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O Seu a Seu Dono
Por JOAQUIM FIDALGO
Domingo, 12 de Novembro de 2000

Estava o provedor a ultimar o seu texto da passada semana - no qual,
recorde-se, era questionada a "colagem", por motivos mais empresariais que
jornalísticos, de certos órgãos de comunicação social a certos candidatos às
eleições do Benfica - quando lhe caiu no correio electrónico uma interrogação, digamos, picante.

A maneira mais simples de a apresentar será transcrever, tal e qual, a dúvida
do leitor Paulo Araújo: "A primeira página do PÚBLICO de hoje
[sexta-feira, 3/11/00] deixou-me perplexo. Ou melhor, angustiado. A
manchete é a 'joint venture' entre Belmiro e Balsemão, e em letra pequenina o negócio de 53 milhões de contos PT/Lusomundo. Como a aliança
Belmiro/Balsemão vale 400 mil contos, embora abra perspectivas maiores, e
a compra da Lusomundo pela PT é, talvez, o maior negócio do ano em
Portugal, lembrei-me de imediato das eleições do Benfica: TVI com
Vilarinho, SIC com Vale e Azevedo. E aqui? PÚBLICO com Belmiro? Terá sido este o critério?".

Podia discorrer-se genericamente sobre o assunto (por vezes melindroso,
mas sempre pertinente) da independência dos jornais face aos poderes,
designadamente o poder económico - e, muito em particular, o poder
patronal dentro de uma empresa de comunicação social. São as
administrações que mandam no conteúdo dos jornais? Conseguem os
responsáveis editoriais preservar a sua autonomia e manter a independência
da publicação, mesmo face aos titulares do capital que assegura a
sobrevivência económica da empresa? Os "donos" das empresas de media
entendem esta necessidade de separação de poderes, em nome da
credibilidade dos órgãos de comunicação junto da opinião pública, ou vão
cedendo à tentação de os instrumentalizar em benefício de negócios próprios, de promoção, de imagem? E os jornalistas, eles mesmos, são capazes de tratar com distanciamento matérias porventura negativas para o seu patrão, ou, de modo mais ou menos consciente, sucumbem ao "zelo" de evitar esses caminhos, com receio de eventuais consequências?...

São matérias importantes, e que a progressiva incorporação de empresas
editoriais em grupos alheios a esse universo específico - algo que se passa em todo o mundo, Portugal incluído - torna ainda mais pertinentes. 
Mas, por muito desafiador que seja o tema assim equacionado, o que parece lógico, aqui e agora, é que nos atenhamos ao caso concreto apresentado pelo leitor. Vamos aos factos - e concluamos o que eles nos permitirem concluir.

Resumidamente, que questiona o leitor? Três pontos:

a) se o PÚBLICO deu ou não o merecido destaque ao mega-negócio que
permitiu à Portugal Telecom assumir o controlo integral do grupo Lusomundo;

b) se o PÚBLICO, em contrapartida, hipervalorizou um negócio
aparentemente menor, como foi o de uma "joint venture" específica entre os
grupos de Pinto Balsemão e de Belmiro de Azevedo;

c) se o PÚBLICO fez o que fez não tanto por critérios jornalísticos mas para pôr em relevo um negócio que envolve o seu patrão (o capital social do
PÚBLICO é detido pelo grupo Sonae,a que preside Belmiro de Azevedo).

Sobre o primeiro, convirá não esquecer que foi o PÚBLICO quem
"descobriu" o negócio PT/Lusomundo e o noticiou em exclusivo, logo na
quarta-feira, 1/11. A "cacha" foi considerada de tal modo importante que
acabou por nem esperar para o dia seguinte, embora tenha sido publicada na última página, e em apenas parte do PÙBLICO (a edição Porto), pois, à
hora tardia a que foi conhecida, já a edição Lisboa estava fechada e o jornal
a imprimir. O PÚBLICO On-line também difundiu a novidade.

Na quinta-feira, 2/11, foi o PÚBLICO quem voltou a puxar pelo assunto,
agora já na totalidade da edição, "fazendo uma chamada de primeira página e abrindo com este tema a sua secção de Economia", como explica o director, José Manuel Fernandes. Nesse dia, a generalidade da imprensa diária (entre ela os próprios títulos do universo Lusomundo) nem se referiu ao negócio em perspectiva.

Na sexta-feira, 3/11, quando foi oficialmente conhecido o desfecho da
transacção, todos os jornais falaram dela com destaque e o PÚBLICO
também: voltou a abrir a secção de Economia com essa matéria, tendo-lhe
feito nova referência na capa. "Mas não fez manchete...", dir-se-á. Responde o director: "Não era lógico, em termos jornalísticos, fazer manchete com um tema que o próprio PÚBLICO tinha noticiado em primeira mão e que desenvolvera nas vésperas. A notícia em si já não era nova, pois já a tínhamos dado no essencial, faltando apenas falar dos contornos finais e do valor envolvido. Fizemo-lo com um destaque que me parece adequado".

