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Informar Ou Insinuar?
Por JOAQUIM FIDALGO
Domingo, 24 de Setembro de 2000

Afirmava o PÚBLICO há dias (16/9), num desenvolvido trabalho a propósito da venda de um quartel de Lisboa à cooperativa de ensino Universitas, que o "Estado perdoou juros ao Opus Dei". Nas páginas interiores, em antetítulo, especificava que o alegado tratamento de favor beneficiara uma "cooperativa do Opus Dei". Mais adiante, já no corpo do texto, introduzia nova cambiante  para dizer que esta situação envolvia "uma cooperativa de ensino superior ligada ao Opus Dei". E era tudo, no que toca a referências a esta prelatura da Igreja Católica.

Em que ficamos? O alegado "perdão fiscal" favoreceu a instituição Opus
Dei?... Ou uma escola de sua propriedade - mas, em si, entidade
autónoma?... Ou uma escola nem sequer dependente formalmente da
prelatura, embora a ela de algum modo "ligada"?... Convenhamos que são
situações diversas, com diversa ressonância pública.

Esta ambiguidade causou estranheza ao leitor Vítor Costa Lima, do Porto,
que, em carta ao provedor, argumentou de modo claro: "Chamou-me a
atenção a expressão 'ligada ao Opus Dei'. Tal expressão é habitual em
notícias de vário tipo mas sempre me pareceu uma forma equívoca, que não
informa. (...) Dizer que A está ligado a B não informa nada e insinua tudo.
Seria necessário indicar o tipo de ligação existente para que a expressão
tivesse conteúdo informativo".

Já pouco satisfeito com esta formulação, o leitor considera ainda "mais grave" a síntese escolhida para título de primeira página ("Estado perdoou juros ao Opus Dei"), comentando: "Aqui estamos já noutro campo, o campo de afirmação sem fundamento real. O Opus Dei é uma instituição da Igreja
Católica, reconhecida pelo Estado português, à luz da Concordata. A Universitas é uma cooperativa de ensino, aparentemente aprovada pelo Ministério da Educação. A notícia não estabelece nenhuma relação entre as
duas instituições, a não ser a ambígua expressão 'ligada' que, como vimos, não diz nada. Portanto, é completamente abusivo transformar qualquer diferendo entre a Universitas e o Estado português num diferendo entre o Opus Dei e o Estado português."

O jornalista José António Cerejo, autor do trabalho em questão, é o primeiro a dar razão a estas críticas: "Reconheço o erro. Ao leitor era devida mais alguma coisa do que a minha palavra profissional. Embora seja para mim evidente que, se eu escrevo que a Universitas é 'uma cooperativa de ensino superior ligada ao Opus Dei', é porque tenho essa informação como certa, reconheço que os leitores têm o direito de saber o que me leva a dizê-lo".

Dois aspectos refere o jornalista para explicar, que não desculpar, a sua opção de não desenvolver o tema das "ligações": por um lado, o facto de a pertença ao Opus Dei não ter, junto da opinião pública, uma conotação "reprovável ou criticável" e, portanto, não parecer ofensivo referir alguém
como estando "ligado" à prelatura; por outro lado, a circunstância de o
semanário "Expresso" ter, há meses, "abordado desenvolvidamente as
ligações entre a Universitas e o Opus Dei", com base no pressuposto de que
diversos sócios da cooperativa seriam conhecidos membros da "Obra".
Sobre este segundo ponto, todavia, é o próprio José António Cerejo a
admitir que "não basta o "Expresso" escrever duas vezes sobre o assunto
para que ele passe a ser do conhecimento dos leitores do PÚBLICO".

Finalmente, Cerejo admite também que a formulação demasiado redutora do título de primeira página "corresponde a um género de simplificação habitual na imprensa diária, embora eventualmente perversa", que leva a que se tome o todo pela parte e se transforme uma cooperativa "ligada ao Opus Dei" no próprio Opus Dei.

Acresce que, em esclarecimento entretanto enviado à Direcção do
PÚBLICO e de que o provedor recebeu cópia, o próprio Gabinete de
Informação do Opus Dei nega qualquer tipo de ligação com a Universitas, o
que tornaria ainda mais imperiosa a necessidade de justificar as afirmações
feitas no artigo.

Não parece haver muito mais a dizer sobre o caso, tão clara e incontornável
é a argumentação do nosso leitor - que, obviamente, tem razão -, como tão
frontal é a assunção das culpas por parte do jornalista. Há, ainda assim, três
pontos sobre que podemos reflectir:

1) Todo o artigo em análise gira à volta do Governo português (por via de
diversos ministérios) e da cooperativa de ensino Universitas. Há uma
referência inicial à tal suposta "ligação" ao Opus Dei, mas depois nunca mais
se fala da "Obra". Ou seja, ela não parece minimamente relevante para a
substância da notícia. Mas é evidente que, ao referi-la (na primeira página...), o jornal dá uma maior projecção pública e até algum "picante" lateral ao trabalho - coisa que, depois, não cuida de justificar. Se se achava
jornalisticamente útil ou interessante citar o Opus Dei neste caso, é óbvio que a citação teria de ser respaldada no texto. Assim, aparece como uma
referência gratuita, que cria expectativas mas logo as defrauda. Invoca-se o
nome do Opus Dei em vão;

2) Os jornalistas, por força do seu ofício, lêem muitos jornais, pois precisam
de estar ao corrente do que vai sendo noticiado. Mas esquecem-se, por
vezes, de que a generalidade dos leitores só lê regularmente um jornal ou,
quando muito, um diário e um semanário. Significa isto que os jornalistas
sabem de muitas notícias, lidas nas mais diversas publicações, que os leitores do "seu" jornal não conhecem. Portanto, ao escreverem, não podem partir do princípio de que são do domínio público matérias que, em boa verdade, só circularam no restrito meio profissional ou pouco mais. Além disso, o facto de determinado assunto ter sido tratado por um jornal não o transforma automaticamente em verdade inquestionável. Como bem sabemos, os jornais, mesmo os mais credíveis, enganam-se e cometem erros. Utilizá-los como fonte de informação implica, assim, ter cuidados semelhantes àqueles com que se trata qualquer informação recolhida através de fontes: identificar a origem, confirmar os dados, contrastar os elementos recolhidos junto de outras entidades. E o que se diz de jornais diz-se, naturalmente, de rádios ou televisões;

3) O caso aqui apreciado tem um lado bastante perverso: estamos todos a
discutir (e compreensivelmente, pelo que se viu atrás) a questão do Opus
Dei, mais das suas hipotéticas ligações à Universitas, e quase nos
esquecemos do fundo do trabalho jornalístico, que é um suposto "perdão de
juros" a uma escola por parte do Estado. O próprio autor, José António
Cerejo, o diz: "Observo que esta polémica é lateral ao essencial da notícia e
que nem os ministérios da Defesa e das Finanças, nem a Universitas,
puseram, até agora, em causa o que escrevi". Tem o jornalista toda a razão
na sua observação. Mas concordará que foi também ele quem, indirectamente, acabou por contribuir para este perverso desvio das atenções do público. E não havia necessidade: ou deixava simplesmente de lado a história do Opus Dei (e já ninguém lhe pegaria por isso...) ou, como ele mesmo admite, justificava minimamente em que se baseava para estabelecer a dita relação. Assim, e logo puxando para título de primeira página essa questão lateral...

Resta esperar que, esclarecida consensualmente a polémica acessória, as
atenções dos leitores - e de quem de direito - se concentrem na essência do
artigo publicado.

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