Virar de Página
Por JOAQUIM FIDALGO
Domingo, 30 de Setembro
de 2001 Chegam hoje ao fim os dois anos durante os quais exerci a função
de provedor do leitor do PÚBLICO. Ao longo de quase cem semanas, procurei trazer a este
espaço - um espaço de análise e de reflexão, um espaço de diálogo entre o jornal e
os seus leitores - questões mais ou menos polémicas que me fizeram chegar ou que eu
julguei pertinentes, fosse para uma melhor compreensão da actividade jornalística, fosse
para tentar corrigir, aperfeiçoar, melhorar o serviço que aqui se presta à comunidade.
Escrevi, quando assumi o cargo, que entendia esta função como "uma ponte com dois
sentidos" e que, portanto, ela procurava ter alguma utilidade tanto para fora de
portas como para o interior da redacção. Se o propósito foi, num e noutro caso, mais ou
menos conseguido, não me cabe a mim avaliar. Mais do que fazer balanço, aproveitaria
este último texto para comentar três vectores que me parecem relevantes.
1. Ouvir os leitores, mas ouvi-los mesmo (percebendo melhor como lêem o "seu"
jornal, o que pensam, que importância relativa atribuem a quê, que dúvidas têm, que
expectativas alimentam), foi a minha primeira prioridade, e que se revelou tão
necessária como gratificante. Invoca-se frequentemente o nome do leitor em vão,
prestando-se-lhe menos atenção do que se diz, quando não menorizando os seus pontos de
vista. Não é que ele tenha sempre razão - mas muitas vezes tem. Não é que ele seja
sempre justo nas críticas que faz - mas muitas vezes é.
Mais do que "o leitor", idealizado como entidade abstracta, importa que um
jornal conheça os leitores concretos que tem e deseja manter (e alargar ...), percebendo
o que entre eles há de comum e o que há de diverso, de modo a não os defraudar ou a
não os deixar confundidos sobre as opções editoriais que vão sendo tomadas. A
contratualização (seja explícita, seja implícita nas práticas diariamente
observáveis) entre um determinado jornal e o seu público é um processo dinâmico,
constantemente actualizado, e em que ambas as partes interagem, desde logo explicando-se e
ouvindo-se, para poderem ir-se identificando mais.
Um provedor não tem o monopólio do diálogo com os leitores. O certo é que tantos ainda
se queixam de como é difícil "chegar" ao PÚBLICO, questionar um serviço e
obter uma simples resposta, mandar um "e-mail" e ver que ele foi lido por
alguém, escrever um texto e saber se será ou não publicado...
A "instância de recurso" que é (também) o provedor procurou contribuir para
que se abrissem mais as portas e as janelas da casa. Alguns progressos foram feitos, e
mais se farão com certeza. Do lado de cá, mas também daí: atentos como são, os
leitores do PÚBLICO podiam interpelar o provedor ainda mais do que fizeram.
2. Explicar como funciona um jornal por dentro e que constrangimentos limitam a actividade
dos jornalistas não é, necessariamente, desculpar os seus erros. Pelo contrário: é dar
aos leitores todo o conhecimento possível de como estas teias se tecem, para que eles
possam depois, já sabedores, ser certeiros na crítica e firmes na exigência.
Estando mais familiarizado com os processos, um leitor já não se contenta com respostas
do género "é fácil falar quando se está de fora... se você soubesse como estas
coisas funcionam..." e que por vezes são alibis meio corporativos para não nos
questionarmos a nós próprios ou às nossas indeclináveis responsabilidades. Há
constrangimentos práticos no jornalismo, sim, mas não podemos ser apenas seus indefesos
e conformados reféns.
