Desgostos de leitor

Jorge Wemans

Um leitor acha repugnante a reportagem sobre Howard Stern, outro classifica de "perigoso e anti-pegagógico" o texto de 1ª página que suportava a notícia relativa aos 100 mil nacionais de outros países que vão poder votar nas eleições para as autarquias, outro ainda queixa-se da resistência do jornal, dos seus jornalistas e colunistas em promoverem a correcção de diversos erros factuais para os quais, repetidamente, tem chamado a atenção. Todos escrevem ao provedor em jeito de desabafo. Não esperam grande intervenção, mas não gostam de como as coisas se passam. Por detrás destes diferentes desgostos e irritações que o PÚBLICO lhes provoca, existe sempre o mesmo sentimento: o meu jornal não devia ser assim. Este é um dos capitais mais importantes de qualquer jornal: os leitores para os quais o que nele se publica não é indiferente. E esta coluna, sem querer sobrepor-se às "Cartas ao Director", também serve para fazer-se eco das críticas dos que consideram seu o produto que diariamente compram.

Pergunta Jorge Farias, de Lisboa, a propósito da reportagem de Bárbara Reis editada na PÚBLICA de 16 de Março: "(...) que raio de ideia" levou à publicação "de um artigo sobre um animalejo, Howard Stern de seu nome, Œidiota retardado¹ (segundo o paizinho dele) e autor de Œorgias de mau gosto¹ (...). Que nos interessa a nós, leitores do PÚBLICO, que haja nos EUA um verme que ganha milhões à custa das coisas sórdida, obscenas e cabotinas a que se dedica? ŒBarbaridades¹ dessas há de haver mais nos EUA e também as temos por cá, infelizmente: ainda agora tivemos o gang do Multibanco, temos péssimos programas de televisão, temos pornografia a rodos por tudo quanto é sítio, droga a traficar-se por todos os cantos, etc..., etcŠ"
Howard Stern mantém há uma dúzia de anos o programa radiofónico matinal mais abjecto dos Estados Unidos. Durante quatro a cinco horas diárias Stern despeja histórias de mau gosto obsessivamente centradas à volta de sexo e piadas repugnantes sobre a "actualidade". O seu léxico é reduzido, mas ultrapassa o inimaginável. Parece que o homem não se coíbe - ao contrário, faz disso assunto obrigatório - de publicitar os mais ínfimos pormenores da sua vida sexual familiar.
Até aqui nenhuma razão para que a PÚBLICA lhe dedicasse nove páginas. Só que o programa de Howard Stern é o mais popular da América, (20 milhões de americanos acordam com ele todas as manhãs), os seu dois livros tornaram-se best-sellers e acaba de estrear um filme autobiográfico que corre o risco de se tornar campeão de bilheteiras. O pornógrafo da rádio reedita o êxito de Larry Flint, seu antecessor na imprensa. Razão suficiente para que a PÚBLICA não se limite a descrever o fenómeno, mas procure as razões que levam milhões de americanos a dar atenção e manifestar interesse pelas obscenidades de Howard Stern.
"Muito mal deve estar a Imprensa, muito mal estaremos nós, se até um jornal como o PÚBLICO julga necessário recorrer a este tipo de sensacionalismos para vender papel. Creio que a grande maioria dos leitores do PÚBLICO é constituída por gente decente a quem processos destes só podem repugnar e induzir o desejo de mudança", escreve Jorge Farias. Mais devagar: repugnantes são os métodos do homem e o seu programa; "gente decente" também deve haver entre os 20 milhões que o escutam; sensacionalismo haveria se a edição da reportagem procurasse mobilizar a sensibilidade dos leitores para uma aceitação/rejeição baseada na distorção ou apresentação desproporcionada dos factos. Jorge Farias prolonga a sua indignação perante os factos ao jornal que lhos relata. Mas, honra seja feita à reportagem, esta não lhe apresenta só os factos, procura também encontrar resposta para eles, isto é, trata de explicar como é possível que produto tão abjecto seja líder de audiências. E essa é uma questão bem actual no nosso contexto mediático. O bom gosto é uma referência permanente no Livro de Estilo do PÚBLICO. Mas, em termos sociais, qualquer norma - sobretudo quando se torna omnipresente e fonte de regulamentação (caso do politicamente correcto nos EUA) - origina a popularidade da transgressão...

"ŒBrasileiros e peruanos definem eleição de uruguaio para a presidência de câmara minhota¹. A notícia é fictícia, mas nas próximas autárquicas a situação é teoricamente possível." Estes eram os dois períodos iniciais do texto da manchete da edição de 17 de Março. Francisco P. Soares, de Lisboa, não gostou. E pergunta: "Porque não: Œpsicopata põe drogado na presidência da câmara¹ ou Œperuano e cabo-verdiano impedem vitória de filho da terra¹?" O leitor exprime assim o seu desgosto pelo carácter eventualmente xenófobo de uma notícia que dá conta das listas de nacionais de outros países que poderão votar ou ser eleitos nas próximas autárquicas. Como manter a não discriminação de pessoas em função da sua nacionalidade numa informação que tem por base essa mesma diferença de condição? Impossível.
Mas, ao chamar a atenção para as alterações legais que conferem novos direitos aos cidadãos estrangeiros que escolheram viver em Portugal, o texto nega-lhes essa mesma igualdade de direitos, continuando a referir-se-lhes não como eleitores iguais aos demais, mas como permanecendo diferentes pela marca da sua nacionalidade. O voto de um brasileiro que define uma vitória autárquica é igual a qualquer outro voto e não deve ser discriminado por isso. Como refere o leitor, a notícia da pág. 4 da mesma edição nada de xenófobo continha. Mas o texto da 1ª página pisava os limites.

José P. Costa, de Lisboa, não se poupa a esforços para melhorar a qualidade de informação veiculada pelo seu jornal. Quando encontra um erro factual escreve ao PÚBLICO. Nem sempre as correcções são publicadas e o leitor não percebe porquê. Nem eu.
Sobre incorrecções há muito publicadas já nada há a fazer, sobre as mais recentes pedirei correcção pública. Como não tenho explicações para o acontecido, aproveito para dar uma "dica" aos leitores: contra os erros factuais não há melhor arma do que a factualidade. Que quero dizer? Simplesmente isto: ao chamar a atenção do autor ou do jornal para a publicação de um erro de facto não é preciso tecer um ror de impropérios sobre o jornalista que tal erro escreveu ou encher duas páginas altamente laudatórias quanto às qualidades deste, para, num curto parágrafo, recordar que "apesar de tudo deixou escapar uma pequena imprecisão" que "talvez valha a pena corrigir". Aos leitores, quanto mais não seja por uma questão de eficácia, também cabe distinguir na sua correspondência com o PÚBLICO o que é ajuste de contas com jornalistas ou colunistas de cuja prosa não se gosta e chamada de atenção para corrigir erros factuais.

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