.
O Que Parece e o Que É
Por JOAQUIM FIDALGO
Domingo, 28 de Janeiro de 2001

São os jornais como a mulher de César - a tal a quem convinha não só ser séria, mas também parecer? No que respeita a uma das mais decisivas "pedras-de-toque" de qualquer órgão de comunicação - a sua independência -, os leitores julgam frequentemente pelas aparências. Estão no seu direito, sobretudo quando conhecem menos bem os mecanismos do trabalho jornalístico. Ou quando há coincidências duvidosas. Mas, de facto, as coisas nem sempre são aquilo que parecem.

Vamos a um exemplo.

Continuam a chegar ao provedor queixas de leitores que não viram publicadas as suas "Cartas ao Director". Embora muitas vezes se trate de escritos perfeitamente consensuais e inofensivos, quase sempre os seus autores vislumbram motivos obscuros na decisão de não publicação. Numa palavra, censura. Ninguém quer admitir que a sua carta não foi publicada só porque era demasiado extensa, ou porque estava mal escrita, ou porque usava termos inaceitáveis, ou porque era desinteressante, ou porque se referia a assunto velho. Pensa-se que há sempre algo de deliberado "contra" o autor ou a sua opinião.

Se parece censura, o facto é que não é. Garantiu-o já a Direcção do PÚBLICO, mais que uma vez, e pode confirmá-lo o provedor a partir da sua experiência. Haverá diversos motivos para a não publicação de cartas (uns mais objectivos que outros), mas entre eles não se conta o silenciamento por diferenças de opinião, desde que esta seja apresentada em modos correctos. O problema é que muitas cartas terão sempre de ficar de fora, dadas as limitações de espaço. É bom que ele aumente (o novo modelo gráfico parece permiti-lo, acrescentando mais um pedaço nos cadernos de informação local), mas, porventura, nunca será bastante. Resta ir afinando critérios e melhorando a sua compreensão.

Vamos a outro exemplo.

A partir de duas notícias desta semana, o leitor Rogério Santos pergunta se não se estará "a usar o jornal para defender o interesse do empresário [Belmiro de Azevedo], que é também patrão do jornal".

Uma das notícias (22/1) reportava-se à "análise" dominical de Marcelo Rebelo de Sousa na TVI, referindo as suas críticas a Durão Barroso e a Santana Lopes. Nela nada se dizia sobre um outro tema abordado por Marcelo - o da recente posição do Tribunal de Contas a propósito do negócio da Torralta com o grupo Sonae. Segundo o leitor, este assunto "teria mais noticiabilidade", mas, aparentemente, "não encaixa nos valores-notícia do PÚBLICO: o patrão do jornal era criticado".

Parece evidente que o assunto Torralta/Sonae teria "noticiabilidade" - mas desde que fosse novo. Ora, como recorda a jornalista Eunice Lourenço, a posição do Tribunal de Contas sobre o dito negócio tinha sido noticiada pelo PÚBLICO três dias antes, na secção de Economia, e com razoável desenvolvimento (texto sob o título "Estado perdeu dinheiro no negócio com a Sonae, diz tribunal - Torralta, uma opção política"). Não era novo, portanto. "A novidade era a resposta de Marcelo Rebelo de Sousa ao desafio lançado por Santana Lopes", acrescenta Eunice Lourenço.

Não se escondeu, portanto, uma informação porventura desagradável para Belmiro de Azevedo. A querer ignorar-se a posição do Tribunal de Contas, não se teria feito a notícia da Economia. Observaram-se, e bem, apenas critérios jornalísticos.

A outra notícia que suscitou reservas ao leitor Rogério Santos saiu na edição de 21/1 e relatava passos da intervenção do patrão do PÚBLICO num colóquio promovido pelo Lions Clube em Lousada ("Belmiro diz que Portugal 'precisa de um Governo forte'").

Sublinhando o forte destaque do texto, o leitor chama a atenção para um ponto concreto: deu-se nota das críticas de Belmiro de Azevedo à reforma fiscal do actual Governo, mas nada se referiu "sobre a transferência de participações da Sonae (...) para o estrangeiro, para evitar o novo quadro fiscal, considerado mais apertado quanto à tributação de mais-valias das 'holdings'".

Aqui, já o caso é menos óbvio. Desde logo, o leitor tem razão num ponto (como, de resto, concordam a autora do trabalho, Rita Siza, e o subdirector Manuel Carvalho, que o agendou e acompanhou): ao citar as críticas do líder da Sonae ao novo enquadramento fiscal, devia ter-se recordado a sua recente decisão de transferir para o estrangeiro a sede de uma sub-"holding". É isso que manda o estilo do PÚBLICO: contextuar adequadamente a informação, não tanto para que não pareça parcial, mas, sobretudo, para que seja mais rigorosa, mais profunda, mais completa.

Aliás, quanto a este assunto específico, diga-se que o jornal não o acompanhou, nas últimas semanas, com a atenção que ele mereceria. Pode não ter sido pelo facto de implicar a Sonae. Pode ter sido por caberem a outro jornal (o "Diário Económico") os méritos da "cacha". Pode ter sido por distracção ou má avaliação da sua relevância jornalística. Mas, aqui sim, o que "parece" - mesmo se não "é" - tem a sua importância... Não espanta que os leitores verifiquem a coincidência e conjecturem sobre ela.

Já quanto à oportunidade jornalística de ir a Lousada fazer a cobertura de um colóquio promovido pelo Lions Clube (muitos congéneres se perguntarão que voltas hão-de dar para conseguir a atenção dos jornais...) e quanto à circunstância de o texto quase só falar de Belmiro de Azevedo, é terreno mais subjectivo. O subdirector Manuel Carvalho afirma sem pejo que a presença do empresário foi "determinante" para a decisão de o agendar - "mas não pelo facto de ele ser o patrão do PÚBLICO, e sim por ser quem é, um empresário muito importante e uma figura fortemente mediática, até porque costuma apresentar as suas opiniões com grande desassombro e sem papas na língua".

Rita Siza "puxou", na notícia, pelo que lhe pareceu mais relevante (as críticas ao Governo e a postura positiva face ao alargamento europeu a Leste), e jornalisticamente justifica-se. A decisão de publicar "teve a ver com isso e nada mais", garante Manuel Carvalho, recordando que, não há muito tempo, se enviou uma jornalista a uma outra sessão pública, na qual participava Belmiro de Azevedo, e acabou por nada se escrever, por se ter entendido que nada de novo lá fora dito.

Parece claro que Belmiro de Azevedo não deve ser favorecido pelo facto de ser o patrão do PÚBLICO. Mas também não deve ser penalizado por isso. Que é muitas vezes notícia, prova-o a atenção que lhe dispensa a generalidade da comunicação social. Em nome precisamente da independência, o PÚBLICO não deve ser excepção - nem tratá-lo de modo excepcional, seja por excesso ou por defeito.

EM SÍNTESE

Cartas Haverá diversos motivos para a não publicação de cartas dos leitores, mas entre eles não se conta a censura.

Independência

Um jornal não deve favorecer o seu dono só pelo facto de o ser, mas também não deve penalizá-lo por isso.

Contactos do provedor do leitor:
Cartas: Rua João de Barros, 265 - 4150-414 PORTO
Telefones: 22-6151000; 21-7501075
Fax: 22-6151099; 21-7587138
E-mail: provedor@publico.pt