Provedor posto à prova

"À última mudança da direcção do jornal, sucederam-se algumas alterações, umas de índole positiva, outras nem tanto. A instituição da figura do provedor julgamos que possa vir a dar bons frutos. A fronteira da sua actuação ainda é, para mim, um pouco nebulosa (É)". Num só parágrafo, o leitor A. Carvalho, de Lisboa, faz prova do bom recorte da sua escrita e do perfeito domínio do género epistolar: afirma a sua expectativa crítica sobre o jornal, deixa cair um elogio ao seu interlocutor e suspende-o de imediato até prova provada. E a que vem A. Carvalho? Ao seguinte: "Além do provedor, resolveu a actual direcção abrir as portas do jornal às linhas telefónicas pornográficas. O mínimo de comentário a essa atitude é considerá-la insólita. E isto porque o PÚBLICO continua a ser uma referência positiva nos "media" portugueses."

Não há, segundo o leitor, razões de natureza económico-financeiras que justifiquem tal facto. E vá de citar o próprio PÚBLICO: "No passado dia 24 de Março, dou com dois artigos, analisando comportamentos da nossa sociedade, bastante curiosos e complementares. J. C. Espada insurge-se contra a ausência de regras de conduta que hoje se verifica na sociedade, embora "o combate desigual possa ser vencido. Se quisermos evitar a coerção amanhã, temos que evitar o caos hoje." Por seu lado, T. Sepúlveda analisa o que se passa "num mundo em que a mercadoria é rainha (...) e nem só as putas se vendem"... Os jornais também se prostituem, acrescentamos nós." Resumindo, com a ajuda dos anteriormente citados: "Estas duas ideias base exprimem posições que, sem falsos dogmatismos ou moralismos, têm o beneplácito, no campo dos princípios, de grande número de pessoas e instituições. Mas se é assim tão fácil estar de acordo com os princípios, como justificar a prática do PÚBLICO na área da publicidade pornográfica?"

E finalmente o provedor: "Não somos nós que vamos dar a "receita", porque não nos compete, mas desde já refutamos a ideia de que a publicidade foge ao âmbito de actuação do provedor."

Posto à prova, o provedor desilude o leitor. A publicidade, assim como os textos de opinião, não é da sua competência. Os dois pontos foram objecto de abordagem específica no momento em que a direcção do jornal me convidou para esta função, tendo sido consensual que, pelo menos durante este mandato (com o qual se iniciava, no jornal, tal função), o provedor do PÚBLICO não se pronunciaria sobre aquelas duas áreas. Daqui a menos de um ano a experiência poderá ditar a extensão das funções do provedor, mas, até Março de 1998, assim está contratado. O futuro provedor do jornal beneficiará com as vantagens e desvantagens que este mandato inicial provará.

É verdade que a maior parte dos estatutos do provedor de leitores exclui o pronunciamento sobre aquelas duas áreas. O do "El País", contudo, inclui expressamente a análise de queixas de leitores quanto à publicidade. Recentemente, a direcção do PÚBLICO tomou decisões sobre uma campanha publicitária (lançada no momento da polémica sobre a revisão da lei do aborto) que expôs aos leitores do jornal.

Quanto aos textos de opinião, não se conhece nenhum estatuto de provedor que lhe atribua qualquer palavra sobre eles.

Desiludido o leitor A. Carvalho, admito que, por boa vontade, continue a ler esta coluna e aproveito para recordar factos passados, rectificando uma ideia que expõe, e para dar conta da sequência que dei à sua queixa.

Ao contrário do que afirma, as "linhas eróticas" já "moram" no PÚBLICO há bastantes anos. Quando surgiram (em 1992) a recusa da sua inserção foi objecto de discussão entre a direcção da empresa e a direcção editorial. Perante a dificuldade de estabelecer critérios objectivos que delimitassem as fronteiras entre o telefone amigável e o telefone pornográfico - as linhas nascentes cobriam todo este espectro -, sondaram-se vários institutos e organizações (desde o Instituto Português do Consumidor até à Deco). O fenómeno era recente no país e a resposta a essas sondagens foi praticamente nula. A resposta do PÚBLICO débil foi, situando-se no domínio da casuística: não rejeitar liminarmente o negócio, recusando sim os anúncios com expressões ou imagens pornográficas. Mas a questão ficou no ar e foi sendo objecto de vários trabalhos jornalísticos - não só no PÚBLICO. Em Maio de 1993, o ministro Ferreira do Amaral, depois de várias intervenções públicas sobre a facturação discriminada e o barrador de chamadas, deu uma machadada no negócio ao impedir Telecom e TLP de estarem no negócio. Mas o negócio voltou a prosperar através de empresas agora sediadas em várias partes do mundo embora "falando" português. E foi ampliado por anúncios televisivos. Por isso mesmo é actual a interrogação de A. Carvalho: deve o PÚBLICO aceitar promover tais "serviços"?

A queixa do leitor não encontrou provedor que lhe valesse. Mas a carta segue para a direcção editorial e para a direcção da empresa. E o jornalista nela nomeado - Torcato Sepúlveda - reconhece o interesse de voltar a investigar o que se passa com este negócio, como se articula com a defesa dos consumidores e que opinião (e propostas) emitem estudiosos e vítimas destas linhas. Ficamos à espera de ler.

Nada disto supera a desilusão do leitor A. Carvalho quanto às "fronteiras de actuação" do seu provedor. Espero apenas que, para ele, como para todos os outros leitores do PÚBLICO, elas tenham ficado menos "nebulosas". Ainda que, eventualmente, mais reduzidas.


Texto de Jorge Wemans

Contactos do provedor do leitor:
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