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O Que Se diz e o Que Se insinua
Por JOAQUIM FIDALGO
Domingo, 24 de Dezembro de 2000

Que pode uma pessoa fazer - seja ela uma personalidade pública, seja um
normalíssimo cidadão - quando se sente maltratada por um jornal?

Há muito quem já não ligue, considerando que "não vale a pena" tentar
responder ou exigir rectificações, pois a última palavra continua a ficar
sempre "do lado de lá". E é pena. Embora se saiba que um desmentido
raramente tem o impacto da notícia que o motivou, o exercício da cidadania
também passa por não abdicarmos do usufruto dos nossos direitos. E se os
jornais nem sempre se mostram muito receptivos à crítica dos leitores ou às
(tantas vezes legítimas) razões de queixa de pessoas inadequadamente
citadas, há que os ir "ajudando" a tornarem-se mais receptivos... No limite, se necessário, com o apoio da própria lei.

Mas, antes de se aí chegar, o desejável é que os jornais tomem eles próprios a iniciativa de corrigir os erros em que admitam ter incorrido. No caso do PÚBLICO, há mesmo (e muito bem!) uma rubrica de publicação quase diária, que tem esse propósito. Além disso, o jornal até decidiu criar uma instância de recurso que está à disposição dos leitores e que pode e deve ser usada quando os mecanismos normais não foram suficientes ou não se revelaram adequados: esta mesma, a do provedor.

O presidente do Instituto Nacional da Administração (INA), Correia de
Campos, sentiu-se "ofendido na sua honra e dignidade" por um texto
publicado na edição de 15/12/00, sob o título "Mais uma fundação
Coelho-Patrão". Em seu entender, o conteúdo e a apresentação da referida
notícia (aqui se incluindo o título e a legenda de uma foto sua, rezando
"Correia de Campos, gestor 2 em 1") consubstanciariam uma "ofensa
gratuita, infundada, evitável e infelizmente irreparável" tanto a si próprio como ao INA, a que preside, como ainda à Fundação INA, igualmente sob sua responsabilidade - e que estava no âmago deste trabalho jornalístico.

Enumerando um conjunto de críticas, Correia de Campos diz ter, no próprio
dia da publicação da notícia, difundido "por uma agência noticiosa" uma
"informação repondo a verdade e cobrindo as omissões do PÚBLICO".
Esperou, entretanto, que o jornal voltasse ao assunto. Como tal não sucedeu
nos três dias subsequentes, decidiu escrever ao provedor.

A este não compete, como é sabido, promover a rectificação ou o
esclarecimento de matérias publicadas no jornal. Há, para isso, lugares
próprios e responsabilidades bem identificadas: as da Direcção Editorial. Ao
provedor compete, sim, avaliar da correcção de procedimentos -
profissionais, éticos, deontológicos - do jornal, seja no que diz respeito ao
trabalho dos jornalistas, seja no que se liga com as funções próprias da
Direcção na sua articulação com o público em geral. Conforme a avaliação
que faça, o provedor pode emitir um juízo, fazer uma recomendação, sugerir
um procedimento, mas nada mais. E pode, claro, dar conta disso a toda a
gente, neste espaço semanal.

Pelo que ficou dito, e relativamente a uma parte da queixa de Correia de
Campos, é difícil criticar os responsáveis do jornal por não terem em devido
tempo rectificado o que porventura houvesse a rectificar. O director do
PÚBLICO, José Manuel Fernandes, diz não ter tido qualquer contacto de
Correia de Campos para se proceder a um esclarecimento nas páginas do
jornal. Se o tivesse feito e o PÚBLICO tivesse entendido não lhe dar
oportunidade de se explicar, aí, sim, haveria lugar a um apelo à instância de
recurso que é o provedor. Mas, até prova em contrário, nada nos permite
dizer que os responsáveis editoriais não acolheriam a dita reclamação: fosse
em "O PÚBLICO errou" no caso de haver motivo para tal, fosse nas "Cartas ao Director", fosse em artigo de opinião no "Espaço Público", fosse até, se tal se justificasse, ao abrigo do legalmente regulamentado "Direito de Resposta".