Algumas críticas me foram feitas por, aqui e ali, parecer mais "defensor dos
jornalistas" do que "defensor dos leitores". Decerto com a sua razão: sou
o primeiro a reconhecer as insuficiências do meu trabalho. Mas o propósito não foi
nunca (nem parece que deva sê-lo) "defender" estes ou aqueles. Foi, sim,
defender, com serenidade, a transparência de processos, a clareza de critérios, o rigor
de avaliação das críticas (sem demagogias fáceis nem crispações desnecessárias) e,
acima de tudo, a busca incessante da qualidade que o PÚBLICO promete a quem o lê.
Fazer juízos definitivos sobre a bondade de tal ou tal comportamento profissional e
ético não constitui tarefa fácil, sobretudo pelo que está em causa nestes domínios
tão pouco "normativizáveis". Cada caso é um caso, cada pessoa uma pessoa.
Assim, cada juízo é sobretudo uma opinião, uma argumentação. Mais do que
"julgar", um provedor deve talvez fornecer, a quem o lê, todos os elementos
necessários, todos os matizes, e mesmo as dúvidas, para que cada um pense também por
sua cabeça. Nada de muito diferente, afinal, do que o tipo de jornalismo de que o
PÚBLICO se reclama.
3. E o que fica, então, em termos de eficácia? Serve este esforço para algo que se
veja, traduz-se em abertura, em mudança, em aperfeiçoamento do jornal? Ou não passa de
um espaço de desabafo e de catarse, que nos alivia as consciências, nos retoca a imagem,
nos dá um "intervalo" de crítica e auto-crítica - para que tudo, depois,
continue na mesma?
Das recomendações aqui feitas - sempre alicerçadas no Livro de Estilo por que se rege o
PÚBLICO (e que, mesmo datado, ainda aponta os valores essenciais que norteiam este
projecto editorial, merecendo ser francamente mais conhecido e mais consultado cá pela
casa) -, algumas foram seguidas pelos responsáveis do jornal, outras não. E nem sempre
por discordância: as rotinas instaladas, aliadas a um quotidiano sempre tão cheio de
variadíssimas pressões, falam por vezes mais forte. É uma atenção constante que se
requer, uma insistência, um lembrar e relembrar, para que as falhas se vão atenuando.
Julgo poder dizer, não obstante, que grande parte das críticas veiculadas pela coluna do
provedor não caiu em saco roto. Muitas provocaram debate interno (e polémica, claro...),
ajudando a pensar, recordando o que se sabe mas volta e meia se esquece. O espaço plural
que é este jornal, no domínio da opinião publicada, é-o também no interior da
redacção, onde a auto-crítica se faz com frequência e com frontalidade. E ainda bem,
que de auto-suficiências arrogantes andamos nós cheios.
Se para isto contribuem as análises e opiniões de um provedor - seja o que agora termina
funções, seja o que lhe sucederá -, já o cargo terá a sua utilidade para os leitores.
Porque é em nome deles, e colocando-se no ponto de vista deles, que o faz. Embora não
seja uma ilha: o esforço para melhorar um jornal e para estimular uma relação dinâmica
e criativa com quem o lê (permitindo que o leia com maior espírito crítico e melhor
compreensão dos meandros da informação) compõe-se de variadas peças. O provedor é
apenas uma delas, com as suas virtualidades e com as suas limitações. O que se deseja é
que as segundas não ofusquem as primeiras...
Duas palavras finais: obrigado aos jornalistas pela sua cooperação e disponibilidade, e
obrigado aos leitores pela sua atenção, pela sua insatisfação, pelas suas críticas.
Foi com elas que pude fazer este trabalho. É com elas que o PÚBLICO só tem a ganhar.
UMA FRASE
"A deontologia não é uma massa inerte de receitas passadas; ela é sobretudo a
elucidação permanente das escolhas presentes."
Jorge Wemans, PÚBLICO, 1/3/98
Contactos do provedor do leitor:
Cartas: Rua João de Barros, 265 - 4150-414 PORTO
Telefones: 22-6151000; 21-7501075
Fax: 22-6151099; 21-7587138
E-mail: provedor@publico.pt
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