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Dez Desejos para o Novo Ano
Por JOAQUIM FIDALGO
Domingo, 31 de Dezembro de 2000

Em dia que sugere balanço de um ano mesmo a finar-se, olhemos antes para esse outro que já aí nos espera, novinho em folha. Nesta passagem tão rara também de século e de milénio, fiquemo-nos humildemente pelos singelos doze meses que temos pela frente, um grão de areia no fluir imenso do tempo mas, ainda assim. um montão de dias que se nos oferecem para fazermos, e sermos, tanta coisa!

Para os 365 PÚBLICOS que vamos ter pela frente em 2001, e recapitulando as principais preocupações manifestadas pelos leitores ao longo deste ano, deixemos, então, uma dezena de votos.

1. Que este jornal não receie ser diferente, autónomo, capaz de pensar pela sua cabeça e fiel aos princípios inovadores que lhe deram um lugar tão próprio na cena mediática portuguesa. Que reme contra a corrente, se necessário for, não cedendo às tentações de facilidade e ligeireza que de tudo gostam de fazer um "show" (mesmo com um bocadinho de "reality" à mistura, para disfarçar...), entretendo-nos mais do que informando-nos, prendendo-nos mais do que soltando-nos. Que seja bonito, convidativo, agradável à leitura e interessante como companhia de todos os dias; mas que, além do interessante, saiba falar-nos também de, e cativar-nos para, tudo o que é importante, tudo o que tem a ver com as nossas vidas e com as  dos outros milhões com quem partilhamos este sítio, este país, este mundo.

2. Que seja sempre, nas declarações de princípio e nas práticas quotidianas, uma publicação independente de todos os poderes, grandes ou pequenos, públicos ou privados, políticos ou económicos, culturais ou desportivos, "responsável apenas perante os leitores", como diz o seu Estatuto Editorial. E, sabendo embora que a selecção e tratamento da informação implicam escolhas permanentes, com o que têm de subjectivo, que nem por isso abdique de uma sistemática "conduta de objectividade", de um genuíno propósito de chegar à verdade possível. Independência é credibilidade, o maior capital de qualquer jornal. E que, mais cedo ou mais tarde, sempre compensa.

3. Que se mostre rigoroso no tratamento jornalístico da informação mas também no modo como a edita e como a apresenta ao público leitor . Que não nos leve nunca ao engano, prometendo nos títulos mais do que tem para nos oferecer nos textos; ou dando opiniões antes de nos dar as informações que as sustentam; ou invocando em vão o nome vago de "fontes" cujo anonimato pode não ser mais que cobardia e impunidade. Que faça primeiras páginas apelativas, com boas imagens e manchetes fortes, mas que não nos desiluda, depois, com a continuação da matéria nas páginas interiores.

4. Que seja abrangente e diverso na informação que decide acompanhar, correspondendo ás motivações e interesses de um público plural. Que não deixe escapar nada do que de mais relevante vá acontecendo no país e no mundo, nos variados campos de actividade, mas que seja também capaz de nos surpreender, descobrindo e pondo em evidência aquilo que ainda nem sabíamos que era merecedor das nossas atenções e reflexão. Que não se esqueça nunca da vida concreta das pessoas concretas que são os leitores, neste tempo e neste lugar, mas que não se satisfaça com as facetas mais visíveis e superficiais do nosso quotidiano. Que nos vá dizendo de nós aquilo que nós próprios não sabíamos e que quase nunca se encontra na rotina das agendas.

5. Que seja abrangente e diverso também nos textos de opinião, própria ou alheia. Que saiba ser, cada vez mais, um espaço privilegiado de partilha e confronto de opiniões, estimulando e alimentando debates sobre grandes questões do nosso viver colectivo, ajudando assim à formação de uma opinião pública mais esclarecida, crítica e exigente. Que possa contar com as vozes respeitadas de conhecidos(as) colunistas ou outros(as) pensadores(as), mas não se feche também à emergência de vozes mais novas, menos sonantes, pouco habituadas a dizer para grandes auditórios o que pensam mas, quem sabe?, com uma frescura que poderá surpreender-nos.

E que o PÚBLICO faça tudo isto sem receio de ficar cada vez mais sozinho num cenário mediático tão rendido aos "sound bytes", que foge de tudo o que cheire a debate sério e aprofundado, porque "chato", porque "não dá audiência", porque "as pessoas querem coisas leves". Não valerá mais só do que mal acompanhado?

6. Que não esmoreça na preocupação de ser um jornal bem escrito, com correcção gramatical, com ortografia exemplar, com rigor terminológico, com riqueza de linguagem, com criatividade de estilo. Mesmo recusando propósitos directamente didácticos, que noutros sítios se trabalharão melhor do que aqui, não pode o jornal esquecer que também ensina a falar e a escrever - e tanto melhor comunica quanto melhor o fizer. Que sirva exemplarmente o público a quem se destina, controlando a qualidade final do "produto" que põe à venda, corrigindo erros, emendando gralhas, revendo o que houver a rever. Um jornal que quer posicionar-se "no alto da gama" tem as suas responsabilidades e não pode facilitar, nem nos pormenores.

7. Que seja rápido, sincero e humilde sempre que se trate de assumir - e corrigir - erros em qualquer matéria publicada. Que o faça por sua própria iniciativa, quando os detecte, ou que se abra sem dificuldades nem subterfúgios a quem invoque o direito de corrigir uma informação errada, de responder a uma acusação menos fundada, de explicitar uma interpretação mais apressada. "Ouvir a outra parte" é mais do que um preceito burocrático que se cumpre como quem pica o ponto. E um jornal não é só de quem o faz: é de quem nele sai, é de quem o lê, é de quem lhe sente a influência... É de todos nós.

8. Que, no fazer notícia ou no dar voz, em nenhuma circunstância discrimine quem quer que seja por razões de sexo, raça, idade, residência, estatuto, família, religião, o que for. Mais do que não discriminar, que contribua activamente para que certas posturas discriminatórias ainda tão presentes na nossa vida social (e, até subliminarmente, nas nossas cabeças) vão desaparecendo. As palavras ditas e as imagens mostradas nos meios de comunicação de massas são um poderoso reprodutor de certos esquemas mentais e modos de vida, como é exemplo a subalternização das mulheres face aos homens. E se o têm sido pela negativa, também podem - assim se esteja atento, assim se queira - sê-lo pela positiva.

9. Que, embora forçado pela crua realidade a tratar de tanta desgraça, o jornal seja capaz de encontrar também coisas bonitas e positivas para nos contar - e que essas também sejam para ele, de facto, boas notícias. Há por aí gente a trabalhar muito bem, a desenvolver projectos interessantíssimos, a inovar, a remar contra a maré, a criar, a descobrir, a viver com alegria, generosidade e esperança - e com bons motivos para tal. Disso também se faz a nossa realidade, e nem por ser habitualmente mais silenciosa deve deixar de ser conhecida. Precisamos de a saber.

10. Enfim, e para não falar só num sentido, que os leitores do PÚBLICO aproveitem o novo ano para dizerem mais, e mais frequentemente, o que pensam do seu jornal. Que não se cansem de escrever, de telefonar, de criticar, de sugerir, de perguntar, de comentar, de discutir, de desabafar... Sobretudo, que não desistam de o querer melhor, sempre melhor. E de fazer, por isso, o que esteja ao seu alcance.

Bom ano!

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