"Notícias" à
Venda
Por JOAQUIM FIDALGO
Domingo, 25 de Março de
2001 A maior parte das críticas dirigidas à comunicação social, nas
últimas semanas, tem visado sobremaneira os canais de televisão. Embora os outros
"media" não estejam todos isentos de falhas profissionais ou éticas no que
toca à cobertura de eventos com forte carga emocional, parece claro que a televisão -
seja pela força de imagens ao vivo, seja pelo facto de passar horas e horas a transmitir
em directo - corre mais riscos, sucumbindo mais facilmente às tentações de exagero. E
então face à feroz competição que se instalou entre canais por busca de audiência...
Um jornal tem a vida facilitada. Os seus jornalistas não são obrigados a escrever
"a quente", mesmo em cima do drama: têm sempre algum tempo, minutos que sejam,
para pensar um pouco e distanciar-se dos acontecimentos que presenciaram. O seu texto
raramente vai "para o ar" sem que outros colegas o leiam, alargando a reflexão.
Entre o momento dos factos e a sua chegada aos leitores vai um longo percurso, com
intervenções variadas que ajudam a minorar os riscos de envolvimento excessivo numa
fogueira de emoções e sentimentos. Algo que não tem um repórter de rádio ou TV,
obrigado, com microfone aberto e câmara em acção, a fazer tudo no imediato e sem rede:
contar, improvisar, entrevistar, interpretar, aguentar o directo enquanto a chefia mande.
Assim, falhas ou excessos deste tipo nos jornais são em alguma medida mais graves, pois
são mais fruto de acções ponderadas do que de lapsos ou contingências do momento.
Menos desculpáveis, pois.
Noutros domínios, entretanto, os comportamentos duvidosos dos "media" parecem
tocar por igual os diversos suportes. Veja-se o caso da publicidade.
Já se falou bastante de como as televisões fazem publicidade encapotada a produtos,
confundem deliberadamente as áreas informativa e comercial (mesmo que seja para
publicitar "produtos" da própria casa) ou não separam adequadamente os
anúncios dos programas.
E os jornais?
A última semana trouxe-nos um exemplo espantoso de como também é possível
"vender" notícias - ou algo que grosseiramente se faz passar por elas - na zona
mais nobre da informação jornalística.
Um jornal diário, o "Correio da Manhã", decidiu, na edição da passada
quinta-feira, "vender" a sua manchete a uma empresa, transformando o título
principal de primeira página num "slogan" publicitário (ver foto). Repare-se
que não vendeu apenas aquele espaço onde diariamente inscreve o título mais importante
da edição; vendeu o próprio conteúdo da manchete e usou a mesma fórmula gráfica, o
mesmo tipo de letra, o mesmo destaque. Ou seja, exactamente "como se fosse" uma
notícia. A única diferença foi que encimou o tal título com a mençãozinha de
"publicidade", decerto para respeitar a norma legal de sinalização
obrigatória dos anúncios -como se esse artifício resolvesse a questão de princípio
que está em causa!
Como sucede com os títulos de primeira página, este remetia-nos para uma página
interior onde, a par de um texto de carácter promocional sobre a empresa publicitada, se
nos oferecia um largo e vistoso anúncio. Era essa, então, a "notícia"
suportada pela manchete: um anúncio!
Toma-se este caso apenas como exemplo - particularmente chocante, convenhamos - de uma
prática que não é exclusiva daquele diário, mas que volta e meia nos surpreende na
imprensa e para a qual será útil chamar a atenção. O próprio PÚBLICO também tem
culpas no cartório: os leitores lembrar-se-ão de algumas decisões polémicas neste
domínio, como a de imprimir todo o jornal num papel amarelo só porque dado anunciante
"comprou" essa ideia, ou a de "vender" a capa do magazine dominical a
uma empresa. Não se pretende, portanto, atirar pedras ao vizinho sem cuidar das telhas de
vidro que por cá existam, embora seja justo salvaguardar as devidas proporções.
A questão que este caso coloca é, basicamente, a do respeito pelos leitores e pelas suas
legítimas expectativas face ao produto/serviço que adquirem. É em nome desse respeito
que estão habitualmente bem demarcados os espaços próprios da publicidade e da
informação, para que se possa chegar a uns e a outros sem se ser levado ao engano ou
apanhado à falsa fé. Por isso há, na televisão, os tão esquecidos separadores. Por
isso há, nos jornais, os princípios de identificação do que é publicidade e de não
utilização de elementos gráficos iguais aos das notícias.
As empresas e agências de publicidade estão no seu papel ao procurar formas sempre novas
e surpreendentes de fazer chegar a mensagem aos destinatários. Tentam frequentemente
"invadir" as zonas delimitadas da informação porque sabem que, com isso, podem
colher inesperadas atenções - ou mesmo, nalguns casos, uma chancela de credibilidade.
Até já se inventaram umas "publireportagens", para travestir de trabalho
jornalístico o que, de facto, não passa de propaganda comercial...
A publicidade não é inimiga dos jornais. Bem pelo contrário. É um dos serviços que os
jornais prestam aos seus leitores e que tem uma óbvia componente informativa - embora
diversa, na sua própria lógica, da que se espera do jornalismo. Além do mais, as
receitas publicitárias são, como sabemos, um elemento essencial para a sobrevivência
económica de praticamente todos os meios de comunicação social. E, quando os dinheiros
escasseiam ou a concorrência aperta, há uma maior tendência para aceitar compromissos
que ferem a indispensável independência dos respectivos campos de actuação.
Não sendo inimiga, mas parceira, nem por isso a publicidade deve ter (ou poder
comprar...) o privilégio de se intrometer em terrenos que não são os seus - ou sequer
de criar confusões deliberadas junto dos leitores, apropriando-se dos códigos que eles
se habituaram a ver associados ás notícias.
Quando isso acontece, nasce a suspeita de que uma publicação se rege mais por critérios
comerciais do que por genuínos critérios informativos nas suas opções. E, sendo assim,
com que olhos se vai ler amanhã uma notícia desta empresa, uma reportagem sobre aquela
instituição, uma entrevista àqueloutro gestor? Com olhos de quem crê estar a ser
seriamente informado, de modo isento e rigoroso, ou com olhos de quem está porventura a
receber uma mensagem publicitária (paga, se calhar...) mais ou menos disfarçada de
notícia?
Muitas destas suspeitas, sabemo-lo, estão instaladas em grande parte dos leitores e
espectadores. Nem sempre com fundamento, de resto. Mas, até por isso, seria bom que não
lhes déssemos mais argumentos para novas dúvidas. Há tanto que fazer para
"limpar" as já existentes...
EM SÍNTESE
Autonomia - O respeito pelos leitores exige que notícias e anúncios não se confundam
nunca
Perigo - A informação resistirá à suspeita de que se guia por critérios comerciais?
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