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Opiniões, Réplicas e Tréplicas
Por JOAQUIM FIDALGO
Domingo, 22 de Outubro de 2000

Alguns leitores interrogar-se-ão, por vezes, sobre o destino das queixas ou
críticas que dirigem ao provedor e de que não recebem resposta imediata
nesta coluna. Talvez convenha dar alguns esclarecimentos, até para que eles
não desistam de intervir nem de contribuir para a melhoria do jornal que
consideram seu.

Mesmo que as cartas dos leitores não sejam tantas que deixem o provedor
afogado em solicitações e sem saber para onde se virar, quase todas as
semanas há mais do que um assunto a apreciar. E como se pretende ir além
de respostas telegráficas, aproveitando os ensejos para falar de questões
globais que possam tornar mais transparentes os processos jornalísticos, além de dar voz a todos os intervenientes, acaba por se focar a atenção num
assunto de cada vez. O que significa que outros acabam por ter de transitar
para as semanas seguintes - o que não significa esquecê-los. A escolha é,
obviamente, subjectiva, mas procura respeitar alguns critérios, a começar
pelos de actualidade e de potencial interesse para o maior número possível de leitores.

Por vezes, as mensagens dirigidas ao provedor têm menos a ver com
reclamações e mais com sugestões para o jornal: que trate deste tema, que
não esqueça aquele, que reveja algumas rubricas com mais atenção, que
publique certas "cartas ao director". Nestas situações, em que não há
propriamente matéria de controvérsia ou de reflexão neste espaço semanal, o provedor encaminha as sugestões para as áreas competentes. Quer isto dizer que, em nenhum caso, as intervenções dos leitores "caem em saco roto". Se elas têm o efeito pretendido, é outra questão: umas serão consideradas, outras nem tanto, como é natural para quem (como é o caso dos responsáveis editoriais) diariamente tem de decidir entre muita coisa que vai meter no jornal e muita mais que vai deixar de fora. Mas que as sugestões, críticas, reclamações, dos leitores são de facto recebidas, lidas e analisadas, disso podem todos estar certos.

Ao ter de adiar a resposta pública a esta ou àquela solicitação, o provedor
corre o risco de ser mal interpretado, como aconteceu com o leitor José
Costa, que, vendo tardar o comentário a uma crítica que fez ao jornal,
acusou, via fax: "Quiçá pelo silêncio cúmplice, nada disse...". Que até agora
nada disse, é verdade - mas vai dizer. Que isso se leve à conta de "silêncio
cúmplice", aí já não: é expediente que, por estas bandas, não se conhece nem se usa. Com desculpas pela demora, tentemos então pôr alguma escrita em dia.

José Costa não achou bem que a jornalista Ana Gomes Ferreira, em texto de características noticiosas (e não em coluna de opinião), tenha aludido a Fidel Castro como "o presidente de um dos países mais miseráveis do Mundo". Considerando a afirmação "inqualificável e ininteligível", pergunta-se "a que miséria" se refere a autora e questiona se este tipo de escrita se enquadra nas regras de estilo do PÚBLICO.

Ana Gomes Ferreira reconhece que, em bom rigor, aquela afirmação "deveria ter sido sustentada com dados, como por exemplo a classificação do país na tabela das nações mais pobres do planeta ou indicadores sobre rendimentos individuais". Admite até que poderia ter formulado a frase de outro modo (por exemplo, "Fidel Castro é o presidente de um dos países mais pobres do Mundo"), dada a conotação particular da palavra "miserável". Lembra, entretanto, que a expressão também deve ser lida no contexto em que foi usada: tratava-se da Cimeira do Milénio, na qual os discursos dos diversos líderes foram repartidos por dois dias, um juntando os países mais ricos e outro os mais pobres. Ora Castro foi excepção, tendo falado na sessão dos países ricos, quando o seu país tem consabidamente indicadores que o aproximam mais dos pobres. "A frase pretendeu acentuar essa excepção", conclui a jornalista.

A contextualização do escrito ajuda a entender o caso. Sem prejuízo disso,
todos concordaremos que tudo ficaria mais claro se a afirmação em causa
fosse sustentada em dados mais objectivos, como o Produto Interno Bruto
(PIB) do país ou alguma das tabelas mundiais que medem índices de riqueza
ou desenvolvimento. Embora o estilo noticioso do PÚBLICO tenha
preocupações de enquadramento e interpretação dos factos que vão além do relato nu e cru, as palavras têm o seu peso e a sua ambiguidade. "Miserável" é uma delas.

Especificamente em terrenos de opinião e já não de notícias, Francisco Louçã queixa-se por não lhe ter sido concedido um adequado "direito de resposta" numa polémica em que se confrontou com o director do PÚBLICO, a propósito da ETA e do terrorismo no País Basco. Depois de ter visto publicado um primeiro texto seu sobre esta matéria, quis responder a um novo escrito de José Manuel Fernandes, mas a réplica acabou por sair "como 'carta ao director' três dias depois", ou seja, em condições que contribuíram para a sua "invisibilidade", como diz.

Se, de um ponto de vista formal, Francisco Louçã pode ter alguma razão -
teria sido mais simpático publicar o seu texto no espaço onde surgira o
anterior, subsistindo o problema de saber se não continuaríamos
indefinidamente por ali adiante, com novas réplicas e tréplicas... -, já não o
será tanto de um ponto de vista substancial. O que realmente interessa, na
perspectiva dos leitores, é saber se eles tiveram acesso adequado às
argumentações de um lado e de outro, a propósito do tema ETA. E, aí,
arriscaríamos dizer que o dirigente do Bloco de Esquerda pôde explanar os
seus pontos de vista, em mais que uma ocasião, nas páginas do PÚBLICO -
como pôde o director José Manuel Fernandes, decerto com outras
condições e outra largueza. Além disso, todos sabemos que o espaço das
"cartas ao director" é, na prática, um espaço privilegiado de difusão de
opiniões exteriores ao jornal (como várias ali foram surgindo por esses dias,
alargando o debate a novas vozes), mais visível e mais lido do que se julga -
embora com alguma fama (injusta) de espaço menos "nobre".

Um aspecto é incontornável: embora Francisco Louçã invoque, nesta
reclamação, a sua qualidade de leitor do PÚBLICO, ele é também dirigente
de uma formação partidária e um protagonista regular da cena política. Isso
não lhe diminui os direitos de cidadania mas dá-lhe uma posição específica no debate político que se cruza com os "media". Diz, a este propósito, José
Manuel Fernandes: "Nós não temos obrigação de abrir as páginas a
polémicas ideológicas com figuras públicas. Se eu escrevo um editorial a
criticar António Guterres ou Durão Barroso, não sinto que tenha obrigação
de publicar um texto de resposta. Posso, sim, entender que tal é do interesse
dos leitores, e foi por isso que os textos de Francisco Louçã foram sempre
publicados. E alguns nas cartas, como já sucedeu a vários ministros ou líderes de outros partidos".

Em matérias de opinião sobre a actualidade política - e salvaguardada a
exigência elementar de réplica a ofensas, a mentiras ou à clara deturpação
das palavras de outrem -, talvez não vamos muito longe pelo caminho formal
do "direito de resposta". O que os leitores do PÚBLICO esperarão, decerto, é que o jornal lhes ofereça, em cada momento, o maior leque possível de opiniões sérias e fundamentadas, para que eles possam pensar também e escolher a sua. Ora, salvo melhor entendimento, isso foi conseguido na polémica sobre a ETA - pela via diversificada dos editoriais, dos artigos e das cartas.

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