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Duas Edições mas Um Só Jornal
Por JOAQUIM FIDALGO
Domingo, 1 de Outubro de 2000

Uma das mais interessantes particularidades do PÚBLICO é, provavelmente, pouco conhecida dos seus leitores, mesmo dos que lhe são fiéis desde a primeira hora. Trata-se da diferenciação de edições, expressão que, traduzida em miúdos, significa isto: diariamente, o PÚBLICO põe na rua dois jornais algo diferentes, um distribuído só na metade Norte do país (edição Porto), outro só na metade Sul (edição Lisboa). E é por isso que muitos leitores não conhecerão esta singularidade: salvo excepções pontuais,
ninguém compra dois "PÚBLICOS" no mesmo dia, ficando-se cada um pela
edição correspondente ao sítio onde vive. E sem ver, portanto, o jornal que
nesse mesmo dia está à venda na outra parte do país.

Uma distinção salta à vista e muito leitor a terá certamente adivinhado,
mesmo sem contactar com "a outra" edição do PÚBLICO: os cadernos
dedicados à informação local e regional, e onde se inclui também a área de
serviços úteis (cinemas, teatros, farmácias, etc.), são obviamente autónomos, fazendo incidir as suas atenções essencialmente numa zona geográfica - Norte ou Sul, conforme os casos.

Mas não é só aqui que as edições se diferenciam. O próprio caderno
principal do PÚBLICO se adapta, por vezes, a algumas especificidades
regionais, disso sendo exemplo mais claro a sua primeira página. Ora, sabiam os leitores que a primeira página do PÚBLICO é frequentemente diversa, conforme se trate da edição Lisboa ou da edição Porto?

Nem de propósito, a última semana ofereceu-nos dois exemplos bem
"visíveis" desta orientação editorial. Na quinta-feira, 28/9, a manchete do
jornal era idêntica (como quase sempre sucede, mesmo quando as edições
diferem), mas o segundo título em destaque, mais a fotografia que o
acompanhava, não coincidiam: o PÚBLICO que se distribuiu no Norte
chamava fortemente a atenção para uma manifestação de protesto em
Chaves, enquanto o PÚBLICO posto à venda no Sul colocava, nesse espaço e com esse relevo, a derrota do Sporting em Moscovo (ver imagens ao lado).

Vendo o interior do jornal desse dia, constataríamos que o trabalho relativo
ao jogo do Sporting - publicado na secção de Desporto - era igual nas duas
edições, pois se entendeu, naturalmente, que o tema era nacional e
interessava tanto às gentes do Norte como do Sul. A única diferença esteve
na "montra" do jornal, na chamada de atenção, que foi mais forte na edição
Lisboa porque, nesse mesmo dia, a edição Porto entendeu dar grande relevo a um assunto forte de carácter regional, e que era desenvolvidamente tratado no seu caderno Local (e já não, como se imaginará, no Local da edição Lisboa).

Logo no dia seguinte, sexta-feira 29/9, uma situação semelhante: o título
principal de primeira página era o mesmo em ambas as edições (a questão da Universidade Moderna), mas o PÚBLICO/Porto destacou também na sua capa, com fotografia, a vitória do FC Porto na Taça UEFA, enquanto o
PÚBLICO/Lisboa optou por dar o segundo realce da sua "montra", com
respectiva foto, à agitação pós-eleitoral na Jugoslávia.

Olhadas num rápido relance, as duas primeiras páginas desse dia, como já da véspera, eram, se assim se pode dizer, "iguais e diferentes". Afinal, a
concretização do tal princípio de diferenciação adoptado pelo PÚBLICO
logo nos seus primórdios e sintetizado na expressão "um jornal - duas
edições". Sim, que uma coisa é pôr na rua, diariamente, duas edições do
mesmo jornal, outra é pôr na rua dois jornais distintos.

A opção pelo modelo da diferenciação - que foi grande novidade em
Portugal no início da década de 90 e hoje é seguido em mais alguns jornais
(como o Jornal de Notícias), embora rejeitado noutros (como o Diário de
Notícias) - procura, de certo modo, a unidade na diversidade.
Tradicionalmente, a imprensa diária portuguesa sempre foi muito
regionalizada, repartida por jornais "de Lisboa", que pouco ou nada se viam
pelo Norte, e por jornais "do Porto", que pouco ou nada chegavam ao Sul.
Por causa disso, e simultaneamente em consequência disso, a informação
local sempre teve razoável expressão nos títulos de uma e outra banda, com
tradução até na primeira página - circunstância que favorecia a imagem
"regional" dos periódicos ditos nacionais, pois muita da informação local do
Porto interessava pouco a Lisboa, e vice-versa.

