| O Sigilo, Direito e Dever Por JOAQUIM FIDALGO
 Domingo, 25 de Fevereiro
        de 2001
 Quando um jornalista garante a uma fonte de informação que a
        manterá sob confidencialidade, é bom que saiba os especiais riscos que corre e a
        responsabilidade que assume. No caso de as coisas darem mau resultado, é ao jornalista
        que os leitores têm o direito de pedir contas - e não à fonte. 
 O sigilo profissional do jornalista - a garantia de que qualquer pessoa pode falar com ele
        em confidência sem se arriscar a ver o seu nome divulgado, nem sequer em tribunal - é
        exemplo eloquente de como certas liberdades, para serem exercidas de modo adequado,
        transportam consigo uma enorme responsabilidade. Dito de outro modo, estamos perante um
        importantíssimo direito dos profissionais da informação que, na outra face da moeda, é
        também um dos seus mais basilares (e complicados...) deveres. Daqui decorre que não fica
        muito bem invocar apenas o direito e esquecer o correlativo dever, por mais riscos que ele
        comporte, sob pena de se quebrar esse fio fundamental que deve unir jornalistas e
        cidadãos: uma relação de confiança.
 
 Ocorreu nos últimos dias, em Espanha, um episódio que não é muito estranho à cena
        mediática portuguesa. Uma câmara de televisão da RTVE gravou, por acaso, certos
        comentários de teor xenófobo produzidos por um deputado do parlamento andaluz, antes da
        ordem do dia, sendo que as imagens não permitiam identificá-lo - e o próprio som,
        embora perceptível no conteúdo, não revelava com clareza a voz do seu autor. O assunto
        foi considerado suficientemente grave para que todos os grupos parlamentares solicitassem
        uma averiguação do ocorrido.
 
 Alguns dias mais tarde, o jornal El País publicou um trabalho em que apontava o nome de
        um deputado do PP como sendo o autor do comentário racista. Fazia-o com base na
        informação de um outro parlamentar, que garantia ter ouvido aquelas palavras daquela
        boca. Não obstante, o autor da denúncia só deu a informação à jornalista (e a
        correspondente autorização de divulgação) na condição de ela lhe garantir a
        confidencialidade da fonte. O que ela fez.
 
 De acordo com o relato feito pelo provedor ("defensor do leitor", como em
        Espanha se chama) no El País do passado domingo, nem se poderá dizer que a jornalista
        tenha sido precipitada. Falou com vários outros deputados e todos lhe afiançaram que,
        embora não tendo assistido ao episódio, ouviram da boca do tal denunciante anónimo a
        mesma versão. O próprio "comité" de empresa da RTVE disse ter conseguido,
        apesar das deficiências técnicas, identificar a voz do deputado do PP. Ou seja, a
        jornalista não se ficou apenas pela informação da fonte que queria manter-se no
        anonimato e tratou de a confirmar por diversas vias. Feito isso, avançou com a notícia -
        sem revelar o nome da fonte.
 
 Dois dias depois, a bronca: um deputado socialista confessa ter sido ele - e não o colega
        do PP - o autor dos comentários xenófobos...
 
 E agora, que faz o jornal? Que faz a jornalista?
 
 Por um lado, tinha sido prometido à fonte de informação que o seu nome não seria
        revelado - e esse é um compromisso muito sério que, uma vez assumido, se vê mal como
        possa ser quebrado por gente de bem. Sem esquecer, no caso dos jornalistas, os princípios
        éticos e as regras deontológicas que lhes exigem, neste domínio, especial rigor.
 
 Por outro lado, parece evidente que a referida fonte agiu de má fé e, escudando-se na
        impunidade que o prometido anonimato lhe garantia, fez uma denúncia mentirosa. Enganou
        deliberadamente a jornalista e, com isso, levou o jornal a enganar toda a gente, ofendendo
        ainda o bom nome de um cidadão.
 
 De quem é a culpa? E quem deve ser punido por ela?
 
 Se estivéssemos em Portugal, podia suceder (como já sucedeu) que jornal e jornalista
        resolvessem punir a própria fonte. Considerando que o autor da denúncia tinha
        desrespeitado o pressuposto de confiança, dando uma informação que sabia ser falsa, o
        jornal sentia-se à vontade para quebrar também o seu próprio compromisso de garantia da
        confidencialidade - e apontava o nome do senhor em público. O próprio Código
        Deontológico dos Jornalistas dá alguma cobertura formal a esta decisão, quando diz que
        "o jornalista não deve revelar, mesmo em juízo, as suas fontes confidenciais de
        informação, nem desrespeitar os compromissos assumidos, excepto se o tentarem usar para
        canalizar informações falsas" (artigo 6º).
 
 Não foi isto, contudo, que sucedeu em Espanha. E podia ter sucedido, pois o Código
        Deontológico dos jornalistas do país vizinho também tem uma "cláusula de
        excepção" - a obrigação profissional do sigilo, diz, "pode excepcionalmente
        não ser aplicada se se provar que a fonte falsificou conscientemente a
        informação".
 
 Mas não. O El País entendeu proceder de outro modo e manteve em segredo o nome do
        denunciante, arcando sozinho com o ónus de ter difundido, mesmo de boa fé e com
        precauções, uma notícia falsa. O director-adjunto do jornal, José María Izquierdo,
        explicou por que motivo se tomou essa opção: "Porque, acima de qualquer outra
        consideração, e ainda que nos prejudique, decidimos salvaguardar o sigilo da fonte, uma
        vez que lhe demos crédito e publicámos a informação".
 
 É uma decisão aplaudida pelo "defensor do leitor" do jornal espanhol e com a
        qual também este provedor não pode estar mais de acordo. Aliás, os Livros de Estilo de
        ambos os jornais recordam, por diferentes palavras, um preceito fundamental de
        responsabilização que enquadra estas situações. O do El País: "A atribuição de
        uma notícia a uma fonte ou a fontes não exime o jornalista da responsabilidade de a ter
        escrito". O do PÚBLICO: "Todo o jornalista que publica informações não
        atribuíveis a fontes claramente identificadas torna-se, perante os seus leitores, o
        único garante da veracidade dessas informações".
 
 Corre-se o risco de que as fontes se aproveitem desta garantia de confidencialidade e,
        impunes, induzam o jornalista em erro ou manipulem informação? Claro que se corre. Mas a
        solução não está, nestes casos, em penalizar a fonte (por muito que apeteça ou ela o
        mereça...), lavando as mãos de toda a responsabilidade, assumindo o papel ingénuo de
        quem foi enganado. A solução está em diminuir as hipóteses de se ser enganado. Como?
        Recorrendo com extremas cautelas a esse instrumento tão importante mas tão melindroso
        que é a utilização de informação fornecida por fontes não identificadas. Este
        recurso devia ser mais excepção do que regra - até para exercer alguma pedagogia junto
        de quem se habituou a "usar" os jornais com grande à-vontade, a coberto do
        anonimato -, mas infelizmente transformou-se numa prática frequente.
 
 Ora, se um jornal ou um jornalista decidem correr mais riscos neste terreno tão
        movediço, é bom que estejam preparados para arcar com as respectivas consequências. Por
        muito que elas doam. Só assim (e não atirando as culpas para o lado quando as coisas
        correm mal) podem continuar a merecer a confiança das fontes - e dos leitores.
 
 EM SÍNTESE
 
 Sigilo - Quebrar compromissos de confidencialidade põe em causa o princípio da
        confiança
 
 Fontes - Os últimos responsáveis pela informação publicada são o jornal e o
        jornalista, não as fontes
 
          
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