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ODE PARA BARTOLOMEU
DIAS
I
QUANDO o astrolábio
não mais te falar de estrelas,
de medridianos, da calculada aproximação ou afastamento
da mulher amada que vês e sentes em cada uma que nos portos
ocasionalmente surge e se esvai;
quando as papoulas não
mais forem colhidas por tua mão
e as rosas escarlates fanarem nos teus jardins,
alheias ao perfume dos cabelos que não enfeitaram,
das mulheres que não amaste, das que não conheceste, ou ignoraste,
e que à noite abrem a porta aos que lhes levam cravos, goivos, rosas
brancas, agapantos, nenúfares, e lhes dão a boca, que mal adivinham,
e a nudez;
quando o leme não mais respeitar a tua vontade,
e teu for o caminho da morte,
rotos os sapatos e a esperança,
velas arriadas e desbotado,
aguarda-a nas colinas do sono.
III
Ah, Bartolomeu Dias,
marinheiro sem mulheres, sem cais,
tanto suaste para divisar o Índico além da tempestade e da fábula,
tanto quiseste ver-te senhor do Oriente,
plantar as quinas muito além do teu sonho, e a cruz;
tantas estrelas seguiste, louco e lúcido, e outros tantos alfarrábios
e adivinhos consultaste,
fundindo o real ao fantástico
- os os poetas não falaram de ti, o proficiente,
nem dos teus sonhos, nem dos fantasmas que evocaste,
embora sulcasses a cortina que envolvia as palavras e o abismo.
Pensavas servir a pátria
e serviste a muitas.
Bartolomeu Dias da minha
infância,
símbolo da minha raça, fremes e estuas no meu peito,
e te apegas às minhas veias para alevantar, ao vento, as velas
e me arrastar ao Índico.
Ah, Bartolomeu Dias,
meu Ulisses lusíada
eu te sagrarei na pedra, com a palavra ou ant Deus!
Do outrora te lançarei ao porvir, e não há tempestade que
te abata mais uma vez.
FERNANDO FERREIRA DE LOANDA
in "Do Amor e do Mar"
Orfeu, 3ª ed.
Rio de Janeiro, 1968
100 páginas.
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