Simpatia ineficaz

Como é que os leitores dos jornais vêem o provedor do leitor? "Como uma figura aceite, simpática e necessária. Mas também como uma instituição impotente e ineficaz." O diagnóstico pertence a Victoria Camps, professora de ética na Universidade Autónoma de Barcelona e membro da comissão do Senado espanhol para a análise qualitativa dos programas televisivos. A comissão conclui os seus trabalhos há alguns anos sem produzir tantas recomendações como gostaria, Victoria Camps já não é senadora, a programação televisiva em Espanha seguiu o seu processo de submissão aos princípios da máxima audiência. Mas nada disto impede a catedrática de persistir na reflexão sobre a interacção entre os media e os seus públicos. Esta é, segundo ela, a característica que faz a distinção entre meios de informação (de fluxo de um só sentido) e meios de comunicação (em que é suposto existir a tal interacção bidireccional entre o media e o seu público). Olhando mais de perto para o fenómeno, Victoria Camps conclui que ele "é maior na rádio, menor nos jornais e nulo nas televisões."
A plateia que escutava a conferência da professora catalã era de um tipo bastante raro: 41 provedores do leitor de vários países e de três continentes - América, Europa e Ásia - reunidos, na semana que ontem terminou, em Barcelona, na VI convenção anual da ONO (Organization of News Ombudsmen). E é ao que de mais significativo aconteceu nessa convenção que se dedica esta coluna, adiando respostas a leitores e juízos sobre polémicas que entretanto invadiram o espaço comunicacional português.

Simpática e genericamente bem aceite, a figura do provedor do leitor é olhada com alguma reserva baseada na dúvida quanto à eficácia do seu trabalho, das suas críticas e recomendações. Mas por que motivos se dirigem os leitores ao provedor? Tomemos a experiência de Jesus de la Serna, ex-"defensor del lector" do jornal "El País", uma publicação que situa no mesmo tipo de jornalismo de que o PÚBLICO também se reivindica. Seis grandes áreas bastam para enquadrar o recurso dos leitores ao seu "defensor". Em primeiro lugar surge a reacção a notícias de que o leitor foi objecto e em que não se achou bem tratado. Depois, a crítica a títulos não convenientemente suportados pelo conteúdo dos textos. Na mesma ordem de ideias, o leitor manifesta-se contra fotografias consideradas impublicáveis ou manipuladoras e queixa-se também da confusão entre informação e opinião detectada em algumas notícias. Jesus de la Serna recorda os múltiplos protestos recebidos contra a publicidade (enganosa ou instrumentalizadora) e remata reconhecendo: "A maior parte das questões que os leitores me fizeram chegar diziam respeito ao bom ou incorrecto uso da língua castelhana."
E ao dirigirem-se ao seu provedor que esperam os leitores? "Ser ouvidos" responde Victoria Camps. Este desejo de "ser ouvido" é tão importante que, segundo alguns dos ombudsmen presentes em Barcelona, muitas conversas telefónicas começadas com leitores sob o signo da mais profunda irritação terminam com um: "Bem, deixe estar, não vale a pena responder na sua coluna à minha interpelação. Faça chegar as minhas críticas ao jornalista e obrigado pelo tempo que perdeu comigo."

Mas nem todos os leitores querem apenas ser ouvidos. Alguns pretendem obter respostas às suas questões e sugestões. Há os que ficam satisfeitos com a resposta que o provedor lhes dá. E há aqueles para quem ela não basta, querem ver mudanças no seu jornal, exigindo que nele não se comentam mais os erros ou abusos de que se queixam. Garantias que nenhum provedor pode prestar. Resume Victoria Camps: "A falta de eficácia, mesmo quando o Œombudsman¹ dá razão ao leitor, em termos da irradicação das práticas jornalísticas que desagradam ao público, provoca o cepticismo com que a sua figura é vista por este."
Não podendo, nem lhe competindo, garantir a correcção deontológica e a irrepreensibilidade ética de tudo quanto o jornal publica, ao provedor são dirigidos, do ponto de vista daquela catedrática, três pedidos principais: "Evitar o corporativismo, abrir o jornal ao exterior e contribuir para a formação de opinião." Nem todos estes pontos juntos chegariam para que a eficácia do provedor fosse assegurada, mas contribuem para uma relação mais transparente entre público e jornal.
"As nossas sociedades não são tão individualistas como costumamos afirmar. Nelas o corporativismo é muitíssimo forte. É um fenómeno que transforma a crítica a um profissional em potencial agravo a toda uma classe. É uma falsa solidariedade, baseada na autodefesa e no medo. Os provedores, sendo na sua maior parte jornalistas, devem evitar a todo o custo cair no logro do corporativismo." E para tal, os provedores devem recorrer a pessoas externas aos jornais para comentarem questões colocadas pelos leitores. É o que Victoria Camps entende por "abrir o jornal ao exterior": trazer especialistas de várias áreas a pronunciarem-se sobre queixas de leitores, sem que tal recurso venha diluir a posição do provedor, mas mostrando que a comunicação social é objecto social, i. é., sujeito de análise a partir dos mais diversos saberes.
Para além da casuística, ou melhor, a partir da casuística, aos provedores é pedido sobretudo que contribuam para forma opinião. Não opinião sobre os factos e os acontecimentos, mas opinião sobre o jornalismo e a comunicação social que os leitores e a sociedade desejam. A consciência ética não é um dado imutável. Tratar de desvendar e debater as novas exigências emergentes face à evolução dos media é tarefa de "ombudsman".

Uma das novidades mais evidentes da convença da ONO foi a presença de vários provedores de rádio e televisão. Instituição com 30 anos de tradição nos jornais, ela começa agora a ser aceite por proprietários e directores dos media audovisuais. São os mesmos objectivos, mas contextos e fórmulas muito diferentes, pois ouvintes e telespectadores reagem mais à programação do que à informação. Desafios redobrados à eficácia do provedor. Mas, também aqui, convém lembrar que o "ombudsman" não pode pretender substituir-se à direcção na definição da linha editorial de uma qualquer emissora, nem aos jornalistas da casa. Ainda que a razão de existir dos provedores seja o público, as direcções e os jornalistas da casa são os seus interlocutores privilegiados, pois deles depende o tratamento, a escolha e o alinhamento do que é posto no ar.


Texto de Jorge Wemans

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