Boa antecipação, péssimo relato

Foi o 25 de Abril e o jornal desse dia quase não se referia à efeméride. Chocado, escreve o leitor José Reis, de Sines: "Está interessado o PÚBLICO em ignorar datas que marcam a nossa história? Porque me defraudou este ano, nesta data o PÚBLICO?" As efemérides, por mais importantes que sejam, representam sempre um desafio à imaginação jornalística. Usadas pela rotina, envelhecidas pelo que sobre elas já se escreveu, corroídas pela repetição de personagens e cenários conhecidos, as datas de referência perdem novidade e só se recuperam à força de golpes de asa que as proponham sob um ângulo diverso do tradicional. Nem sempre surge a proposta de uma abordagem estimulante, outras vezes aquela que parecia um hipótese interessante e inovadora não se mostra concretizável.
Foi o 25 de Abril e o PÚBLICO não encontrou modo de o cruzar com um olhar de novidade. Ficou defraudado José Reis: "Habituei-me a ver tratado no jornal PÚBLICO o 25 de Abril, quer para esclarecer pormenores mais escondidos da opinião pública, quer para lembrar às gerações mais novas minimamente o que foi o 25 de Abril." Regista-se a sugestão para o próximo ano e para outras efemérides relevantes.

O mesmo leitor indigna-se pelo facto da vitória da lista A nas eleições para a Direcção do Sindicato dos Bancários do Sul e Ilhas (SBIS) ter merecido apenas uma curta breve na última página da edição de dia 23 de Abril. Duvidando do "critério jornalístico" do seu jornal, José Reis insinua perguntando: "(Š) se tivesse ganho a lista B apoiada pela direcção da UGT e encabeçada pelo Sr. Barbosa de Almeida, seria também remetida para a última página do jornal, quase imperceptível, um parágrafo apenas?"
O leitor e o PÚBLICO convergem na importância das referidas eleições. Desde 30 de Março o jornal deu cinco notícias sobre a campanha eleitoral, entrevistou os principais protagonistas e dedicou-lhe o destaque do dia 22 (dia do voto). E, ao contrário do leitor, não tenho razão nenhuma para pensar que o desfecho eleitoral determinou um menor tratamento do resultado. O problema é outro. Mais genérico e mais difícil de entender pelos leitores.
Excluindo os jogos de futebol e outras competições desportivas, os factos parecem ser mais importantes para o PÚBLICO antes de terem lugar do que depois da sua concretização. É o que de melhor o jornalismo do PÚBLICO oferece aos seus leitores: capacidade de antecipar os acontecimentos, de fornecer quadros de leitura e inteligência para o que vai acontecer. Mas, despertados o interesse e a atenção dos leitores, sobrevém o desinteresse do jornal e dos seus jornalistas pelo que realmente aconteceu. A manchetes gritando a importância de um acontecimento de hoje sucedem no dia seguinte registos tão insignificantes - quando não a total ausência de relato e interpretação - do que se passou que ao leitor, perplexo, cabe perguntar-se se a "gritaria" do dia anterior era sensacionalismo ou motivada pela real importância do acontecimento que se anticipava. Este não é um modo razoável de honrar o contrato que diariamente se renova com os leitores.
Quem pretender fazer história apoiado no PÚBLICO, está condenado a ter de procurar nos jornais dos dias anteriores aos acontecimentos para encontrar referências deles, pois arrisca-se a encontrar registos minimais nas datas em que os factos se produziram. É uma forma esdrúxula de cumprir a condição de jornal diário!

Temo que a polémica se tenha reacendido. Vou tratá-la com pézinhos de lã. A medo, e só depois de me ter convencido da impossibilidade de fugir ao assunto. Mas se o leitor é susceptível em questões gramaticais é melhor ficar por aqui e não ler o que se segue.
Lembram-se da mais longa polémica que se instalou nas páginas do PÚBLICO desde que o jornal é jornal? Pois claro, é essa mesma: a que opõe o "porque" ao "por que"! Por que razão volto a este perigosíssimo assunto, correndo o risco de provocar nova e interminável revoada de cartas de leitores a exigirem decisão autoritária da Direcção do jornal impondo o termo da polémica? Porque mão anónima, em exercício de dactilografia, transformou o "por que" do leitor Jorge Pedro Sousa, da Maia, em "porque". A desdita aconteceu em texto que este enviara ao PÚBLICO sobre a não menos polémica solução encontrada para a horta do parque de Serralves. E o que estava escrito - "Ou seja, por que é que a administração de Serralves não lutou (Š)?" - ficou mutilado. Queixa-se o leitor e não pode deixar de se lhe dar razão. O texto não foi revisto por nenhum "desk", nem pelo editor, e saiu, assim, alterado.
Sem pretender inibir definitivamente qualquer jornalista a quem passe pela cabeça escrever um "porque" e duvide se não deverá escrever um "por que", aqui deixo curta nota solicitada ao editor dos "desks" do PÚBLICO, Fernando Cruz: "(Š) não existe unanimidade nesta matéria em algumas situações, mesmo entre gramáticos e linguistas. Dizem João Andrade Peres e Telmo Móia, em "Áreas Críticas da Língua Portuguesa" (Ed. Caminho, 1995), que não há qualquer razão semântica ou sintáctica para que, em casos como o que o leitor aponta, se use "porque" em vez de "por que". "Haverá talvez uma motivação de analogia com outras línguas" (como por exemplo com o francês - "pourquoi" - ou o italiano - "perchè"), adiantam, acrescentando que "parece evidente que, no caso dos compostos com a preposição Œpor¹ em português ou a sua equivalente noutras línguas românicas, só uma convenção pode impor tal procedimento." E foi precisamente isso o que aconteceu em Portugal, através de diploma legal, ao invés do que se passa no Brasil, onde a norma oficial estabelece a separação. Os mesmos autores assinalam, porém, que "curiosamente, em tempos recentes, tem-se verificado em Portugal uma tendência para a separação". E conclui Fernando Cruz: "Parece-me, pois, que na situação em causa - exactamente uma daquelas em que não há unanimidade - o bom senso deveria determinar o respeito pela opção do autor."
Quando o caçador falha todos os tiros, não vale a pena matar o cão para ver se os resultados das caçadas melhoram. Mais vale desistir de caçar, ou mudar de caçador. Porque o "por que" era admissível, por que razão se mudou para "porque"? Não consegui dar nome à mão anónima que tal crime cometeu. Resta solicitar a benévola compreensão do autor Jorge Pedro Sousa...


Texto de Jorge Wemans

Contactos do provedor do leitor:
Cartas: Rua Amílcar Cabral, Lt. 1 - 1750 Lisboa
Fax: (01) 758 71 38
e-mail: provedor@publico.pt