Fotografias indignas

Carlos Neves Simões, de Faro, anda desgostado com o jornal de que é "leitor quase diário". A razão do seu incómodo prende-se com "as fotografias que ilustram muitos trabalhos jornalísticos". A sua crítica é contundente: "Diria que [as fotos] são escolhida à laia de Œpimba¹ (Š) escolhem-se as piores no que respeita às posições dos visados." Dá exemplos: "Foi o que aconteceu com a foto do Rei de Espanha e o nosso Presidente aquando da visita às gravuras rupestres de Foz Côa, em que se mostrava as duas personalidades e o cicerone de cócoras. Na edição de 21 de Junho, o ministro Sousa Franco [surge] em situação de Torre de Pisa (...)." E deixa um apelo: "Não será possível pôr os visados - quaisquer que sejam - em posição digna, tal como o PÚBLICO fez com Felipe González, apesar do anúncio do final da sua liderança, o mesmo aparece [na foto escolhida] com semblante triunfante."
A fotografia é assunto a que os leitores são particularmente sensíveis. Já em anterior coluna (6/4/97) se abordaram questões com ela relacionada. Com a condescendência de Carlos Simões, mais do que analisar os casos que cita, parece-me útil aproveitar as interrogações que levanta para dar a conhecer como os responsáveis mais directos - os editores fotográficos do PÚBLICO - escolhem o material fotográfico que é publicado e que pensam dele.

Indo ao básico: o que determina que uma notícia seja acompanhada de foto?
"A importância dos acontecimentos e/ou das pessoas que neles participam determinam em grande parte a publicação (ou não) de fotografia", responde Luís Vasconcelos, editor da fotografia em Lisboa, que não esconde opções motivadas por razões mais prosaicas: a existência de "espaço a mais numa página, ou a falta dele, podem determinar que as notícias sejam ou não acompanhadas de foto."
Mas nem sempre, reconhece Luís Vasconcelos, os repórteres fotográficos conseguem responder aquilo que deles se esperaria: "Assuntos muito importantes para os leitores podem não existir para a fotografia, outros não têm tido da nossa parte resposta adequada. É o caso do tema do aborto: não conseguimos fazer, imaginar ou propor fotografias equilibradas que acrescentem algo aos múltiplos textos que o PÚBLICO tem editado sobre o assunto."

Respondendo ao leitor: quais são os critérios para a escolha de uma (entre várias) fotos de um mesmo acontecimento?
"Escolhemos sempre aquelas imagens que nos parecem melhores. E melhor, no nosso ponto de vista, é fazer com que uma imagem seja informativa, apelativa, através do seu equilíbrio estético e perfeita tecnicamente. Procuramos privilegiar novas maneiras de enquadrar os assuntos com imaginação e alguma irreverência, sem nos esquecermos de que queremos registar num só fotograma toda a informação possível", respondem os responsáveis fotográficos do Porto, Fernando Veludo e Alfredo Cunha.
Luís Vasconcelos admite que as imagens televisivas interferem com as escolhas do jornal: "Como os leitores vêm a maior parte dos acontecimentos através das imagens das televisões, é nossa preocupação escolher fotos que acrescentem algo a essa imagem." Como? através "de uma ângulo diferente e menos evidente, da possibilidade de fazer passar a emoção que os acontecimentos contêm...", para que a "foto contenha informação que complemente o texto jornalístico e lhe acrescente carga dramática."
Escolhas fáceis e sem interrogações deontológicas? Não. Recorda Luís Vasconcelos: "Há dias um miúdo morreu afogado no Tejo. Apesar de termos imagens dos homens-rã a tirarem o corpo do rio, entendemos que essas imagens eram demasiado chocantes e mórbidas quer para os leitores em geral quer, especialmente, para a família da vítima. Acabámos por escolher uma foto mais suave em que o corpo aparece tapado por um manta."
E o mesmo editor sublinha outra regra de ouro: "O repórter fotográfico deve registar os acontecimentos na sua essência, sem intervir na sua organização ou pretendendo influenciar a disposição dos seus actores. Tem, por isso, de procurar ser uma presença discreta para não interferirem (alterarem) nos acontecimentos."

Escritas as intenções, contados os percalços e expostos os critérios, como avaliam as fotos cuja publicação merece reparos do leitor Carlos Simões?
Fernando Veludo e Alfredo Cunha voltaram a rever as fotos em causa e escrevem: "Um elemento útil para a compreensão das nossa fotos é a dinâmica. Na fotografia do ministro Sousa Franco, a tal inclinação que dá a sensação de Torre de Pisa transmite uma ideia de movimento, incutindo dinamismo e acção a um assunto que tenderia a ser estático e formal. Na imagem da visita do Rei de Espanha e do Presidente da República às gravuras de Foz Côa, o que a torna diferente e informativa é o facto dos referidos personagens estarem numa posição pouco habitual. O facto de Juan Carlos e Jorge Sampaio se agacharem para verem com pormenor as gravuras, não lhes retira qualquer dignidade e introduz uma quebra de rotina que transforma esse gesto numa fotografia mais apelativa. Esta imagem foi considerada a fotografia do mês pela revista "Grande Reportagem"."

Quer o leitor dar (pelo menos em parte) razão aos editores fotográficos do PÚBLICO naqueles casos concretos? Entre o achincalhamento fácil - a que a manipulação da imagem com tanta facilidade se presta - e a procura de alguma surpresa e novidade no material fotográfico publicado, o provedor não vê que se tenha ultrapassado o respeito pela dignidade dos visados (suponho que estes comigo concordam!...).
O que não exclui a chamada de atenção para o limites que se impõem à procura dos tais "ângulos diferentes e menos evidentes" de cada acontecimento.


Texto de Jorge Wemans

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