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O Título É a Notícia?
Por JOAQUIM FIDALGO
Domingo, 2 de Julho de 2000

A propósito do repto aqui lançado na semana passada, vários leitores deram a sua opinião sobre o título de primeira página do PÚBLICO de 21/6/00 - "Judiciária investiga 'saco azul' do PS". Em análise estava, recorde-se, a questão de saber até que ponto essa manchete se adequava ao assunto noticiado ou poderia ser considerada sensacionalista.

A amostragem de que aqui se dá conta não tem, naturalmente, a latitude ou o rigor estatístico de uma sondagem. Aliás, não o pretende - nem o objectivo das reflexões propostas neste espaço radica em qualquer modelo plebiscitário... Mas a verdade é que, salvo uma, todas as opiniões chegadas ao provedor manifestaram fortes reservas quanto àquele título. Se aqui se procura conhecer um pouco melhor o que pensam os leitores e aprofundar a relação que mantêm com o "seu" PÚBLICO, eis então alguns exemplos:

· "Mesmo apesar do antetítulo, crê [o provedor] que a parangona "Judiciária investiga 'saco azul do PS" tem a mínima correspondência com a substância da notícia das páginas 14 e 15? Interpelei sete pessoas, sete, e todas elas, não lendo mais que o título, inferiram que se tratava de um 'saco azul' do partido, enquanto tal, a nível nacional" (Gustavo Pimenta, que se apresenta como membro do PS na Assembleia Municipal do Porto).

· "Salvo melhor opinião, a matéria publicada (...) não autoriza a manchete referida, mesmo considerando o antetítulo que a acompanha. Aproveitei estar com um grupo de amigos para trocar opiniões sobre o assunto e a opinião geral era que o PÚBLICO tem dado, nos últimos tempos, múltiplos sinais de confusão e até de violação da fronteira entre um jornalismo rigoroso e acutilante e o sensacionalismo" (Manuel Pinto).

· "Ao ler o título "Saco azul do PS", convenci-me de que se tratava de um escândalo a nível nacional. O desenvolvimento da notícia foi-a fazendo 'encolher' até ficar reduzida á di mensão de Felgueiras... (...) Mas ninguém na Redacção deu por uma tão flagrante discordância entre o título (bem chamativo!) e o texto?" (António S. Fernandes).

· "É lamentável o título daquela notícia sobre uma obscura secção do PS, um obscuro autarca do interior do país que, falta provar em tribunal, terá usado indevidamente algum dinheiro público (?), e que, de repente, se tornou no saco azul de todo um partido, de todo um Governo, por artes mágicas de um título a letras suficientemente gordas para ocultar as que, em letra menor, reduziam o caso a um mero 'fait-divers'..." (Ramiro Matos).

· "Se há presunção de inocência até sentença em julgado, parece-me que não deveriam existir títulos com carácter peremptório, mas interrogações, como tal identificadas. (...) Espero que este caso seja esclarecido em julgamento e não beneficie de uma qualquer prescrição!" (Victor Ferreira).

Em tom diverso exprimiu-se o leitor Fernando Silva, ainda que alargando a sua análise ao trabalho noticioso sobre o caso - que, sublinhe-se, ninguém criticou - e não propriamente ao título da primeira página: "A minha opinião sobre os vários artigos que o PÚBLICO tem publicado sobre o 'possivelmente' verificado na concelhia do Partido Socialista, em Felgueiras, nada tem de sensacionalista, mas antes é da maior importância que sejam relatados. (...) Este é um dos bens da democracia: haver imprensa livre, não subordinada aos chamados poderes do Estado e económico".

Do outro lado da balança, coloquemos as explicações do director do PÚBLICO quanto à opção feita, bem como o seu comentário a estas críticas. Diz José Manuel Fernandes: "Penso que não há sensacionalismo, pelo contrário. O antetítulo era claro - falava de Felgueiras e falava de uma dirigente nacional. Para além disso, era o PS que era investigado - não a Câmara de Felgueiras. E os dirigentes nacionais do PS tinham sido informados previamente e nada tinha ocorrido".

