Desporto a
Mais, Desporto a Menos...
Por JOAQUIM FIDALGO
Domingo, 2 de Julho de
2000 Há actividades desportivas muito interessantes, e mobilizando muita
gente, que são quase desconhecidas; e como são quase desconhecidas, não concitam as
atenções dos grandes "media"; e como os grandes "media" nunca lhes
ligam, elas continuam a ser quase desconhecidas...
"Lamento constatar que o motociclismo nacional não tem o lugar que merece no
jornal PÚBLICO". Assim, directa e sinteticamente, se pronunciou há dias o leitor
Alberto Teixeira, numa carta ao provedor em que criticava o facto de uma prova do Nacional
de Velocidade (um campeonato que, diz, movimenta "mais de uma centena de
participantes") não ter merecido "sequer uma linha" neste jornal. Ora, em
sua opinião, "a ausência de notícias sobre o motociclismo lesa os leitores do
PÚBLICO".
Não é o primeiro leitor que se queixa do modo como na chamada "grande
imprensa" estão presentes - mas, sobretudo, ausentes - certos eventos desportivos.
Há os que criticam a omnipresença do futebol, sugerindo que ele toma muito do lugar que
falta a outras modalidades; há os que aceitam a proeminência futebolística, por razões
de oferta e procura, mas não se conformam com a relativa secundarização de outros
desportos de alta competição; há, enfim, os que aplaudem uma progressiva atenção a
modalidades "minoritárias" e dirigidas a núcleos específicos da população
(como o golfe ou os desportos radicais) mas gostariam que idêntica lógica fosse seguida
em domínios que movimentam muitos milhares de jovens, todos os dias, por esse país fora
(a natação, a ginástica desportiva ou o voleibol não senior são alguns dos exemplos
volta e meia citados - uns praticados mais por lazer, outros até com interessantes
participações internacionais que nos passam despercebidas...).
A questão é antiga. Já nos primórdios do PÚBLICO se discutia muito que expressão
devia ter o desporto num jornal com as características do PÚBLICO - um jornal nacional
de grande informação, um jornal de referência, atento às grandes questões do mundo de
hoje. Havia quem tendesse a desvalorizar a área, com isso julgando interpretar os
interesses do núcleo central de leitores do PÚBLICO (supostamente mais virados para
assuntos de economia, de cultura ou de política internacional), e havia quem, pelo
contrário, julgando também interpretar os anseios dos clientes do jornal, defendia uma
atenção grande às questões desportivas, incluindo o futebol. A distinção aqui
estaria, mais uma vez, não só na quantidade de espaço a disponibilizar para o desporto
mas no modo próprioo de fazer o seu tratamento noticioso. Ou, desde logo, a selecção do
imenso material disponível. Porque, insiste-se, é cada vez mais pelos critérios de
selecção e hierarquização das notícias que se define um projecto editorial, uma
personalidade, uma imagem de marca.
As páginas de desporto do PÚBLICO caminharam, ao longo destes 10 anos, um longo
caminho. Preencheram-se lacunas, rasgaram-se horizontes dentro e fora de portas,
diversificou-se o tratamento, ajustou-se o modelo. Mas é, como noutras secções, um
processo sempre em aberto. E continua a haver insatisfações, como se vê.
Solicitado a comentar a crítica do leitor aficionado do motociclismo, o editor Manuel
Abreu começa por assinalar que há cerca de 70 modalidades desportivas, quase todas
subdivididas em diversas disciplinas. Serve isso para dizer que "nenhum jornal pode
cobrir tudo o que se passa no desporto, mesmo tomando em conta apenas o desporto
federado". E então? "É preciso escolher - e adequar as ambições aos meios
disponíveis", diz Manuel Abreu.
