Erros, siglas e carácter

A coluna por mim assinada na semana passada continha alguns erros e uma imprecisão para os quais, dentro e fora do jornal, me foi chamada a atenção. Apresso-me a corrigi-los, não sem apresentar as devidas desculpas aos intervenientes por mim maltratados. Tratava-se de reflectir sobre duas notícias consecutivas e contraditórias, assinadas pelo jornalista Pedro Garcias, a propósito da suspensão de uma professora de Macedo de Cavaleiros. Na notícia inicial afirmava-se que a professora fora suspensa por ter alegadamente proposto o negócio, confirmado por toda turma, de aumentar em dois valores a nota final dos alunos que lhe oferecessem os seus trabalhos de tapeçaria. Na edição seguinte infirmava-se a informação assinalando que a professora não fora suspensa e que a maioria da turma fizer um abaixo-assinado negando que tal negócio lhe tivesse sido alguma vez proposto e criticando o aluno que a denunciara.
Indo às correcções por mim devidas.
Primeiro, Pedro Garcias é delegado do PÚBLICO e não, como escrevi, correspondente. A diferença não é tão singela, pois para muitos leitores, "correspondente" pode evocar uma situação de relação pontual com o jornal, quando Pedro Garcias faz parte dos quadros do PÚBLICO há vários anos. Segundo, foi na redacção do jornal e não da lavra do mesmo Pedro Garcias que, na segunda notícia se acrescentou a informação de que a Inspecção-geral da Educação decidira averiguar o caso.
Terceiro, o autor avisou a jornalista que na redacção do Porto recebeu a primeira notícia de que não conseguira obter nenhuma informação junto dos intervenientes e que se baseara totalmente na RTP para a construção da notícia. Apesar deste aviso, ninguém na redacção releu a notícia com olhos críticos suficientes para dar conta de que ela não transmitia ao leitor essa condição.

Daniel Catalão, jornalista da RTP que elaborou a notícia que viria a ser a única fonte da primeira notícia saída no PÚBLICO sobre o caso e a coordenadora da RTP na região queixam-se, com razão, de que ao ter escrito "a informação, afinal, estava errada" pus em causa a notícia da RTP elaborada pelo primeiro e editada pela segunda. Tendo, assim, faltado ao dever deontológico básico de os ouvir antes de tal escrever. Não era essa a minha intenção, nem é esse o meu entendimento: a RTP tratou de recolher todos os elementos necessários à elaboração rigorosa da informação que produziu. Quando o PÚBLICO conseguiu (no dia seguinte) contactar os intervenientes, apurou que, afinal, a informação dada não estava correcta. Foi baseado em investigação própria, conduzida por Pedro Garcias, que se corrigiu a notícia anteriormente publicada.
Escreve Daniel Catalão: " A minha notícia não continha, assim, quaisquer informações erradas porque elas foram prestadas pela fonte mais fidedigna [e identificada na notícia] que podia fazê-lo - o próprio Director do Piaget [escola onde trabalha a referida professora]. Eu não tenho é culpa que este senhor assuma uma coisa num dia e desminta a sua própria palavra pouco depois."
Na minha última coluna referia, pela pena do próprio Pedro Garcias: "(...) as declarações prestadas a esta televisão pelo director da Escola Jean Piaget, Armando Queijo, eram inequivocamente reveladoras da culpabilidade da professora (Š)". Contudo, admito que, contra a minha vontade, a frase "a informação, afinal, estava errada" possa sugerir que a RTP tinha editado a notícia sem a confirmar. O que é manifestamente falso.

