Em Favor da Cooperação
Por JOAQUIM FIDALGO
Domingo, 22 de Julho de
2001 Apesar de algumas (por vezes bem justificadas) incompreensões e
desconfianças, é bom que os jornalistas possam contar com a colaboração de
especialistas, quando querem informar aprofundadamente sobre suicídios, agressões
passionais ou criminalidade juvenil. E é bom que saibam, com respeito profissional,
valorizar adequadamente esses contributos.
Não é só em Portugal, longe disso, que os "assuntos melindrosos" aqui
abordados na semana passada ("o "quê" e o "como" noticiar
suicídios ou agressões violentas e particularmente chocantes, com o risco de que possam
provocar reacções de mimetismo) preocupam os jornalistas, os leitores e... os
provedores.
Uma rápida consulta a alguns colegas de ofício de outras paragens além-fronteiras
tornou evidente como certos casos paradigmáticos, sobretudo nos Estados Unidos, têm
suscitado debates semelhantes ao nosso. Lembremo-nos das várias histórias, em tempos
não muito longínquos, de agressões a tiro, por parte de crianças ou jovens, nas
escolas. Provedores de jornais americanos confrontaram-se, nessas alturas, com receio
semelhante de imitações. E as suas respostas sobre a matéria não diferem na
substância: há que noticiar os factos com prudente medida, há que resistir ao engodo do
sensacionalismo, há que não dar dos agressores imagem "heróica", há que
ignorar detalhes de curiosidade mórbida - e há, enfim, que investir numa mais funda
compreensão (logo, prevenção) do que pode estar por detrás.
"Também recebemos queixas sobre o perigo de imitações [o termo inglês é
"copycats"] após alguns eventos, incluindo tiroteio nas escolas, aqui em San
Diego", diz a provedora Gina Lubrano. "Somos cuidadosos no modo de contar tais
histórias e tentamos não as 'sensacionalizar' nem transformar em heróis as pessoas
envolvidas".
De Sacramento (EUA), o provedor Sanders Lamont confirma que as maiores queixas dos
leitores são recebidas quando a história publicada no jornal "inclui detalhes
gráficos" e "pormenores sobre como o crime foi cometido". Mas, embora com
cautelas, não deixa de ser função do jornalista "mostrar a comunidade tal como ela
é na realidade e não tal como gostaríamos que fosse".
Um colega japonês, do gigantesco "Yomiuri Shimbun", lembra que há algum tempo
houve no seu país um caso típico de imitação, quando um adolescente se suicidou e
acabou sendo seguido por alguns outros. Os "media" foram muito criticados pelo
modo como trataram o sucedido, e algo aprenderam. "Não apresentamos detalhes muito
precisos sobre estes casos mas contamos o que se passou", diz.
Um último comentário, vindo de um provedor do Canadá ("The Toronto Star"):
"No nosso jornal não costumamos noticiar suicídios. E a sensação é que, a não
ser que haja um motivo forte [recorda, por razões de relevância pública, a recente
morte da mulher de Helmut Kohl] é que é preferível não noticiar, para não provocar
imitações". Nos casos de excepção, ainda assim, os textos devem ter "gosto e
sensibilidade", fugir ao sensacionalismo e tentar algum enquadramento ("put
things in perspective", na muito utilizada expressão inglesa).
Alguns jornais têm normas específicas nos seus livros de estilo, como o espanhol
"El País": "O jornalista deverá ser especialmente prudente com as
informações relativas a suicídios. Em primeiro lugar, porque nem sempre a aparência
coincide com a realidade; e também porque a psicologia comprovou que estas notícias
incitam ao suicídio pessoas que já eram propensas a tal e que sentem nesse momento um
estímulo de imitação. Os suicídios deverão publicar-se somente quando se trate de
pessoas de relevância ou suponham um facto social de interesse geral".
Em termos genéricos, é para idêntica preocupação que aponta o Livro de Estilo do
PÚBLICO, quando considera inaceitável violação da privacidade "a exploração
sensacionalista de circunstâncias e factos relacionados com dramas de natureza pessoal ou
familiar". Sobre casos do foro criminal, diz que "requerem um tratamento sóbrio
e distanciado, segundo critérios de inequívoco interesse público e recusando o
sensacionalismo".
Em síntese, sublinhe-se o insistente apelo à sensibilidade e ao sentido de
responsabilidade, quando se lida na comunicação social com temáticas desta índole. A
linha que separa uma abordagem moderada de uma exploração desnecessária, para não
dizer doentia, é por vezes ténue. E é inegável a influência, mesmo sobre a imprensa
escrita, de televisões com uma informação cada vez mais "tablóide" que
decide dar honras de manchete a um episódio menor só porque tem emoção, lágrimas,
drama humano. E nem sempre basta levar a estúdio um psiquiatra para dar um ar de
preocupação com o enquadramento do caso: um minuto de conversa entre duas desgraças,
volta e meia interrompida porque "o nosso tempo é escasso", dá para reflectir
seriamente em quê?
Neste aspecto, a imprensa escrita tem a vida mais facilitada (embora as televisões
também pudessem, para além dos telejornais, desenvolver outros programas de informação
menos "apressados"), e se calhar é esse o seu papel específico no
aprofundamento sereno e distanciado destas questões. O certo é que, seja nos casos de
suicídio, seja nas agressões com ácido, seja genericamente nos eventos negativos que
podem ser mimetizados, os jornalistas precisam - e é bom que saibam que precisam - do
auxílio de quem trabalha estes problemas: psiquiatras, psicólogos, sociólogos,
assistentes sociais.
Tal como sucede noutros domínios (já aqui se falou, por exemplo, nas questões de
divulgação científica), nem sempre os que estão de fora do universo da comunicação
percebem as suas especificidades, e vice-versa. Há muito especialista que receia falar
para um jornal porque vê no jornalista um "abutre" mais interessado numa frase
rápida e sonante (que dê um título forte...) do que em compreender a complexidade do
que está em causa, para poder depois transmiti-la bem aos seus leitores. E em não poucos
casos são justos os motivos de receio...
Mas nem sempre assim é. Embora um jornal generalista, mesmo exigente, não possa fazer-se
revista especializada - sob pena de não ser entendido por boa parte dos leitores -, só
lucra se puder contar com a disponibilidade e a compreensão de especialistas que,
ajudando o jornalista a "trocar em miúdos" as situações complexas,
enriqueçam o esforço informativo e a genuína vontade (que também existe...) de
contribuir para melhorar a nossa vida em sociedade. Então em casos dramáticos como os de
que falámos, especialistas de saúde mental e jornalistas estão "condenados" a
entender-se, sendo que uns e outros terão de fazer a sua parte de caminho para
encontrarem um ponto de equilíbrio entre as suas especificidades profissionais. O
pressuposto é uma base de compreensão e confiança mútuas - para o que convém realçar
os exemplos positivos que vamos tendo, como também denunciar os negativos. Mas não
desistir, sobretudo não desistir. A benefício de todos nós.
EM SÍNTESE
Receitas? - Noticiar um drama requer, antes de tudo, sensibilidade e bom senso
Colaboração - Jornalistas e especialistas podem trabalhar juntos para uma informação
mais exigente
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