadores. Porém, o seu trabalho tem várias características próprias e, se não se destaca visualmente, tem um ritmo e um som distintos.

McCarey preferia colocar alguns momentos importantes fora de cena, num local onde o espectador não pode aceder e testemunhar os eventos. É o caso da luta entre Katie e Von Luber no barco, que ninguém sabe como termina até que uma das personagens regressa e conta o sucedido.

Existe ainda uma tendência para criar situações em que alguém ensina algo a outra pessoa. Na comédia "Lua sem Mel", é combinada com a caricatura dos nazis, que tentam explicar a Pat como apresentar o seu discurso via rádio com "shpontanuity" (espontaneidade). E o diálogo flui entre as personagens ao ritmo de uma improvisação, que poderá ou não estar por detrás da cena - McCarey adorava improvisar.

Para o realizador, a música tem também um grande significado. Antes de entrar no cinema, tentou ser compositor e, apesar de escrever canções com abundância, nunca conseguiu ganhar o suficiente para sustentar-se. Mais tarde lembraria que este insucesso era "a sua maior frustração". Numa cena do filme, Pat toca (mal) saxofone durante a viagem de comboio para a Polónia, após reencontrar Katie, a quem diz: "Vais ouvir notícias minhas." E ouve mesmo, no quarto ao lado com o barão, rindo às gargalhadas.

Factos e Lendas

"Um 'dandy' irresistível"

As filmagens de "Lua sem Mel" começaram a 25 de Abril de 1942 com Ginger Rogers e Cary Grant nos principais papéis. Era um ano atribulado na vida de Grant e a produção do filme sofreu alguns atrasos devido a assuntos pessoais do protagonista.

Apesar dos 38 anos, o actor pretendia integrar os Army Air Corps e por isso, a 26 de Junho, tornou-se cidadão norte-americano, passando a ser legalmente Cary Grant - Archibald Leach era uma memória do passado britânico. Mas acabou por não participar activamente na II Guerra Mundial porque Washington optou por utilizar os serviços de Grant como figura pública e não como combatente.

Entretanto, Grant seduziu Barbara Hutton, herdeira de uma fortuna de 40 milhões de dólares. Mordazes, os "media" chamavam-lhes "Cash & Cary". O casamento aconteceu a 8 de Julho e um dia depois o protagonista de "Lua sem Mel" regressava à rodagem, adiando a sua própria lua-de-mel.

À sua espera estava Rogers. Nas suas palavras, Grant era "um 'dandy' irresistível" e o seu humor era "contagioso". Mas nem tudo era tão harmonioso. Para evitar desentendimentos entre as duas estrelas, o estúdio teve de dividir a publicidade do filme em dois cartazes, um com o nome do Rogers em primeiro e outro com o de Grant.


 
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