Em vez de se dirigir directamente ao PÚBLICO, onde tinha sido publicada a
notícia em causa, Correia de Campos optou por difundir os seus
esclarecimentos e comentários através de um outro órgão de comunicação.
Não teria sido mais lógico dirigir-se logo a quem se pretendia responder?

Independentemente de a Direcção do jornal entender dar a palavra ao visado nos locais próprios, adiante-se um breve comentário sobre o conteúdo da queixa.

Há dois aspectos a ter em conta: o presidente do INA desmente um ou outro aspecto factual da notícia (embora admita que as declarações que lhe são atribuídas "correspondem, no fundamental, à conversa havida" com o
jornalista) mas, mais do que isso, diz que ela "insinua" ou "induz" os leitores a
tirarem conclusões erradas.

O trabalho insinuaria, por exemplo, uma "ilegítima acumulação de cargos e
remunerações para um grupo de amigos da mesma família política" (veja-se a legenda: "Correia de Campos, gestor 2 em 1"). E insinuaria também que a
Fundação INA seria, no essencial, semelhante à tão polémica FPS-Fundação para a Prevenção e Segurança (veja-se o título: "Mais uma fundação Coelho-Patrão").

O director José Manuel Fernandes concede que o título da notícia talvez não fosse "o mais apropriado", até porque, na sua apreciação, o "dossier" da Fundação INA parece "bem diferente do da FPS". Todavia, acrescenta que as próprias explicações de Correia de Campos no texto seriam "suficientes para fazer tal distinção". Será, de novo, um caso em que o título vai mais longe do que a real substância da notícia, fazendo uma interpretação dos factos que os factos suportam mal.

Pelo seu lado, o jornalista Rui Baptista diz que "em nenhum momento foi
[sua] intenção pôr em causa o bom nome de Correia de Campos, mas antes
publicar uma notícia sobre um instituto público que criou uma fundação de
direito privado". Sobre as acumulações de cargos, diz tê-las apenas apontado como factos conhecidos e não ter daí retirado qualquer ilação quanto a remunerações: "Ninguém contestou os vencimentos dos gestores que acumulam funções em organismos de Estado e em fundações de direito
privado, até porque sempre foi público que a acumulação de funções não era acompanhada por duplicação de vencimentos". Ainda assim, e porque
concorda que leitores menos avisados podiam tirar conclusões erróneas,
admite que talvez devesse ter escrito que a dita acumulação não implicava
remuneração suplementar.

Quanto a insinuações mais políticas, Rui Baptista não vê bem onde estejam.
Correia de Campos é identificado como socialista, mas tal parece
perfeitamente aceitável. A sua filiação no PS é apontada apenas uma vez no
corpo da notícia - e é referida também na "entrada" que, como sabem os
leitores habituados ao PÚBLICO, é um breve resumo do que a seguir se
conta. "Não há qualquer referência à filiação ou simpatias políticas de outros
membros do INA, citados na peça, que acumulam funções na fundação",
esclarece ainda Rui Baptista.

Em síntese, poderá dizer-se que, tirando um ou outro dado de pormenor (que merecia ter sido esclarecido), a notícia do PÚBLICO não parece
factualmente incorrecta ou ofensiva. Coisa um pouco diferente poderá
dizer-se de alguns elementos do trabalho jornalístico tal como surgiu aos
olhos dos leitores, designadamente do título - que sugere um óbvio
paralelismo com a "outra" fundação, a FPS - ou da legenda - que dá,
desnecessariamente e com um gosto duvidoso, azo a uma leitura menos
simpática sobre acumulações de cargos de gestão. Num caso e noutro, foi-se mais longe do que havia para relatar no texto.

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