Títulos garrafais

O leitor Francisco Pereira Soares, de Lisboa, é recorrente nas suas chamadas de atenção para erros, deslizes e ligeirezas do PÚBLICO. Anteriores cartas permitiram repensar o que o jornal tinha editado e sinalizar práticas menos correctas. Vem agora o leitor questionar "a justeza (exactidão, relevo, etcŠ) dos títulos do PÚBLICO, sobretudo os 'garrafais' de 1ª página." E, reflectindo sobre duas primeiras páginas da semana passada, conclui: "Estes casos que (Š) se vão repetindo com desagradável e desconfortável frequência, levam-me a salientar dois pontos: a) desproporção entre o relevo da notícia/título e o da sua posterior qualificação/correcção/aprofundamento; b) aparente persistência dos responsáveis pela Œ1ª página¹ neste tipo de procedimento."

Vamos aos casos. Segunda-feira, 7 de Julho, a manchete do PÚBLICO gritava: "Colapso". Antetítulo: "Sector metalúrgico e metalomecânico". Pós-título: "Sete mil empresas ameaçadas de extinção". Escreve o leitor: "(Š) a leitura da notícia logo me deixou algum Œdesconforto¹: primeiro, a fonte (o presidente de uma associação empresarial em véspera de um Œencontro¹); depois, o ar de Œpalpite¹ no número - sete mil! - invocado; e, curiosamente, até nem era o Governo que era responsabilizado! Mas, mais do que qualquer outra coisa, a notícia do PÚBLICO em 10/07 (mas lá bem dentro, na pág 36 Š) é clara!
É clara, mas não põe em causa a opção da manchete de três dias antes. Esta baseava-se num trabalho do jornalista Leonardo Ralha que reproduzia afirmações do presidente da Associação Nacional das Empresas Metalúrgicas e Metalomecânicas (ANEMM), José Oliveira Guia. A manchete nada exagerava. Gritar "colapso" face a um sector que comporta 15 mil empresas e no qual, segundo aquele seu responsável credenciado, "de certeza vão morrer entre seis a sete mil empresas", não é senão justo, exacto e merecedor de todo o relevo. De resto, a notícia de 10/7/97, assinada pela jornalista Maria João Gago, intitula-se "ANEMM faz marcha-atrás" e dá conta de que "O presidente da (Š) ANEMM inverteu ontem, surpreendentemente, a análise catastrofista que fez sobre o sector na edição de segunda-feira do PÚBLICO...". Quem mudou de opinião foi o presidente da ANEMM, mas a manchete de segunda-feira estava suportada no texto desse dia.

O que era verdade na segunda-feira deixou de o ser na quinta-feira. Acontece. Acontece frequentemente em jornalismo. E nem sempre revela descuido, falta de perspicácia ou menor rigor ético. Contudo, neste caso o PÚBLICO falhou em três aspectos, embora não sejam exactamente aqueles que o leitor Francisco Soares refere. O segundo exemplo que aponta ajuda-nos a perceber melhor uma destas incorrecções, pelo que a explicitaremos no final desta coluna. Quanto às outras: no primeiro texto, o jornal não cruzou a informação de uma fonte com outra(s) independente(s) da primeira; e no segundo, não explicou as razões da mudança de opinião do presidente da ANEMM.

Então não bastam as declarações de um responsável, altamente credenciado pelo facto de ser dirigente eleito, para se construir um texto e definir um título bem suportado por este? "Não havia necessidade... de ir mais longe", dirão os leitores. Depende, diz o provedor. Se o PÚBLICO edita um texto em que toma como verdadeiras as afirmações recolhidas e quer gritar com títulos que não atribui a alguém devidamente identificado, então o PÚBLICO está a jogar a sua credibilidade (e não só a que reconhece ao citado) naquilo que titula e escreve. No caso em apreço, nem no título de 1ª pág., nem no do Suplemento de Economia, para o qual esta remetia, se usam aspas ou se identifica o autor da frase. Ora, para tal, é exigível - como prática de rigor mínimo - que se teste essa informação com a de, pelo menos, outra fonte independente da primeira. Não foi o que fez Leonardo Ralha. Deixou-se enredar pela sofreguidão daquilo que na gíria jornalística é classificado de "uma bomba" - leia-se afirmação, facto, ou opinião novo e altamente controverso sobre assunto de importância indiscutível. Não raro, a excitação de se possuir "uma bomba" ou o desejo de a não relativizar com recurso a outras informações não exactamente coincidentes, leva a que se publiquem informações com insuficiente enquadramento e confirmação. Não terá sido exactamente assim neste o caso, visto que o jornalista, ainda que consciente da importância do assunto, não o julga "suficientemente importante para ser manchete".