O director do jornal considera, assim, que "o título é correcto", pois "trata-se de um 'saco azul' do PS e que só uma leitura apressada e que ignorasse não só o antetítulo como o texto da chamada poderia permitir que se formasse a ideia de que o PS está implicado, à escala nacional, numa história de 'sacos azuis'." E conclui José Manuel Fernandes: "Não há, por isso, qualquer sensacionalismo. De resto, a chamada até podia ser mais dura para o PS nacional se nos lembrarmos que o porta-voz da Comissão Permanente lavou as mãos do assunto - que é um assunto interno, e grave, do partido - ao fazer a espantosa declaração de que o PS 'não se deve substituir aos tribunais'".

Comecemos por nos situar no problema que aqui se disseca, não misturando matérias de diferente tipo. Não está em causa a actuação do PS, enquanto estrutura nacional, quanto à situação a ser investigada em Felgueiras; tão-pouco está em análise o mais ou menos "duro" que o jornal podia ou devia ser para com o PS nacional. Esse seria outro assunto. O que aqui nos traz é, muito simplesmente - ou muito complexamente - a questão de o título de primeira página traduzir com adequado rigor a matéria desenvolvida nas páginas do jornal ou, pelo contrário, induzir numa leitura que depressa prova ser errada, por não ter suficiente fundamento nos factos relatados.

É verdade que, no trabalho global apresentado pelo PÚBLICO, estão incorporados todos os elementos conducentes a uma leitura correcta do caso. É verdade que o antetítulo da primeira página remete claramente o assunto para uma "autarca de Felgueiras" que, além do mais, é "dirigente nacional" do PS. É verdade que, no desenvolvimento da notícia, se fica a saber que eventuais dinheiros do alegado 'saco azul' podem ter sido utilizados para custear gastos partidários de âmbito nacional e não apenas local (despesas de campanha eleitoral). Ainda assim, não podemos iludir o facto incontornável de que, para um certo número de leitores, e não necessariamente apressados, o título funcionou mal: lido enquanto unidade autónoma (que, em boa parte, também é), sugeriu um problema mais geral do que a situação particular que reportava.

"Mas ninguém lê só o título... Então para que servem os antetitulos?", poderá retorquir-se, com alguma propriedade. O antetítulo é importante, é útil, é algo mais do que um mero suporte decorativo: ajuda a situar, a identificar, a complementar a informação do título. Mas não pode substituir-se a este na sua função primordial. Nem pode, digamos assim, "ter as costas largas", arcando com a responsabilidade de fornecer elementos essenciais para a correcta compreensão do título. Até por razões de visibilidade e de impacto a um primeiro olhar, não está no mesmo plano que o título. Se estivesse, então poderia escrever-se em manchete, no caso vertente: "Judiciária investiga 'saco azul' do PS em Felgueiras". Mas, com esta formulação, se calhar já não era manchete, pois não?... Apontaria mais para um problema localizado, pontual, circunscrito a uma terra, e onde um jornal de âmbito nacional como o PÚBLICO já não encontraria, porventura, "força" de manchete. Mas que era mais consentâneo com o conjunto da informação apresentada, isso era.

Não é fácil fazer títulos. Não é fácil encontrar aquele ponto de equilíbrio entre sintético e apelativo, mas simultaneamente rigoroso e adequado. Merece, contudo, esforço e atenção permanentes. Até para não se cair nunca no exagero ironicamente descrito pelo leitor Ramiro Matos, a propósito de certa imprensa: "A história de que notícia é o homem morder o cão e não o contrário tem vindo a sofrer uma inflexão notória: se nem o cão morde o homem, nem o homem morde o cão, então a notícia é o título..."

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