Dando como adquirido que a importância conferida ao futebol, nas páginas do PÚBLICO,
se justifica pelo "interesse demonstrado pelos leitores", acrescenta o editor:
"As modalidades profissionais ou semi-profissionais com competições organizadas
são normalmente acompanhadas por jornalistas da casa ou por colaboradores permanentes
especializados. Ao longo dos anos, o PÚBLICO estreitou relações com alguns desses
colaboradores mas nunca encontrou soluções aceitáveis para o acompanhamento
sistemático de todas as modalidades". Descontados estes 'acidentes de percurso' -
que podem dificultar a cobertura permanente de modalidades tidas como preferenciais -,
Manuel Abreu define genericamente os critérios da secção: "O PÚBLICO tenta
acompanhar todas as modalidades em função do seu interesse desportivo e da sua
penetração na sociedade". Todos imaginaremos como ajuizar sobre isto não é fácil
e comporta boa dose de subjectividade. Daí ser o próprio editor da secção a confessar:
"Não acertamos sempre...".
Especificamente sobre o motociclismo, concorda que não é noticiado com grande
frequência nas páginas do jornal mas também não é completamente ignorado, pois
"já lhe foram dedicadas algumas reportagens".
Não é por acaso que os "media" especializados em desporto têm a expressão
que têm: não entrando sequer no capítulo das revistas, recorde-se que dois dos três
(três!) diários desportivos nacionais disputam os primeiros lugares na tabela de vendas
de toda a imprensa portuguesa. E embora dediquem o melhor dos seus esforços ao futebol,
descobrindo (às vezes bem se vê como...) matéria mais ou menos palpitante para
alimentar páginas e páginas todos os dias, têm possibilidade de seguir as modalidades
mais proeminentes.
O mesmo não se pode dizer de um jornal de informação geral, por natureza bastante
mais selectivo - mas, precisamente por isso, necessitado de critérios mais definidos e
transparentes para os leitores. Mesmo que estes não concordem com todas as opções
tomadas, é importante saberem (ou irem percebendo, na prática do dia-a-dia) porque é
que foram tomadas essas e não outras, e não receberem sinais contraditórios sugerindo
que as coisas são mais fruto do acaso do que de opções editoriais fundamentadas.
A lógica de um jornal não é a mesma de um praticante ou um dirigente de uma
modalidade. Estes tendem, muito compreensivelmente, a sobrevalorizar o desporto que
escolheram, até porque o conhecem bem e o vivem por dentro. Daí que considerem quase
sempre que a sua área de interesse é pouco acompanhada pelos "media".
Multiplicando esta pretensão por vinte ou trinta (já para não chegarmos às tais
setenta ...),calcularemos a dificuldade que é gerir tantas expectativas e arrumá-las no
espaço disponível.
Apesar disso, convém não esquecer que um jornal (todo o jornal) tem responsabilidades
no modo como vai representando o mundo, influenciando a nossa percepção dele e as nossas
opiniões. Há certas actividades desportivas muito interessantes, e mobilizando muita
gente, que são quase desconhecidas fora do círculo restrito dos aficionados ou dos
familiares dos atletas; e como são quase desconhecidas, não concitam as atenções dos
grandes "media"; e como os grandes "media" nunca lhes ligam, elas
continuam a ser quase desconhecidas... É um círculo vicioso, em que a comunicação
social não pode enjeitar as suas responsabilidades: a justificação com o interesse dos
leitores é razoável mas não explica tudo, pois o interesse dos leitores é dinâmico,
vai mudando, vai-se abrindo ao novo - e isso (também) em função do que diariamente
oferecem os "media".
Em resumo: sendo claro que um jornal como o PÚBLICO acaba por ter de centrar a sua
atenção quotidiana só em algumas modalidades desportivas, era bom que não se esgotasse
nessa rotina mas fosse espreitando também o muito de interessante que por aí se faz.
Surpreendendo os leitores, dando a conhecer modalidades menos mediáticas mas muito
mobilizadores de pessoas concretas, mostrando a diversidade do que acontece e contando
histórias que não se esgotem numa notícia breve com resultados e classificações, vai
também alargando os nossos horizontes - e, quem sabe?, suscitando novos interesses.
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