Se outra fonte - o organismo oficial de acompanhamento do sector, por exemplo - tivesse corroborado a análise do presidente da ANEMM o PÚBLICO teria toda a razão para a manchete que escolheu e para o género de texto que editou. Se apenas possuía as declarações deste, não era caso para manchete e devia ter atribuído o título a fonte identificada. Ao optar pela segunda hipótese não deixaria de ser acusado de fazer jornalismo preguiçoso sobre assunto que diz respeito a um sector de importância indiscutível: 15 mil empresas, 150 mil trabalhadores, que representa mais de 10 por cento do PNB e 18 por cento das exportações totais da indústria transformadora.
O jornalista não tinha outra solução (mesmo que para tal a notícia não pudesse sair no Suplemento de Economia), dada a relevância do assunto: partir para a recolha de outras informações que confirmassem ou infirmassem a notícia de que dispunha.
Por outro lado, a notícia de 10/7/97, embora bem construída no seu "lead", não informa o leitor das razões que levaram o presidente da ANEMM a mudar de opinião. É certo que subliminarmente - pela voz que a notícia confere a terceiros personagens - se intui as razões que levaram José Oliveira Guia a desdizer-se. Mas a jornalista (que o interpelou sobre a questão) deveria ter publicado a resposta que obteve e tê-la interpretado na sequência dos factos que conhecia ou lhe podiam ser fornecidos pelo seu colega de redacção.

O leitor Francisco Soares escreve ainda: "Noutro caso (ŒEuropa reduz fundos¹) porque não, ao menos, ŒEuropa pode reduzir fundos¹? Dois dias depois, lá bem dentro, rodapé da pág. 34, lê-se "Portugal mais próximo do Fundo de Coesão¹ em prosa referente ao mesmo tema." Acrescenta o provedor: e no dia 11/7/97 lê-se, também em rodapé da pág.43: ŒPortugal garante Fundo de Coesão¹. E, desculpe o leitor, está tudo bem!
Então? Como assim?
Terça-feira, o PÚBLICO faz a manchete com "Europa reduz fundos", mas em antetítulo escreve que "Apoios comunitários vão mesmo ser cortados e entrar no Euro pode determinar fim da Coesão". Tudo com base nas propostas existentes no seio da Comissão Europeia, propostas que expõe na pág. 39. Nos dias seguintes, a mesma jornalista - Isabel Arriaga e Cunha, correspondente do jornal em Bruxelas - dá conta de que apesar de tudo o "pode" da entrada no Euro não determinou o fim do Fundo de Coesão, embora tal não signifique que no futuro (de 2000 a 2006) Portugal não receba da União menos fundos do que os anualmente obtidos entre 1996 e 1999. Em tudo isto só merece reparo o título da pág. 39 da edição de terça-feira em que se introduz alguma ambiguidade entre o todo e a parte quando se escreve: "Portugal perde fundos". No mais, não se vê falta de rigor ou menor justeza nos títulos escolhidos ou nos textos que lhes estão na origem.

Contudo, em ambos os casos o PÚBLICO não esteve à altura da importância que tinha dado aos assuntos. Se chamou a atenção para a crise do sector metalomecânico e para a redução dos fundos comunitários, deveria ter acompanhado a evolução contraditória dos assuntos com chamadas à primeira página. Não se pode editar um jornal diário sem memória daquilo para que nos dias anteriores se chamou a máxima atenção dos leitores! Mas a consciência dessa responsabilidade que se contraiu perante o leitor tende a desaparecer logo após a escrita de cada jornal. Velha pecha do PÚBLICO!...


Texto de Jorge Wemans

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