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As Pressões do Tempo e do Espaço
Por JOAQUIM FIDALGO
Domingo, 3 de Dezembro de 2000

 

Boa parte dos leitores do PÚBLICO já terá, certamente, assistido a algum interessante congresso, ou colóquio, ou seminário, ou mesa-redonda, ou debate público, e, face à riqueza do que aí haja sido dito, terá lamentado, nos dias seguintes, que o "seu" jornal não tenha publicado nem uma linha sobre o acontecimento.

Do mesmo modo, muito leitor já terá estranhado, depois de assistir a um desses eventos públicos de exposição e troca de opiniões, que o "seu" jornal dele dê notícia tão rápida, tão sintética, tão incompleta - para não dizer, porventura, superficial. "Disse-se lá tanta coisa interessante, falou tanta gente, e o jornalista só cita estas duas ou três frases, só aborda uma ou duas intervenções?... E o resto?..."

Esta não é, longe disso, uma matéria fácil de gerir por parte dos jornais. Basta passar os olhos pelas suas agendas para ver que quase todos os dias há, em algum lugar, algum colóquio, algum seminário, algum debate, alguma conferência, mais de interesse geral ou mais especializado. Para os directamente envolvidos, é natural que o "seu" evento seja considerado sempre muito importante e merecedor de atenções por parte da comunicação social. Para quem tem a responsabilidade de escolher o que acompanhar noticiosamente e o que deixar de fora, o problema é mais melindroso.

A bem dizer, não é só um - são dois os problemas com que, nestas circunstâncias, se confrontam os responsáveis dos jornais. Primeiro: o que é que se "cobre" e o que é que se ignora? Segundo: tomada a decisão de "cobrir", como é que se faz o trabalho?

Deixemos de lado a primeira questão, que já neste espaço foi abordada, e debrucemo-nos sobre a segunda.

É frequente um jornalista ser destacado para a cobertura de um colóquio ou de um seminário e, chegado lá, ouvir uma intervenção, pegar nalgum texto escrito que para ele tenham preparado, recolher um breve depoimento de alguém ligado à organização, e ir-se embora. Muitas vezes não fica todo o tempo - muitas vezes fica até pouquíssimo tempo... -, e isso não sucede necessariamente por sua vontade: tem horas apertadas para aprontar a notícia, tem mais um serviço (ou dois...) a seguir, o chefe disse-lhe que não se demorasse. Claro que, nestes casos, não poderá dar a público um relato muito completo do que se expôs e se debateu, e pode mesmo suceder que falhe os melhores momentos da sessão.

Mas, mesmo que tenha a possibilidade de assistir a tudo sem a pressão do tempo, vai confrontar-se depois, à chegada à Redacção, com a pressão do espaço: para fazer um relato minimamente adequado de tudo o que de interessante se tenha debatido, precisaria de escrever, digamos, uns sete mil ou oito mil caracteres (em linguagem de computador, é assim que se conta o espaço no jornal), e dizem-lhe que não pode escrever mais que dois mil ou três mil. Não que o editor não reconheça a importância do assunto, mas... tem poucas páginas, há muitas outras notícias, é preciso ratear. Vai daí, o jornalista tenta "meter o Rossio na Betesga", dando um "cheirinho" disto e outro daquilo, deixando de fora esta e aquela intervenção, não abordando este e aquele comentário, citando quase telegraficamente o que julga essencial. E correndo o risco de ser incompleto, redutor, superficial. Além de que a capacidade de síntese é um instrumento bem difícil de manusear, como sabem todos (inclusive o provedor...) os que têm na escrita a sua profissão.

Podia isto não ser assim - ou ser um pouco menos assim? É provável. Talvez os jornais tenham de escolher ainda mais que manifestações públicas deste tipo acompanhar, limitando-se, quanto a boa parte delas, a noticiar simplesmente a sua realização - para que lá vá quem queira. Quando lhes atribuam maior importância, em face do seu presumível interesse para um leque alargado de leitores, então talvez devam assegurar melhor as condições da sua adequada cobertura jornalística, permitindo aos profissionais destacados para o efeito que as acompanhem de princípio a fim, que ouçam as exposições mas também os debates, que possam aprofundar os assuntos - e que tenham, depois, o espaço razoável para um relato tão completo e apelativo quanto possível.

Claro que isto é bem mais fácil de dizer do que de fazer no dia-a-dia, tantas são as solicitações e tantos os constrangimentos temporais, espaciais, humanos, económicos... Ainda assim, merece o esforço.

De tudo o que aqui fica dito, não surpreendeu que a leitora Leonor Figueira tenha vindo criticar o PÚBLICO pela cobertura que fez, há dias, de uma conferência dedicada às questões de higiene, segurança e saúde no trabalho, realizada em Lisboa (edição de 22/11).

Desde logo, lamentou o facto de o seu nome ter saído errado na notícia ("Ferreira" em vez de "Figueira"), no que tem toda a razão. E a autora da notícia, a jornalista Maria João Guimarães, é a primeira a penitenciar-se pelo lapso - que devia ter sido prontamente corrigido pelo jornal, e não foi.

Depois, criticou a jornalista por ter dado notícia das intervenções de "apenas dois dos oito oradores" e alegadamente omitido "o que de mais importante lá foi dito". Aqui já não terá razão: se a jornalista só referiu dois oradores, foi porque não teve espaço para falar dos outros ou porque não considerou tão relevantes, para a notícia, as suas exposições. A leitora tem todo o direito de considerar que foram ditas coisas mais importantes do que as escolhidas pela jornalista, mas esta tem também o direito (aliás, é a sua obrigação profissional) de valorizar diferentemente aquilo que escolhe para o seu texto.

Finalmente, Leonor Figueira queixa-se por ter visto incorrectamente citadas as suas próprias palavras. Maria João Guimarães não exclui que possa "ter existido um erro na exactidão das citações", mas diz-se convicta de que, em boa fé, reportou fielmente "o espírito da intervenção" em causa.

É bem possível que, quanto a este ponto, as duas partes tenham alguma dose de razão. Pode a leitora não ter visto as suas posições adequadamente traduzidas em duas ou três frases rápidas, retiradas de um contexto muito mais vasto e certamente mais rico de "nuances". Uma notícia de jornal, para mais pequena, arrisca-se sempre a ser tão redutora... E pode a jornalista, muito seriamente, achar que transmitiu o essencial do discurso tal como conseguiu captá-lo na altura - e tal como pôde relatá-lo no espaço limitado que lhe atribuíram.

Se o que está em causa não é (salvo quanto à questão do nome) a correcção de dados de facto mas de interpretações ou "nuances" de um discurso mais complexo, resta ao jornal, caso entenda, disponibilizar as suas páginas de colaboração exterior ("espaço público", "cartas ao director") para que a leitora possa apresentar melhor as suas ideias sobre a matéria em apreço.

Na passada quarta-feira, o PÚBLICO surgiu impresso em papel amarelo. E ninguém soube ou adivinhou porquê. Foi preciso esperar pelo dia seguinte. Independentemente de terem gostado ou não, vários leitores se questionaram sobre a inesperada transformação. Afinal, tratava-se de um contrato publicitário. Mas, como as consequências desse contrato não se restringiram ao espaço da publicidade, que é sempre assinalado como tal, antes extravasaram para a área editorial (de facto, para todo o seu "fundo", o que levanta algumas interrogações), devia ter sido dada uma explicação aos leitores. No próprio dia, claro.

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