| Projectos, Sim; e
        Depois?... Por JOAQUIM FIDALGO
 Domingo, 24 de Junho de
        2001
 Nem sempre se critica um jornal pelo que ele faz; também é
        possível (e desejável) apontar o que ele NÃO fez mas podia / devia ter feito. É bom
        que os jornais tenham memória e verifiquem se são cumpridas as tantas promessas,
        públicas e privadas, de que dão notícia. Não a tendo, agradece-se que os leitores lha
        avivem. 
 Se, como é uso dizer-se, as pessoas têm curta memória, talvez uma das mais úteis
        funções da imprensa, no que respeita ao acompanhamento da coisa pública, seja
        precisamente avivar-lhes essa memória. Ou seja, não deixar cair no rol do esquecimento o
        que num tempo é prometido, mas em nenhum momento posterior verificado. A sério. No
        terreno.
 
 Disto mesmo falou ao provedor, esta semana, a leitora Ana George, sugerindo que o jornal
        tratasse uma certa matéria: "Sendo o PÚBLICO um jornal tão atento e com memória,
        gostaria de ver nele um balanço - e acho que ainda vai a tempo! - da famosa campanha de
        prevenção de incêndios lançada há um ano... com telemóveis. Lembram-se, com certeza,
        da oferta de telefones portáteis (...) a pastores? Com rede? Sem rede? Quantos milhares
        (ou milhões) de contos custou isso?".
 
 A leitora, até enquanto contribuinte, sente-se no direito de saber "quem
        ganhou" com aquilo tudo, além dos vendedores de equipamentos. "Se, sem qualquer
        tipo de ensaio, aquilo era uma manobra publicitária, foi feita com o nosso dinheiro
        (...), mas as coisas deviam ser mais claras e os jornais de referência deviam ter
        memória", acrescenta Ana George, para concluir com pertinência: "Não é
        possível continuar a fazer parangonas do que o Governo anuncia e, depois, fazer como
        eles: esquecer e não fazer qualquer avaliação do que foi anunciado... e nunca
        praticado".
 
 Ora aqui está mais uma boa ajuda de uma leitora ao seu jornal e, simultaneamente, um
        interessante motivo de reflexão. Tem a ver com o que o PÚBLICO 'não' fez, e não tanto
        com o que o PÚBLICO fez, mas nem por isso perde importância. Pelo contrário. Grande
        parte dos comentários críticos chegados ao provedor, seja através da correspondência
        dos leitores, seja por contactos pessoais, refere-se a matérias que o jornal,
        precisamente, NÃO tratou. Por que motivo não deu notícia deste evento? Como é que se
        "esqueceu" de cobrir aquela iniciativa? Qual a explicação para tratar este
        problema e não aquele?
 
 O raciocínio reconduz-nos ao tema, já diversas vezes aqui glosado, da dificuldade de, em
        cada dia, escolher uns quantos assuntos para o espaço limitado de um jornal - e,
        consequentemente, excluir muitos outros. Embora isso se procure fazer com critério (é
        ele, aliás, uma das "imagens de marca" mais fortes de um determinado projecto
        editorial, com que os leitores se vão identificando, e que o diferencia de outros), temos
        de admitir que nem sempre tal critério se entende muito bem. Além de que, perante
        audiências heterogéneas, é quase impossível optar de molde a satisfazer a totalidade
        dos leitores.
 
 Mas o caso sugerido por Ana George delimita um pouco, com vantagem para o nosso
        raciocínio, este âmbito de debate. O que ela pretende é que o jornal tenha
        "memória", que não passe por cima de tanta coisa que ele próprio anuncia,
        dando voz a entidades credíveis, públicas ou privadas, mas que depois não cuida de
        acompanhar. E, aí, temos pano para mangas.
 
