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DONZELA QUE VAI À GUERRA

Já se apregoam as guerras
Entre a França e Aragão:
— Ai de mim que já sou velho,
Não nas posso brigar, não!
De sete filhas que tenho
Sem nenhuma ser varão!...
Responde a filha mais velha
Com toda a resolução:
— Venham armas e cavalo
Que eu serei filho varão.
—Tendes los olhos mui vivos.
Filha, conhecer-vos-ão.
— Quando passar pela armada
Porei os olhos no chão.
—Tendes los ombros mui altos
Filha, conhecer-vos-ão.
— Venha gibão apertado,
Os peitos encolherão.
—Tend’-las mãos pequeninas
Filha, conhecer-vos-ão.
— Venham já guantes de ferro
E compridas ficarão."
— Tend’ los pés delicados,
Filha, conhecer-vos-ão."
— Calçarei botas e esporas,
Nunca delas sairão.
— Senhor pai, senhora mãe,
Grande dor de coração,
Que os olhos do conde Daros
São de mulher, de homem não.
— Convidai-o vós meu filho
Para ir convosco ao pomar,
Que, se ele mulher for,
À maçã se há-de pegar.

A donzela, por discreta,
O camoez foi apanhar.
— Oh que belos camoezes
Para um homem cheirar!
Lindas maçãs para damas
Quem lhas pudera levar.
— Senhor pai, senhora mãe,
Grande dor de coração,
Que os olhos do conde Daros
São de mulher, de homem não."
Convidai-o vós, meu filho,
Para convosco jantar,
Que, se ele mulher for,
No estrado se há-de encruzar.
A donzela por discreta,
Nos altos se foi sentar.
— Senhor pai, senhora mãe,
Grande dor de coração,
Que os olhos do conde Daros
São de mulher, de homem não.
— Convidai-o vós, meu filho,
Para convosco feirar,
Que, se ele mulher for,
Às fitas se há-de pegar.
A donzela, por discreta,
Uma adaga foi comprar.
— Oh que bela adaga esta
Para com homens brigar!
Lindas fitas para damas:
Quem lhas pudera levar!
— Senhor pai, senhora mãe,
Grande dor de coração,
Que os olhos do conde Daros
São de mulher, de homem não.
— Convidai-o vó, meu filho,
Para convosco nadar,
Que, se ele mulher for,

O convite há-de escusar.
A donzela, por discreta
Começou-se a desnudar...
Traz-lhe o seu page uma carta,
Pôs-se a ler e pôs-se a chorar.
— Novas me chegam agora,
Novas de grande pesar:
De que minha mãe é morta,
Meu pai se está a finar.
Os sinos da minha terra
Os estou a ouvir dobrar
E duas irmãs que eu tenho
Daqui as oiço chorar.
Monta, monta, cavaleiro,
Se me quer acompanhar.
Chegavam a uns altos paços,
Foram-se logo apear.
— Senhor pai, trago-lhe um genro,
Se o quiser aceitar;
Foi meu capitão na guerra,
De amores me quis contar...
Se ainda me quer agora
Com meu pai há-de falar.
Sete anos andei na guerra
E fiz de filho varão.
Ninguém me conheceu nunca
Senão o meu capitão;
Conheceu-me pelos olhos,
Que por outra coisa não.

in "O Romanceiro"
Coligido por Almeida Garrett
Ed. Lello, 1971  (3 volumes)
500 páginas
2700$00

 
 

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