Editorial, Singular e
Plural
Por JOAQUIM FIDALGO
Domingo, 17 de Junho de
2001 Um Editorial deveria, em princípio, veicular "a posição do
jornal" face a determinado assunto. Mas isso não é exactamente assim em todos os
jornais. Alguns, como o PÚBLICO, optam por os apresentar sempre com assinatura
individualizada, razão por que talvez devam ser lidos (também) como opiniões com o seu
quê de pessoal.
O Editorial de um jornal - que é, consabidamente, um texto de opinião - veicula a
opinião de quem? Do jornal no seu conjunto? Da Direcção? De quem lhe põe o nome por
baixo?
Há algumas confusões a este respeito, como, por mais de uma vez, os leitores do PÚBLICO
têm mostrado ao provedor. Ainda esta semana, o leitor Armando Vitorino, ao fazer uma
crítica a um editorial de que não gostou, disse como entende este género de textos:
"O Editorial de um jornal deve reflectir a sua orientação editorial, devendo
espelhar rigor e objectividade. Quando tal não se verifica, é legítimo duvidar da
qualidade de toda a sua informação".
Está fora de causa discutir, aqui, as discordâncias do leitor face a opiniões
específicas: é matéria que escapa às nossas competências. Mas pode ser esclarecido o
papel do chamado "Editorial" e que, adoptando modelos diversos conforme os
jornais, também parece ser interpretado diferentemente conforme quem aqui o lê.
A doutrina do "Livro de Estilo" do PÚBLICO é escassa mas directa na sua
definição: "Editorial - texto breve de opinião, claro e incisivo, assinado por um
elemento da Direcção editorial e que exprime as posições do jornal perante os factos
da actualidade".
As dúvidas são suscitadas pela eventual contradição entre dois aspectos: se se trata
de um texto assinado, supostamente veicularia a opinião da pessoa que o assina; se é um
texto que procura exprimir "as posições do jornal" - logo, algo mais global e
abrangente do que uma posição individual -, não se vê bem por que deva ter uma
assinatura personalizada.
Muitos jornais optam por publicar, num espaço próprio, um Editorial não assinado e que
surge, de modo quase "institucional", como a posição daquele periódico face a
determinado assunto.
Não é essa a prática do PÚBLICO, que, desde o início, optou por editoriais assinados.
E porquê? Explica o director, José Manuel Fernandes: "Por acreditar que, dessa
forma, poderia publicar textos mais afirmativos, sem ter de andar à procura da opinião
média do jornal ou mesmo da Direcção. Foi sempre assim, sendo que muitos editoriais
foram, ao seu tempo, polémicos. Mas acho que o jornal ganhou com isso".
Há uma explicação suplementar: dado que o PÚBLICO, no entender de José Manuel
Fernandes, "não é um jornal com uma linha política forte, muito marcada, como
sucede com outros títulos da imprensa de referência", mas, pelo contrário,
"um jornal mais plural, no seu registo jornalístico e no seu registo
opinativo", editoriais não assinados (logo, mais institucionais),
"comprometendo politicamente o jornal, fechá-lo-iam em demasia". Com o modelo
adoptado, conclui, "apenas comprometem o seu autor".
Se assim é, parece legítimo concluir que um Editorial nestes termos - um texto de
opinião que "apenas compromete o seu autor" - talvez não deva ser lido
taxativamente como "a posição do jornal" face a determinado tema. O que,
levado ao extremo, faria com que não devêssemos sequer classificá-lo como Editorial,
mas como coluna de opinião.
Sublinhe-se, entretanto, um ponto: quem escreve estes editoriais é sempre (e só pode
ser) um elemento da Direcção. E isso acaba por lhe dar uma força diferente, um impacte
público, uma responsabilidade, que não têm o comentário de um jornalista ou a prosa de
um colunista convidado. De resto, é por isso que José Manuel Fernandes - autor de grande
parte dos editoriais, e muitos bastante controversos, do PÚBLICO - procura que pelo menos
"outro elemento da Direcção" leia os seus textos antes da publicação. Mas,
à parte essa precaução, confessa o modo como procede quando escreve um Editorial:
"Parto basicamente dos meus pontos de vista e utilizo o meu estilo".
A Direcção deste jornal integra seis pessoas, e todas escrevem editoriais. Sempre
assinados. O modelo gráfico recentemente adoptado ainda veio "complicar" este
terreno, pois há agora dois tipos de editoriais: um, diário e sempre no mesmo local (na
página do "cartoon"), com um perfil que se diria mais institucional e
transversal às temáticas da actualidade; outro, menos frequente e apresentado no
interior das secções, encostado às matérias sobre que opina, e não só assinado
"à cabeça" como apresentando a fotografia do seu autor.
Do que se viu para trás, e da nossa experiência de leitores, não parece defensável
considerar todos aqueles textos, de um modo formal, como "a posição do jornal"
face aos assuntos em debate. A não ser em ocasiões excepcionais, de particular
sensibilidade, e onde até se opta por uma assinatura colectiva ("A
Direcção"), a maioria desses textos é produzida individualmente - e não resultado
de uma reflexão colectiva. Não será arriscado dizer que nem sequer os parceiros todos
da Direcção deste jornal (isto para já não falar dos restantes jornalistas) se revêem
sempre nas posições tomadas, em Editorial, por José Manuel Fernandes ou Nuno Pacheco,
Manuel Carvalho ou António Granado, Luís Miguel Viana ou David Pontes.
Que eles escrevem esses textos procurando interpretar um sentimento minimamente adequado
ao "perfil editorial" do PÚBLICO (algo nem sempre fácil de definir mas que
perpassa um pouco pelas suas páginas, pelo estilo, pelos temas escolhidos, pelos modos de
abordagem jornalística - e que os leitores se foram habituando a reconhecer), não se
duvida. Aliás, é sua obrigação, pois um membro da Direcção de um jornal tem
especiais responsabilidades face ao leitor.
Que essas mesmas pessoas escreveriam porventura com outro à-vontade se estivessem a
rubricar apenas a sua coluna pessoal de opinião, também é lógico.
Mas será algo precipitado, ou excessivo, olhar para tudo o que cada um dos membros da
Direcção do PÚBLICO escreve em Editorial como "a posição do jornal" na
matéria. Logo, há vantagem no uso da assinatura individual, para que a opinião
expendida basicamente comprometa o seu autor e não o colectivo.
Pode perder-se alguma coisa pelo facto de o jornal não ter um espaço onde, com maior
peso institucional, dê a sua opinião quanto às grandes questões em debate na
sociedade. Mas ganha-se algo de muito importante: a constatação de que o PÚBLICO é (no
conjunto da sua Redacção e mesmo no interior da Direcção) um espaço plural, aberto à
diversidade de opiniões e expressões, ora mais consensual, ora mais polémico, mas
sempre disponível para o confronto de ideias e argumentos. E é desse conjunto
heterogéneo, diverso, múltiplo - não uma manta de retalhos, pois tem, apesar de tudo,
algum fio condutor de base - que deve ser extraída "a posição" do jornal.
Melhor, "as posições". No plural.
EM SÍNTESE
Opinião - Editoriais personalizados são mais afirmativos mas têm menos peso
institucional
Cautela - Um Editorial do PÚBLICO não é, necessariamente, a "opinião média"
do seu colectivo
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