 Tomemos o exemplo da política, agora que "aquecem" as eleições autárquicas.
        Há quatro anos, os eleitos apresentaram-se com programas eleitorais, nalguns casos muito
        vagos, noutros casos bem definidos. Não será obrigação de um jornal, para mais um
        jornal "de referência", verificar se efectivamente foi feito o que tinha sido
        prometido? Se este autarca, de facto, pôs de pé o número de habitações sociais a que
        se comprometera, se aquele concluiu o tal projecto de saneamento inacabado, se aqueloutro
        arranjou os espaços verdes que faltavam ou criou as estruturas culturais que
        propagandeara? É que tudo foi há quatro anos, passou muito tempo, correu tanta água sob
        as pontes, as pessoas foram-se esquecendo... Mas os jornais devem (re)lembrá-las.
 
 O que se diz das autarquias podia dizer-se do Governo, de ministérios específicos, desta
        obra anunciada, daquele prazo prometido. Mas não só na política. Tantos anúncios e
        promessas em áreas da economia, da cultura, do
 desporto!... Quantas vezes vemos, nas notícias, alguém anunciar com espavento que vai
        fazer um investimento de x milhões de contos, criar não sei quantos postos de trabalho,
        urbanizar isto ou aquilo, construir uma marina, um hotel, uma fábrica, um centro de
        lazer... E quantos desses projectos acabam por ficar pelo caminho?
 
 Sabem os jornalistas muito bem que, por vezes, o anúncio de tais iniciativas é pau de
        dois bicos.
 
 Por um lado, vindo de entidades (instituições, empresas, pessoas) conhecidas e fiáveis,
        dificilmente poderia deixar de o noticiar - até porque se trata, frequentemente, de
        "boas notícias"...
 
 Por outro lado, alguns desses anúncios feitos em momentos bem estudados podem ter
        sobretudo objectivos promocionais, indo pouco além de meros projectos de intenções para
        os quais falta angariar os meios necessários. Nem será exagerado dizer que, aqui ou ali,
        o simples acto de propagandear iniciativas com grande alarido se destina, precisamente, a
        pressionar de algum modo as entidades, políticas ou financeiras, que terão de conceder
        as respectivas autorizações legais, os financiamentos, até um subsídiozito... Lançar
        a ideia na opinião pública, para mais se é uma ideia simpática e mobilizadora de
        comunidades locais, é também uma forma de pressionar.
 
 Fazendo a respectiva notícia, os jornais estão a cumprir a primeira metade do seu papel.
        Se não cumprirem a segunda metade (que é, tempos mais tarde, ir ver se de facto as
        coisas andaram ou não andaram, se aquilo era a sério ou simples propaganda, e escrever
        em conformidade), falham numa alínea fundamental da sua função junto da sociedade:
        estar vigilante, investigar, pedir contas e... dar contas ao público. Não o fazendo,
        arriscam-se a ser simples "câmaras de eco" de projectos mais ou menos bem
        intencionados, mas que não passaram disso - projectos. E acabam por tornar-se, de alguma
        maneira, coniventes numa acção que pode não ter passado de uma campanha de promoção e
        propaganda, seja pessoal, seja empresarial, seja política. Ou seja, usados.
 
 À leitora Ana George, sensibilizou-a a história dos telemóveis para os pastores e o seu
        apoio à prevenção de fogos. Não haverá situações semelhantes, que conviesse ir ver
        como andaram ou... pararam? Se mais pessoas se lembrarem, façam o favor de dizer para
        cá. O jornal deve ter boa memória, sim, mas só ganha se, não a tendo, os leitores lha
        refrescarem.
 
 Esta "porta aberta" do PÚBLICO que é o provedor está sempre receptiva às
        críticas sobre o que o jornal FEZ, mas não o está menos àquilo que o jornal NÃO FEZ e
        devia ter feito. Aproveitem, portanto. Digam.
 
 EM SÍNTESE
 
 Propaganda Quantos projectos anunciados em público não se ficam só pelo papel?
 
 Memória Cabe a um jornal noticiar as promessas mas também verificar o seu cumprimento
 
          
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