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As Imagens e as Legendas
Por JOAQUIM FIDALGO
Domingo, 20 de Maio de 2001

Os leitores perdoarão o desabafo pessoal mas, de facto, há alturas em que é difícil lidar com o lado quase quixotesco da função de provedor, exercida aqui - neste jornal - e agora - neste tempo. Veja-se o que sucedeu nos últimos dias. Anda o país todo (e mais particularmente quem se interessa pela Comunicação Social) a discutir questões de uma enorme gravidade, suscitadas por uma baixeza ainda mais baixa do que as tantas com que algumas televisões nos têm ultimamente ofendido, e o provedor do leitor do PÚBLICO, tentando fazer o melhor possível o seu trabalho, lá vai chamando a atenção para as imperfeições cá deste jornal...

Quase parece ridículo que, face aos desafios éticos colocados por programas televisivos onde a dignidade humana é obscenamente espezinhada a troco de um prato de fugazes audiências/escudos, esta coluna de reflexão e debate se preocupe com questões "miúdas" como o rigor da escrita, a sensatez dos títulos, a correcta identificação das opiniões, o cuidado com as fontes informativas, a isenção das notícias, o respeito pelos leitores tanto nos grandes assuntos como nos detalhes menores. Por muito que tenha a melhorar - e tem! -, o PÚBLICO (como, aliás, vários outros órgãos de comunicação portugueses) não chega nem aos calcanhares da indigência soez em que chafurda boa parte da programação dos canais televisivos SIC e TVI. E de pouco adianta chorar lágrimas de crocodilo ou saber quem vai mais longe em quê, sendo certo que o mote dado em tempos (lembram-se?...) pela estação de Pinto Balsemão e Emídio Rangel foi zelosamente deglutido por Paes do Amaral e José Eduardo Moniz, entretendo-se uns e outros, agora, numa progressiva espiral de nojo que nem permite vislumbrar o fundo deste poço de indignidade, de abjecção, de... Sei lá, faltam palavras.

E é de pessoas que se trata. É com pessoas que tudo isto lida. Pessoas reais, vivas, pessoas de carne e osso, como nós, como o vizinho, a mãe, o irmão. A imagem que o ecrã televisivo nos fornece a duas dimensões anda menos virtual que nunca e, não sendo a realidade, cada vez mais pretenderia sê-la. Toda. Mas não, não o será. E depende também de nós que não o seja. Há muito mais vida do que aquilo, há muito mais "reality" do que a que se compra e vende em forma de "show".

Se as grandes interrogações mediáticas giram em torno da SIC e da TVI, nem por isso o mundo continua a deixar de girar - e a informação a fazer-se, e os jornais a publicar-se, e os males, mais ou menos "miúdos", a procurar remediar-se. Da polémica televisiva tem tratado abundantemente o PÚBLICO, com toda a pertinência, pelo que não se vê necessidade de aqui insistir no assunto. Mas uma coisa é certa: tanto maior legitimidade terá um jornal para apontar as falhas (profissionais e éticas) na casa do vizinho quanto mais atento for na descoberta das suas próprias e na diligência com que tenta ultrapassá-las. Para que não haja "espeto de pau em casa de ferreiro".

A história da publicidade, por exemplo. Já se criticou aqui a opção chocante do "Correio da Manhã" ao alienar a sua manchete a troco de um anúncio. Disse-se, então, que o próprio PÚBLICO teria, em idêntica matéria, também uns pecadilhos. Ora, nesta última semana (edição de 16/5), retomou-se uma prática que se julgara abandonada: o envolvimento do jornal numa sobrecapa publicitária que nem sequer permite ler o logotipo do jornal... Aqui, a questão nem é de fazer ou não fazer, é do modo como se faz. "Embrulhar" o jornal numa capa transparente que permita ver, no essencial, o conteúdo da primeira página, relegando para a contracapa alguma mensagem publicitária, ainda se aceitaria (mesmo que muito leitor não goste); agora envolvê-lo numa papel de cores tão fortes que praticamente o torna opaco, e dar a ver nas bancas apenas um "slogan" publicitário que nem de longe deixa adivinhar que por baixo está o PÚBLICO, isso é que se aceita mal. É um daqueles casos em que a mensagem publicitária interfere com o conteúdo editorial. Como? Escondendo-o...

Por falar em publicidade, recorde-se também a insuficiência de informação aos leitores sobre o aumento do preço do jornal aos sábados, graças à inclusão (cuja compra não é opcional) da revista "Xis". Continuaram os protestos de clientes do PÚBLICO, independentemente de gostarem ou não do novo suplemento. Esperavam porventura uma explicação de quem de direito - ou um pedido de desculpas, que também não teria ficado nada mal. Pioneiro na criação de uma rubrica autocrítica ("O PÚBLICO errou"), este jornal só ganha em lhe dar conteúdo sempre que tal se justifique. Além do mais, como nos diz a leitora Verónica Santos, alguma publicidade (de que nos remeteu cópia) afixada em quiosques, a propósito da revista "Xis", dizia taxativamente: "Grátis com o PÚBLICO aos sábados, a partir de 5 de Maio". É grátis com o PÚBLICO, sim, mas o PÚBLICO agora custa, aos sábados, mais 60$00.

Finalmente, o assunto recorrente da mistura entre textos noticiosos e textos opinativos.

Leia-se este pequeno extracto: "O segundo dia de congresso mais não foi do que a concretização do enterro da memória do PS soarista, republicano e laico, e a consagração do PS tecnocrático, aparelhístico e guiado pela consciência social".

Adivinhe o leitor de onde foi retirado o trecho: de um editorial?, de um comentário?, de uma análise? Em qualquer caso, tudo indicaria que foi retirado de um texto de opinião, tão clara é a "leitura" pessoal que faz de um evento político. Assim, devia obviamente ter sido assinado.

Pois não foi. Este trecho é nada mais nada menos que uma legenda de uma fotografia de António Guterres no recente congresso do PS. Exactamente: uma legenda!

As legendas são, por natureza, não assinadas. E não precisam de ser completamente banais, embora seja elementar que contenham os elementos mínimos que permitam situar a imagem e identificar os protagonistas. Mas, tal como os títulos ou as "chamadas" de primeira página, são textos informativos - e, como tais, sujeitos às regras definidas para todo o jornal.

É mais que legítimo ter opiniões e escrevê-las. Mas os seus espaços devem estar claramente sinalizados e os autores devem ser conhecidos. Também é legítimo (até porque definido como estilo do PÚBLICO) ir além da notícia puramente factual e enquadrá-la, contextualizá-la, interpretá-la. Mas por isso se prescreve que todos os textos (e imagens) hão-de ser assinados. Ora, não faz sentido começar a assinar as legendas; o que faz sentido, sim, é usá-las dentro dos limites informativos em que elas, singelamente, se inscrevem.

EM SÍNTESE

Publicidade - Deve um anúncio "esconder" a primeira página do jornal?

Legendas - Uma legenda não é, nem faz sentido que seja, um texto de opinião

Contactos do provedor do leitor:
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