O desafio colocado ao PÚBLICO foi, assim, o de tentar construir um jornal
verdadeiramente nacional (tanto pelas temáticas escolhidas como pela
ambição de ser lido a Norte e a Sul) mas, ao mesmo tempo, capaz de dar a
cada uma das duas "metades" do país a informação local e regional a que
estavam habituadas, e de que não quereriam prescindir. Assim se chegou a
um caderno Local autonomizado nas duas edições. Mas, mais do que isso,
entendeu-se que tal diferenciação deveria ser em alguma medida visível na
primeira página, até para que o PÚBLICO editado no Porto pudesse
concorrer com os chamados jornais "do Porto" e, complementarmente, o
PÚBLICO editado em Lisboa se batesse com os chamados jornais "de
Lisboa". E tudo isso ("duas edições") sem alienar uma vasta matriz comum na abordagem da actualidade nacional e internacional ("um jornal"). Mesmo com uma "montra" diferente, destinada a ir ao encontro de expectativas específicas dos leitores, o grosso do trabalho informativo é igual, excepção feita para as temáticas locais.

Este é um modelo que tem as suas vantagens e as suas desvantagens. Jornais houve que já o adoptaram e depois abandonaram, jornais houve que nunca tinham encarado esta fórmula e, depois de a experimentarem, ficaram
clientes. Em todo o caso, e não entrando no argumentário pró ou contra (ou
sequer nas aplicações "más" de um modelo "bom", como por vezes se discute no PÚBLICO...), uma coisa parece certa: este é um caminho mais complexo do que o de fazer apenas um jornal igual para todo o país e, portanto, requer não só os meios adequados como uma grande sintonia entre os responsáveis das duas redacções do jornal - Lisboa e Porto. Havendo falhas na comunicação, tudo pode acabar em "dois jornais" e não em "duas edições" de um mesmo jornal.

Foi, de algum modo, o que aconteceu no passado dia 12/9, quando, a
propósito de um mesmo assunto nacional - a remodelação do Governo -, o
PÚBLICO/Porto e o PÚBLICO/Lisboa davam informações diferentes na
primeira página. Concretamente, o primeiro punha a ministra Elisa Ferreira a
substituir Pina Moura na pasta da Economia, enquanto o segundo afiançava
que seria um independente a ocupar aquele ministério. No interior, o texto era igual em ambas as edições e nada dizia sobre a hipótese Elisa Ferreira.

O subdirector David Pontes, que trabalha no Porto, explica o sucedido com
base na vontade do PÚBLICO de dar "até à última hora" a informação "o
mais completa possível" sobre a remodelação governamental. Face a
informações já tardias recolhidas pelos jornalistas, mudou-se a primeira
página para a fórmula que haveria de sair na edição Porto. E a página foi
enviada (por meios electrónicos) para a redacção nortenha, onde algumas
outras adaptações de âmbito local precisavam de ser feitas. Mas novas
informações recolhidas em Lisboa fizeram com que, ali, se decidisse mexer
mais uma vez na primeira página - e no correspondente texto interior. Só que a informação dessa alteração acabou por não chegar ao Porto, onde já se processava tecnicamente a primeira página (que, por ser a cores, requer
sempre algum tempo mais) para não atrasar a impressão do jornal.

"Dias extraordinários dão problemas destes", conclui David Pontes, assumindo que houve uma falha de comunicação entre responsáveis editoriais e, simultaneamente, uma falha nas rotinas técnicas de verificação das páginas antes de serem enviadas para a impressão (que, recorde-se, é também feita diferenciadamente em Lisboa e no Porto).

Compreende-se a falha, sobretudo num dia em que se correu contra o relógio para tentar dar as últimas novidades da remodelação. É um risco deste modelo (um modelo que os leitores ficaram agora, espera-se, a conhecer melhor) mas que, salvo melhor opinião, nem de longe põe em causa as suas inúmeras virtualidades.

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