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De Volta às Palavras
Por JOAQUIM FIDALGO
Domingo, 29 de Abril de 2001

Muitos leitores, acedendo ao repto do provedor, quiseram dar a sua opinião sobre o assunto aqui abordado na semana passada: a capital chinesa chama-se "Beijing" ou "Pequim"? Mais interessante do que o caso em si foi (é...) a oportunidade de, a propósito dele, pensarmos um pouco sobre estas coisas da língua com que comunicamos, da sua evolução em novos tempos e face a novas realidades, dos seus avanços e recuos, da sua articulação com o nosso quotidiano. Nem de propósito, ocorreu isto numa semana em que foi apresentado o "Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea", da responsabilidade da Academia de Ciências, e cujos inegáveis méritos não impedirão vivas controvérsias sobre a opção por alguns termos ou grafias. Como já começámos a ver...

De todas as opiniões recebidas, nem uma se mostrou favorável à opção do PÚBLICO pela grafia "Beijing". Todos quantos se pronunciaram defendem o uso de "Pequim", e não por uma questão de gosto pessoal mas com base em argumentos ponderados. Alguns exemplos:

"As cidades mais importantes têm nome em português, embora o nome original já seja escrito em alfabeto latino. London é Londres, Bordeaux é Bordéus. A adopção pelos chineses de uma língua oficial para o exterior, em alfabeto latino, não alterou o nome da cidade. De facto, existe em português uma palavra - Pequim - que designa o nome da cidade que em 'pinyin' se escreve 'Beijing'" (João Garcia).

"O facto de a transliteração do nome da capital chinesa ser 'Beijing' não obriga a que usemos essa forma, que vai contra a tradição toponímica portuguesa. Pela mesma ordem de ideias passaremos a designar a capital da Grécia como Athenae ou Athinè (transliterações respectivamente histórica e fonética) e a da Rússia como Moscva" (André Simões).

"O problema não está em dizermos Beijing ou Pequim, nem em importarmos e/ou aportuguesarmos vocábulos e expressões. O problema está em que a língua está a evoluir em função de macaquices, de modas, de vaidades, da busca desenfreada do sucesso apoiado em aparências mais do que em realidades" (Francisco Barbosa).

[Sobre o argumento de que 'Beijing' é a grafia fornecida pelos próprios chineses]: "Sei que é assim, e o assunto ficaria resolvido se fosse a primeira vez que tivéssemos necessidade de escrever a palavra - naturalmente seguiríamos a forma que os próprios usam (...). O problema é o da consistência com outros casos: o PÚBLICO escreve New York? Firenze? (se calhar devia, tenho um amigo que não conseguiu encontrar Florença quando lá quis ir de carro...). A utilização de Beijing soa um bocado a novo-riquismo jornalístico internacional, ao corresponder a um tratamento que não é consistente com o que se faz a muitas outras cidades 'antigas' (Manuel Matos).

"Nada tem que ver com o 'pinyin' a questão de optar entre o termo estrangeiro e o termo português. Dizemos e escrevemos 'Londres' e não 'London', embora 'London' seja o modo correcto de escrever a palavra inglesa em caracteres latinos. Escrevemos e dizemos 'Confúcio', independentemente dos termos chineses. Ora, com os nomes de cidades, só se usa o termo estrangeiro quando a cidade não tem um nome português (ainda vivo). Por isso, escreve-se e diz-se 'Pequim', e não se coloca sequer a questão de utilizar o 'pinyin', porque não estamos a escrever uma palavra chinesa" (Pedro Múrias).

"Como estudante de língua chinesa, sei muito bem o que é 'Beijing', mas não posso deixar de concordar com quem protesta contra a sua adopção em textos portugueses. A norma, quanto a mim, deveria ser a de manter as designações históricas portuguesas para os nomes de países e outros topónimos" (Nuno Silva).

"A opção do PÚBLICO é contrária ao bom senso que, nestes casos, se deve ter em consideração. Pois se a generalidade da população conhece Pequim como capital chinesa, por que lhe havemos de chamar Beijing? "(Nuno Quental).

Em síntese, todos os argumentos parecem apontar para a falta de necessidade de usar uma designação nova (e, para todos os efeitos, um estrangeirismo) quando já havia uma antiga, para a mesma cidade, bem enraizada na língua portuguesa. Isso mesmo terão pensado espanhóis, franceses, italianos, ao decidirem manter o nome da capital chinesa tal como desde sempre o adoptaram, não alinhando pela grafia anglo-saxónica de "Beijing". Se se tratar de escrever de novo modo um nome chinês (por exemplo, Mao Zedong em vez de Mao Tsé-Tung), tudo bem: a fórmula inicial era, ela própria, já uma palavra chinesa, adaptada ao alfabeto latino. Quanto a 'Pequim', contudo, é uma palavra que tem origem na fonética do nome chinês mas que, entretanto, foi assumida como palavra portuguesa. Tal  como Londres, Nova Iorque, Atenas ou Moscovo.

São argumentos que merecem ponderação, tanto mais que ninguém, entre os falantes de português, seguiu a opção do PÚBLICO. À atenção da Direcção do jornal, agora ou em próxima revisão do Livro de Estilo.

Aliás, ainda na última semana, durante uma reunão anual, em Paris, dos provedores de leitor de todo o mundo, estas questões da língua (que são objecto de frequentes queixas em variadas latitudes) foram muito debatidas. Numa sessão que teve lugar na Academia Francesa, um dos seus membros - o jornalista e escritor Bertrand Poirot Delpech - referia três critérios para a aceitação formal de uma palavra cujo uso se torna frequente: a sua correcta formação etimológica, a sua utilidade (não haver outra) e a sua potencial durabilidade (não ser mera moda). Mas insistia sempre que não há nada de mais democrático do que a língua, pois no fundo são sempre os seus utilizadores que vão decidir, no dia-a-dia, que termos sobrevivem e que termos desaparecem...

Vamos ver o que sucede a "pedonal", uma palavra de que aqui também se falou. A propósito, o provedor errou ao dizer que o termo não faz parte de qualquer dicionário: ele já aparece, como nos esclareceram dois leitores, no dicionário "on-line" da Porto Editora e também, desde 1996, no "Novo Dicionário Lello da Língua Portuguesa" - que atribui a origem da palavra ao italiano "pedonale". Como se vê, nem nisto dos dicionários os critérios e tempos de actualização são uniformes.

Há quem pense que "pedonal" devia ficar de fora porque, desde logo, a lingua portuguesa tem já um bom termo para a mesma realidade: "pedestre". E, depois, não falta quem diga que a palavra é feia, soa mal. Mas (lá está a democracia a funcionar...) abunda também quem a use regularmente e quem considere - como o leitor André Simões - que ela vai entrar no português oficial porque "soa bem" e é "foneticamente coerente com a nossa língua".

O futuro dirá. Ou seja, nós.

Em síntese

Escolhas - Porquê usar um estrangeirismo se há um bom termo português? 

Diferenças - Afinal, alguns dicionários já incluem o termo "pedonal"

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