O leitor Jorge Manuel Ventura, de Alcobaça, insurge-se contra o facto do PÚBLICO ter adoptado por designar a Ogyen Kunzang Choling por OKC o que, no seu entender "equivale a designar a Igreja Católica por ICR. (Š) O uso de tal sigla ajuda a dar um ar sinistro e obscurantista à coisa. KGB, KKK, OKC, e tal..." Como o próprio leitor reconhece não foi o PÚBLICO que "inventou" a sigla. Nos textos publicados, o jornal designa por extenso a dita religião na primeira vez que a ela se refere, passando depois a referenciá-la apenas pela sigla. As siglas têm essa tremenda vantagem prática: ocupam menos espaço e permitem leituras mais rápidas. Entre as suas desvantagens não é menor o facto de acabarem por conotar a própria realidade que pretendem designar. Mas o leitor compreenderá as dificuldades dos leitores em lerem e conversarem sobre uma religião que se intitula Ogyen Kunzang Choling e a facilidade de se lhe referirem como OKC. Apesar de ter razão em sublinhar que as conotações não são as mesmas.
Tudo isto a propósito da discordância manifestada em carta ao provedor sobre o título "História do mosteiro português da OKC" de uma reportagem assinada por Idálio Revez: "(Š) o sr. Revez conta na sua notícia não a história do Mosteiro, mas sim a história (muito interessante, por acaso) do sr. Peixoto." Tem razão o leitor. Escreve Idálio Revez: "A história do mosteiro português da OKC tem, na sua origem, António Peixoto, uma figura com um perfil e recorte humano, julgo que desconhecidos. Não tive a pretensão de Œfazer a história do mosteiro¹ (Š), mas apenas dar a conhecer um outro ângulo das relações dos budistas com a aldeia do Malhão. A versão da história, contada por uma pessoa que os acompanhou de perto, os respeita, e não os hostiliza, pareceu-me ter credibilidade suficiente para ocupar o espaço que lhe foi dado." De facto o trabalho de reportagem está elaborado no registo de um auto-retrato - não há outros personagens que confirmem a história contada por António Peixoto - de um homem por cuja mão passou a instalação dos budistas da Ogyen Kunzang Choling em Portugal. Merecia outro título mais fiel. Que não deixasse dúvidas que o subtítulo "ŒCabriolet¹ e mulheres bonitas" diz respeito a vidas passadas de António Peixoto e não aos monges do dito mosteiro.

Manuel Mendes de Carvalho, leitor de Lisboa, acha que num "jornal com as pretensões do PÚBLICO, erros de português são inadmissíveis, mas a verdade é que eles são constantes." E, para não ficar na acusação genérica, concretiza: "Ontem (20/7/97), porém, passaram das marcas. (Š) dão-se como singular de "caracteres" as palavras inexistentes "caracter" e "caractere". Com franqueza!"
Tem razão o leitor: escrever em português correcto sempre foi exigência e ambição do PÚBLICO. E quando, apesar dessa intenção, se erra, não se trata o erro com ligeireza e procura-se aprender com ele.
Vejamos então. Carácter - "s. m. 1. Cunho, marca, impressão traçada. Cada uma das letras metálicas ou tipos de imprensa. (...) Índole." (in Grande Dicionário da Língua Portuguesa, Cândido de Figueiredo, 1996, Venda Nova) - nos seus dois significados mais usuais tem um só plural: caracteres. Ainda que em linguagem oral muitas vezes se transforme a palavra em esdrúxula, quando se pretende referir a índole de alguém, e se pronuncie (erradamente) "carácteres", a palavra não existe.
Quanto ao carácter das pessoas estamos conversados. Mais complicado se torna perceber o que se passa quando se quer designar "qualquer dígito numérico, letra do alfabeto ou um símbolo especial" (in Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa, 1986 Rio de Janeiro) em que se admite grafar a palavra caractere.
Em síntese, simplificando e sem fundamentar excessivamente a nossa opção, o PÚBLICO aceita que: 1. "caracter" não existe; 2. "caractere" é uma forma correcta de grafar o substantivo que designa "qualquer dígito numérico, letra do alfabeto ou um símbolo especial"; 3. "carácter" é uma forma correcta de grafar o substantivo que designa o anterior ou a índole das pessoas; 4. Os dois substantivos referidos em 2. e 3. grafam-se no plural do mesmo modo: "caracteres".

A coluna do provedor do leitor vai de férias durante o mês de Agosto, regressando em Setembro. Contudo, os leitores podem manter-se em contacto com o seu provedor através dos meios habituais.


Texto de Jorge Wemans


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