A questão da manchete de sexta-feira, 3/11 ("Belmiro e Balsemão consumam aliança") remete-nos para o segundo ponto sugerido pelo leitor: o PÚBLICO hipervalorizou um negócio menor?

José Manuel Fernandes sublinha, a este propósito, que "para efeitos
jornalísticos, os negócios nem sempre se medem só pelos milhares ou milhões de contos envolvidos". A anunciada parceria entre Belmiro de Azevedo e Pinto Balsemão, além de ser para o PÚBLICO "uma novidade absoluta desse dia" (coisa que não sucedia com a venda da Lusomundo á PT), era uma notícia "com um impacto que está muito para além dos 400 mil contos do negócio", defende o director do PÚBLICO, justificando: "Esta
aproximação representa uma mudança de estratégia de dois grupos
empresariais fundamentais em Portugal e poderá ter fortes repercussões no
futuro. Foi por isso que a considerámos importante e a colocámos em
manchete, e não por estarem envolvidos Belmiro de Azevedo e o grupo
Sonae".

O que nos remete, então, para o terceiro ponto.

A avaliação da importância relativa de uma notícia é subjectiva. Quase todos os dias, os principais jornais escolhem temas diferentes para as suas primeiras páginas, com os leitores a identificarem-se mais ora com estas, ora com aquelas. A escolha depende das particularidades do jornal, do modo como ele julga tocar melhor os seus leitores, da sensibilidade de quem conduz a edição, até da maior ou menor "oferta" de notícias no dia...

Veja-se: na mesma sexta-feira em que o PÚBLICO entendeu puxar para
manchete o negócio Belmiro/Balsemão (pelas razões atrás avançadas pelo
seu director, e que podem não merecer a concordância de todos mas são,
jornalisticamente, bastante defensáveis), o "Diário de Notícias" entendeu
remeter o assunto para uma notícia de meia dúzia de linhas, numa página
interior. Fê-lo por ser um jornal ligado ao grupo Lusomundo e por não querer dar importância a uma novidade que punha em realce a "concorrência"? Haverá quem pense que sim, mas não é forçoso. Os seus responsáveis editoriais podem, muito legitimamente, ter decidido que a notícia daquela parceria entre os grupos Impresa e Sonae, formalmente consubstanciada apenas numa "joint venture" para iniciativas "on-line", não tinha relevância jornalística para mais do que uma referência breve. E foi o que fizeram.

O facto de PÚBLICO e Diário de Notícias terem, a propósito de uma
mesma notícia, feito uma avaliação substancialmente diferente da sua
importância - e, em consequência, optado por lhe dar uma visibilidade
diversa -, é algo que acontece com frequência. A circunstância de, neste
episódio, estarem envolvidos os patrões das respectivas empresas não nos
autoriza, por si só, a especular sobre as reais motivações dos responsáveis
editoriais. Se há argumentos claramente jornalísticos justificando as opções
tomadas, são esses que devemos discutir. Concordando mais ou
concordando menos, claro. A diversidade é boa.

Em conclusão, entende o provedor que o PÚBLICO não merece especiais
críticas neste caso. Dificilmente pode ser acusado de ter dado pouca
importância ao negócio PT/Lusomundo, quando foi ele próprio quem o
descobriu e desenvolveu em edições sucessivas, mais do que qualquer outro
jornal. Tão-pouco pode ser acusado de ter valorizado artificialmente um
acordo empresarial entre Pinto Balsemão e Belmiro de Azevedo, quando é
sabido que as relações entre os dois proeminentes empresários passaram por anos de grande frieza mas, nos últimos tempos, se vinham avolumando os rumores (enfim confirmados) de uma aproximação. E reduzir esta
aproximação a um mero negócio de 400 mil contos talvez seja pouco
perspicaz.

Não se pretende, com isto, dizer que o PÚBLICO é uma publicação "sem
pecado" no que respeita ao modo como noticia (ou não noticia...) as matérias envolvendo os negócios do seu patrão ou das empresas Sonae. Não se pretende afirmar que, nesta matéria, o PÚBLICO não tem "telhados de vidro". Nem que os tem. Sustenta-se apenas que, no caso concreto aqui
apreciado, não parece ter havido distorção de critérios jornalísticos ou
actuação dependente de lógicas empresariais estranhas à esfera editorial. Só
isto. Havendo outros casos, apresentem-se e discutam-se. Ficar pelas
suspeitas genéricas ou pelos processos de intenção, isso é que parece pouco útil.

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