| A Vida das Palavras Por JOAQUIM FIDALGO
 Domingo, 22 de Abril de
        2001
 "Beijing??... Então esta cidade não tem nome em português?...
        Fiquei profundamente desiludido e revoltado com este erro. Se nem a imprensa escrita
        utiliza e/ou fomenta o português, nesta altura da 'rede' em que desapareceram cedilhas e
        acentos, onde será que chegaremos?..." 
 O autor destas linhas, José Gonçalves, foi um dos vários leitores do PÚBLICO que, nas
        últimas semanas, manifestaram ao provedor a sua perplexidade (ou discordância) pelo
        facto de, neste jornal, se chamar Beijing à capital da China - e muitas vezes isso se fez
        recentemente, no contexto da polémica sino-americana suscitada pelo caso do
        avião-espião.
 
 Um outro leitor, Pedro Matos, interpelava assim: "Já agora, sempre gostava de saber
        uma, e uma só, razão por que usam Beijing. É por não saberem? É porque soa melhor?
        Dá um ar mais CableNewsNetwork? É que, sinceramente, não se percebe tamanha
        parvoíce".
 
 Compreendem-se as interrogações, se virmos, como vemos, que praticamente mais ninguém
        no panorama da Comunicação Social portuguesa, com excepção do PÚBLICO, usa este
        termo: todos preferem a designação "Pequim", a que estávamos habituados. Mas
        convém, desde já, fazer duas precisões: a primeira é que neste jornal já se escreve
        Beijing há muito tempo (ter-se-á notado mais agora por causa da profusão de notícias
        em torno da capital chinesa); a segunda é que dificilmente se poderia considerar estarmos
        perante um erro, porventura imputável a distracção ou a ignorância generalizada, uma
        vez que a mesma grafia é usada em tantos textos de tão variados autores.
 
 De facto, não se trata de um erro. Trata-se de uma opção, certamente discutível e
        controversa, mas não de um erro.
 
 A escolha está desenvolvidamente explicada no Livro de Estilo do PÚBLICO. Aí se diz que
        o jornal, na escrita de nomes e topónimos chineses, decidiu adoptar o "pinyin",
        ou seja, o "chinês alfabetizado, criado pelos próprios chineses e que entrou
        oficialmente em vigor em todos os contactos com o exterior já em 1979". Mais se
        explica que o "pinyin" nasceu pelo facto de "os complexos caracteres
        chineses não [obedecerem] a uma lógica alfabética, como nas línguas ocidentais, mas a
        uma escrita ideográfica" e, assim, ser necessário "arranjar uma fórmula de
        transcrição alfabética da língua chinesa". Várias fórmulas foram utilizadas ao
        longo dos séculos até se chegar ao "pinyin", formalmente adoptado em 1979 pelo
        Estado chinês e reconhecido pela organização de normalização da ONU. Ora, de acordo
        com o "pinyin", "o nome correcto da capital chinesa, em qualquer língua
        que use o alfabeto romano, é Beijing" - conclui o Livro de Estilo, informando ainda
        que opção idêntica à do PÚBLICO "tem vindo a ser adoptada pelos órgãos de
        Comunicação Social em todo o mundo", com o "New York Times" na dianteira.
 
 Aqui é que a porca torce o rabo... De facto, o "New York Times" também escreve
        "Beijing". E o "Washington Post". E a CNN. E a "Time". E
        não só os jornais e revistas americanos; também os ingleses, o "Times", o
        "The Guardian"... Mas se a nova grafia foi adoptada pela generalidade da
        imprensa anglo-saxónica, já não o foi, por exemplo, pela francesa, pela espanhola ou
        pela... portuguesa. As que nos são geograficamente mais próximas, afinal, e onde toda a
        gente continua a escrever "Pequim" ou "Pekin". Com excepção do
        PÚBLICO.
 
 Que fazer? Manter a opção reflectidamente tomada, esperando que a pouco e pouco a sigam
        os restantes - como já acontece em parte do mundo -, mas correndo o risco de ficar
        sozinho, a insistir no que alguns considerarão mera bizarria ou vaidade de "jornal
        elitista"? Ou, pelo contrário, fazer marcha atrás, desistindo do que parece ser uma
        escolha legítima e bem fundamentada, só porque a maioria, entre nós, continua atreita
        à grafia tradicional de "Pequim"?
 
 Não é uma questão fácil, pois envolve prós e contras. Se alguém quiser dar a sua
        opinião, faça o favor... Um aspecto convém não esquecer: importa que a eficácia da
        comunicação não saia prejudicada. O leitor Pedro Matos tem dúvidas a esse respeito:
        "É preciso fazer uma sondagem para saber quantos, em Portugal, sabem onde fica
        'Beijing'?" Pela minha parte, contudo, arriscaria dizer que a generalidade dos
        leitores do PÚBLICO, quanto mais não seja pela habituação, sabem perfeitamente que se
        fala da capital da China (ex-Pequim) quando se fala de Beijing. Podem não gostar - mas
        sabem.
 
 Isto da língua e das palavras é coisa muito mutável. Toda a língua é como um
        organismo vivo que nasce, cresce, se desenvolve neste e naquele sentido, eventualmente
        até morre. Quantas palavras já desapareceram, quantas novas vão entrando no nosso
        léxico habitual, seja por necessidade de nomear novas realidades, seja por permeabilidade
        (escusada numas vezes, incontornável noutras) face a estrangeirismos! E é um processo em
        contínuo movimento.
 
 Tal não significa, porém, que não deva haver - e então nos jornais, responsáveis por
        tanto do que por aí se diz e escreve - algum cuidado em preservar e valorizar o
        património riquíssimo da língua portuguesa. Ora, se há palavras adequadas para certos
        casos, porquê importar termos alheios ou inventar formulações estranhas?
 
 Veja-se a travessia sobre o Douro, destinada exclusivamente a peões, que o Porto se
        prepara para construir junto à ponte de D. Luis. É, ao que tem dito o PÚBLICO, uma
        ponte "pedonal". Mas procura-se em tudo quanto seja dicionário, por mais
        actualizado, e nada de "pedonal". E nem sequer o Livro de Estilo nos vale, como
        valeu com Beijing...
 
 O leitor António Carvalho fez o seu reparo sobre esta matéria, pedindo "mais
        respeito pela língua portuguesa" e contestando "a invenção de novas palavras
        que, embora correctas nas regras das derivações do latim, têm já antecessores
        perfeitamente usuais e correctos". No caso, lembra, há o termo "pedestre",
        significando "que é percorrido a pé". E "ponte para peões" também
        não vai mal. Agora "pedonal"...
 
 Claro que, generalizando-se o uso do termo, daqui a uns anos ele pode bem acabar por
        entrar na língua. Exemplos não faltam. Então não nos fartámos de protestar contra o
        estrangeirismo "implementar", tão frequente na boca de políticos e
        empresários, e constatamos agora que as versões mais recentes dos nossos dicionários
        já o adoptaram como palavra portuguesa?... Até por isso, porque é tão intensa a
        pressão de termos importados e porque os neologismos não hão-de parar, vale a pena
        algum esforço de atenção. Quando temos na nossa língua as palavras adequadas, e tantas
        vezes até tão bonitas, por que não preferi-las?
 
 Em síntese
 
 Beijing - O "novo" nome da capital chinesa é uma opção e não um erro de
        português
 
 Língua - Valorizar o património também passa por usar as bonitas palavras que temos
 
          
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