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Depressa e Bem, há Pouco Quem...
Por JOAQUIM FIDALGO
Domingo, 15 de Outubro de 2000

Desta vez, toda a gente está de acordo, desde o director do jornal aos leitores, passando pelos jornalistas e pelo editor: o PÚBLICO errou ao escrever em manchete na sua edição do passado domingo, a toda a largura da primeira página, "Cheque assinado por Portas pagou solar da Moderna". E o provedor associa-se à crítica, algo pesaroso (mas também paciente e persistente...) por ter de voltar à sensível questão dos títulos.

Os vários protestos dos leitores são concordantes na argumentação, como se verá adiante por alguns exemplos: titular daquele modo a notícia sobre a Universidade Moderna leva-nos ao engano, fazendo supor que há no texto dados informativos bem diversos dos realmente apresentados.

Considerando "grave" este modo de "titulação tablóide" — com o que ela comummente significa de abordagem sensacionalista —, o leitor Rogério Santos chama a atenção para dois pontos específicos: "O grande alvo de toda a notícia é o sr. José Braga Gonçalves (que aparece no antetítulo), mas o título da manchete escolhe o político sr. Portas. (...) O tempo do verbo é conclusivo ('pagou'), sem espaço para partilha de responsabilidades (que poderia ser 'ajudou a pagar')".

Já o leitor A. Queirós, que esclarece não ser apoiante do PP, diz-se "admirado" com o referido título, salientando que o tal cheque da empresa Amostra assinado por Paulo Portas era de ínfimo valor face ao total do dinheiro pago pelo solar — e nem se sabe se foi ou não passado directamente com esse intuito.

Estas mesmas incongruências são apontadas pelo leitor António Carvalho, que deixa bem vincada a sua indignação: "Este título induz o leitor numa mentira e é claramente venenoso". Salientando que está tudo bem explicado no texto mas o título não o espelha minimamente, desabafa: "Eu, como leitor assíduo do PÚBLICO, senti revolta por ser tão insultado por essa tentativa de me levar a pensar outra coisa diferente da verdade".

Enquanto subscritores da notícia em causa, os jornalistas Isabel Braga e Eduardo Dâmaso (este também editor da secção de Política) não são responsáveis pelos títulos de primeira página, que no PÚBLICO caem, por princípio, na alçada da Direcção Mas eles próprios admitem que a referida manchete, tal como se apresentou, "é enganosa". E esclarecem, a propósito do modo como o nome de Paulo Portas ali aparece envolvido: "Se tivéssemos optado por valorizar essa informação no contexto do trabalho, é certo que teríamos escrito a notícia de forma diferente".

O próprio director do jornal, José Manuel Fernandes, não tem pejo em dar razão aos protestos dos leitores e em fazer uma categórica auto-crítica: "A manchete é obviamente disparatada. Induz em erro, pois cria a ilusão de que um pormenor é o centro da acção e dá-lhe um destaque desproporcionado à sua importância". De resto, salienta, tal título "foi objecto de crítica severa na reunião de edição do dia seguinte".

E pouco mais há a dizer...

Podem perguntar-se os leitores por que artes é que, estando toda a gente de acordo quanto ao erro, o jornal saiu para a rua com aquela primeira página. Adivinha-se: precipitação na hora do fecho, incorrecta avaliação do caso, cedência à tentação de envolver uma figura política num assunto de que ela tem tentado demarcar-se, vontade de encontrar um título curto e apelativo... Acontece. Não se trata de encontrar desculpas, até porque ninguém se furtou à culpa, o que exclui propósitos de má fé. Trata-se apenas de ver, mais uma vez, como o jornalismo é profissão de risco, exigente, difícil, e que se compadece mal com precipitações, incorrectas avaliações ou tentações de caminho fácil. É de uma enorme responsabilidade, pelas decisões a que constantemente (e quantas vezes contra o relógio...) obriga.

Mas o assunto da Universidade Moderna levanta outras dúvidas. O caso, como se sabe, vai ainda a meio do seu percurso judicial. Terminada a fase de inquérito, o Ministério Público encontrou matéria bastante para produzir uma acusação relativamente a uma série de pessoas mas só a fase de instrução, presentemente em curso, levará (ou não) a uma acusação definitiva. E só depois há o julgamento em tribunal, que concluirá por condenações ou absolvições.

Foi nesta fase que o PÚBLICO entendeu apresentar, ao longo de três dias, um desenvolvido trabalho em que, como disse, procurou "reconstituir a acusação". Admite-se que o terá feito por estar seguro das matérias que noticiou e por se escudar em fontes credíveis, embora nunca nomeadas. Mas informou só sobre um lado do processo — a acusação. E então a defesa? O facto de haver uma acusação formal do Ministério Público, decerto muito ponderada e fundamentada em provas mas em em qualquer caso provisória, desobriga o jornal de observar o "princípio do contraditório" — essa que o Livro de Estilo diz ser "regra de ouro" do PÚBLICO?

Um dos supostos implicados neste caso, o ex-assessor ministerial Pedro Garcia Rosado, queixou-se, aliás, ao provedor: "O PÚBLICO tem o direito de ouvir quem quer e de dar á estampa o que quer mas teria sido, no mínimo, correcto que perguntasse a quem é acusado".

Isabel Braga e Eduardo Dâmaso explicam-se: "A metodologia que seguimos, atendendo à elevada repercussão política e social deste caso, foi avançar primeiro para a acusação, desenvolvimento mais recente da história e que, dada a forma superficial como foi abordada após a fiinalização do inquérito, carecia de uma leitura mais global dos factos. Só depois de nós próprios entendermos melhor a acusação avançaríamos para a abordagem do caso do ponto de vista das diversas defesas dos diversos arguidos. Ao longo dos 20 dias que os advogados têm para requerer a abertura da instrução, desenvolvemos contactos com alguns deles para, dentro de dias, podermos estar em condições de fazer um trabalho centrado essencialmente na contestação que seguramente irão fazer. Optámos, afinal, por fazer o princípio do contraditório em momentos de publicação separados no tempo, dada a complexidade do caso e todas as reacções que gerou na vida pública".

A explicação tem alguma razoabilidade, mas com reservas. É óbvio que, por uma questão de princípio, todos preferíamos ver as teses da defesa divulgadas em simultâneo com as da acusação. Reconhecem-se, contudo, dificuldades de ordem prática: não só a extensão e complexidade do processo, mais a quantidade de arguidos, mas também, presume-se, a vontade de antecipação sobre as concorrências. Já sabemos que, a partir do momento em que, num processo deste tipo, é formalizada (e documentada) uma acusação, todos os jornais tentam o "furo" em primeira mão. Esperar muitos dias, como seria forçoso ao ouvir-se toda a defesa, significava perder o exclusivo. Ainda assim, convém não esquecer, parafraseando Gabriel Garcia Marquez, que a melhor notícia não é necessariamente a que se dá primeiro; é a que se dá melhor. Ganha-se à concorrência pela velocidade, mas ganha-se também, e sobretudo, pela qualidade.

Num ponto as coisas poderiam ter corrido melhor. Mesmo aceitando a necessidade prática de dar voz às duas partes em momentos diferentes, isso devia ter sido desde logo comunicado aos leitores. Se, ao anunciar o trabalho de "reconstituição da acusação", fosse dito que se estava também a preparar para breve a segunda metade — a da defesa —, desvaneciam-se dúvidas. E algumas compreensíveis razões de queixa.

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