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Cartas, Dólares e Fisco
Por JOAQUIM FIDALGO
Domingo, 11 de Fevereiro de 2001

Do assunto aqui abordado na última semana (Casal Ventoso e toxicodependência), "sobrou" uma crítica feita pelo leitor Rodrigo Coutinho ao PÚBLICO, e que repete reparos já noutras ocasiões endereçados ao provedor: a de que uma carta sua teria sido publicada no jornal com cortes que afectariam a compreensão do texto. Mais, queixava-se pelo facto de tais cortes não terem sido devidamente assinalados com as usuais reticências entre parêntesis: (...).

Ana Henriques, editora do caderno Local Lisboa - onde a referida carta foi dada à estampa -, explica que esta é uma prática corrente na sua secção: "Por razões de espaço, é comum as cartas que nos são enviadas pelos leitores serem reduzidas ou mesmo, por vezes, 'alteradas' de modo a que o seu significado fique claro para o leitor comum que não está dentro da matéria. (...) As 'alterações' são, como é óbvio, escrupulosamente feitas, de modo a não alterar o sentido dos textos". Esclarece ainda a editora que os leitores estão informados de tudo isto, pois semanalmente publica-se um pequeno texto, a encimar o espaço das cartas, onde se avisa: "Por razões de espaço e clareza, as cartas poderão ser resumidas pela Redacção". Quanto a não serem assinalados os cortes, Ana Henriques diz tratar-se apenas de "uma opção gráfica": ao reduzir um texto muito grande para um tamanho razoável, a utilização do indicador de cortes - (...) - "seria de tal modo frequente que praticamente impossibilitaria a leitura normal do texto".

Compreende-se a opção e regista-se o facto de dela se dar regularmente informação aos leitores: assim, quem queira escrever e se estenda demasiado na prosa, já sabe ao que se arrisca.

Não obstante, parece ao provedor que seria mais adequado seguir, na "Tribuna do Leitor" do Local Lisboa, os mesmos critérios que se observam noutros espaços similares do jornal, designadamente nas diárias "Cartas ao Director", onde os cortes costumam ser assinalados.

Para além deste argumento de coerência (critérios idênticos para secções idênticas do mesmo jornal), há um outro, mais de princípio, que aponta para o respeito de um texto assinado por outrém e para o rigor de citação de escritos alheios. Não se duvida da boa fé e do escrúpulo com que se procede aos cortes ou às 'alterações', de modo a não afectar o sentido dos textos. Mas esse é um terreno tão escorregadio de subjectividade que dificilmente duas pessoas sintetizam um escrito da mesma maneira. E as 'alterações' podem ser pequenas aos olhos de quem as faz, mas grandes (mesmo que apenas estilísticas) para o gosto de quem as sofre. Portanto, se não é possível publicar o texto na íntegra - por ser grande ou por ter partes incompreensíveis -, ao menos que se informe quem o vai ler de que havia mais qualquer coisa em certas passagens.

Atento ao Livro de Estilo do PÚBLICO , o leitor Jorge Gonçalves lembra uma norma aos jornalistas: "Sempre que é referida uma quantia em moeda estrangeira, deve proceder-se à sua conversão para escudos, à taxa de câmbio em vigor". Vem o caso a propósito da notícia sobre os valores que o ex-presidente Clinton decidiu cobrar por uma conferência: cerca de 25 mil contos, como se dizia em título (edição de 5/2), arredondando para cima os avultados 100 mil dólares originais - o dólar, recorde-se, anda nos 215$00/220$00. O problema é que, no resto do texto, são feitas várias outras referências a montantes em dinheiro, e sempre apenas em dólares, obrigando-nos desnecessariamente a fazer as contas.

Também não passou despercebida ao leitor a recomendação, aqui repetida no passado domingo, de que não se coloquem opiniões ou comentários na boca de fontes não identificadas. Pois foi o que, em seu entender, sucedeu no trecho final de uma notícia a propósito da morte de um recluso em Coimbra (edição de 5/2). A primeira parte do texto conta muito correctamente o que sucedeu: o preso foi alvejado por um guarda quando tentava fugir dos Hospitais da Universidade, onde tinha ido receber tratamento. Os dois parágrafos finais, contudo, atribuem a fontes não identificadas do Estabelecimento Prisional de Coimbra um conjunto de informações de facto, mas que se misturam com comentários e juízos de valor (em geral negativos) sobre o preso, que são já do domínio da opinião.

Insista-se uma vez mais que o recurso a fontes não identificadas pode justificar-se, até para a sua propria protecção, mas quando se trate de recolher informações - não opiniões, apreciações, palpites. Aí, há que dizer quem disse. Se não é possível, fiquemo-nos pelos factos.

O provedor errou. Não acontece só aos outros... A referência feita aqui, há duas semanas, a uma suposta decisão do grupo Sonae de "transferir para o estrangeiro a sede de uma 'sub-holding'", com vista a um tratamento fiscal mais favorável, era incorrecta. A direcção do grupo empresarial fez-nos chegar um comunicado, já em tempos distribuído à imprensa, no qual se garante que a Sonae "detém seis sub-holdings que, apesar de terem interesses e desenvolverem negócios um pouco por todo o mundo, são também empresas sediadas em Portugal". E mais diz que "nunca transferiu a sede de nenhuma empresa sua de um país para o outro".

Feito o esclarecimento, o provedor penitencia-se pelo erro cometido.

Mas, a bem da verdade, a história não deve acabar aqui. Se é certo que o grupo Sonae não transferiu sedes para o estrangeiro, não é menos certo que transferiu determinadas participações de capital para empresas suas sediadas além-fronteiras - designadamente na Holanda. Sucedeu isso com uma participação de 51,19 por cento da Sonae-SGPS na Sonae Imobiliária-SGPS, que passou para a Sonae Investments, BV (Holanda), e o mesmo sucedeu, mais recentemente, com a participação de 4,29 por cento da Sonae no capital do BPI (ver PÚBLICO de 30/1/01). Fê-lo, ao que se presume, para que os ganhos de capital de tais participações tenham um tratamento fiscal menos pesado, uma vez que as recentes alterações legislativas no nosso país agravaram o quadro tributário neste domínio.

Aliás, o próprio comunicado da Sonae que citámos ocupa-se em boa parte a criticar a reforma fiscal portuguesa ("o retrocesso a que se assistiu") e a alertar o Governo para as "previsíveis consequências" do novo enquadramento. E fica clara a determinação do grupo de ir procurando noutras latitudes um tratamento mais compensador: não é isso que quer dizer quando, na sua linguagem peculiar, fala em desenvolver "competências para capitalizar as oportunidades que o contexto global em que se desenvolvem os negócios vem permitindo"?...

EM SÍNTESE

Moeda Quando se refere uma quantia em moeda estrangeira, deve indicar-se também o seu valor em escudos

Fisco A Sonae não transferiu sedes para o estrangeiro, mas transferiu algumas participações de capital

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Fax: 22-6151099; 21-7587138
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