Todos Diferentes - Todos Jornais
Por JOAQUIM FIDALGO
Domingo, 18 de Junho de
2000 Alguns leitores têm-se dirigido ao provedor não tanto para
apresentar esta ou aquela reclamação concreta mas para, mesmo partindo de exemplos
pontuais, suscitar uma reflexão mais funda: estará o PÚBLICO a perder algumas das suas
características distintivas e inovadoras, tornando-se cada vez mais igual a tudo o resto?
O essencial destas interrogações aponta para presumíveis cedências do jornal a uma
certa corrente uniformizadora que abunda na nossa imprensa (mas a que não é alheia a
influência tremenda da televisão e da suas lógica massificadora), corrente essa que,
invocando piamente o "santo nome do leitor", acaba por adoptar soluções
fáceis, títulos bombásticos, imagens chocantes, temas ligeiros, primeiras páginas
gritantes... E o sensacionalismo à espreita, nas suas mais patentes ou envergonhadas
formas. Mas, sobretudo, uma tendência para simplificar, para reduzir tudo a preto ou
branco, para ceder ao gosto mediano e à tentação "voyeur", enfim, para um
modo de tratar/apresentar informação que costumava ser exclusivo dos tablóides
popularuchos (de onde o termo, muito em voga, de "tabloidização" dos
telejornais ou da imprensa em geral).
Já há várias semanas, o leitor Francisco Gomes protestava pela "maneira
ordinária" como o PÚBLICO documentou fotograficamente uma manifestação de
estudantes do ensino secundário (a imagem mostrava um rapaz com uma frase obscena pintada
no peito), dizendo-se convencido de que "a grande maioria dos jovens não se revê
naquela porca maneira de manifestar as suas razões". Independentemente da maior ou
menor pertinência do exemplo - todos lembraremos que imagens deste tipo marcaram uma
certa época da contestação estudantil, a ponto de delas ter nascido o tão controverso
epíteto de "geração rasca", mas a fase actual parece já não se rever muito
nesse folclore -, fica a dúvida sugerida pelo leitor: escolhe-se uma fotografia por ser a
mais significativa para o contexto noticioso em que se insere ou apenas porque é
"forte" e "chamativa", independentemente de dar uma visão redutora,
marginal, do acontecimento?
Uma das características da "tabloidização" passa precisamente por esta
lógica: a da confusão deliberada entre o que "é" e o que "parece"
relevante do ponto de vista do interesse (do) público. Uma coisa é pegar em aspectos
particulares que podem ser muito significativos de questões mais gerais e, a partir
deles, trabalhar a informação; outra coisa bem diferente é fixar-se em pormenores
picarescos ou anedóticos e sobrevalorizá-los, generalizá-los, apresentá-los como se
fossem tudo o que há a dizer sobre o assunto. E o "fait divers" que não passa
de "fait divers", por muito engraçado ou curioso, acaba por transformar-se em
vedeta do espaço nobre das notícias.
"Espera o leitor que o nível do seu diário permaneça para além da média, o
que só se tornará possível se nas suas páginas não houver espaço para
mediocridades", escreve uma outra leitora, Maria Dulce Costa, receosa de que o
PÚBLICO, ao dar grande importãncia a certas matérias, "contribua para a poluição
do gosto dos leitores". No caso vertente, o que lhe causou confusão foi o
generosíssimo espaço há tempos dado a Margarida Rebelo Pinto, tendo como pretexto a
publicação do seu segundo livro, na esteira do êxito de vendas que fora "Sei
Lá". "Fica o leitor sem entender", diz Maria Dulce Costa, o que terá
levado este jornal a "gastar tanta cera com tão ruim defunto". "Entre o
'Tiroliro' e uma sonata de Beethoven há um abismo intransponível", acrescenta,
mesmo sabendo que "entre nós o 'Tiroliro' é mais conhecido do que as sonatas".
Voltando a usar o exemplo como oportunidade para uma reflexão mais larga, há aqui
dois aspectos a considerar: por um lado, o facto de um jornal com determinadas
características dever, ou não, pura e simplesmente ignorar certas realidades; por outro
lado ( e admitindo que não as ignora), o modo de as tratar nas suas páginas. Não é
apenas responder "sim" ou "não" à pergunta sobre se noticiar; é
também, e sobretudo, o "como" noticiar - com que extensão, com que relevo, com
que tipo de abordagem, com que conteúdo.
É aceitável que não passe despercebido a um periódico de grande informação um
caso como o de Margarida Rebelo Pinto: publica um livro (confesso que não li, mas
ouvi...) e vende, num instante, 20 ou 30 mil exemplares. Isso sabe-se, comenta-se, é
invulgar, suscita natural curiosidade. Vamos lá, então, saber do assunto. Coisa bem
diversa será abordar o tema, digamos assim, do ponto de vista da literatura - e tratar a
autora como quem trata José Saramago ou Eugénio de Andrade. Não é só questão de
extensão, é também questão de registo. E quem diz este assunto diz outros recentemente
muito falados na imprensa em geral, apesar da sua duvidosa relevância, como o nascimento
do bebé Blair ou o namoro do príncipe Carlos.
Noticiar não é necessariamente aderir, concordar, propagandear. Noticiar também pode
ser - e sobretudo para jornais de referência - interpretar, entender, desmistificar, pôr
as coisas no seu devido lugar. Algumas vezes, concordaremos, pôr as coisas no seu lugar
é apenas ignorá-las (há sempre tanto tema que não tem espaço nos jornais!); noutras,
porém, faz sentido uma abordagem jornalística, desde que em coerência com os
parâmetros por que se define a publicação.
Um jornal é, em boa parte, o médio denominador comum de um leque variado de gostos e
sensibilidades. Para não se fechar numa torre de marfim obstinadamente elitista e que
olha com arrogância a realidade circundante (preferindo construir a sua realidadezinha,
á medida de uns quantos leitores interligados em circuito fechado), precisa de praticar
alguma abrangência de temáticas e abordagens, sendo certo que nunca poderá agradar cem
por cento a todos os seus públicos. Mas esta é só meia história. A outra meia diz que,
para além de querer alargar progressivamente o círculo de leitores, o jornal deve
também investir numa personalidade própria, num projecto específico, num estilo - ou
seja, numa imagem de marca que o faz distinto dos restantes e, diferenciando-o, lhe
confere um valor particular. Num contexto cada vez mais uniformizado, é esse o seu
trunfo. Como aponta o leitor Luis de Melo, também preocupado com a eventualidade de o
PÚBLICO se transformar em apenas "mais um meio de comunicação social que esbraceja
para sobreviver economicamente" e se tornar igual aos restantes: "O PÚBLICO
começou por ser um jornal diferente. (...) Conquistou assim uma faixa de leitores que
procuravam uma informação mais competente, menos primária e mais aberta ao 'sentido do
mundo' no final do século XX". É, afinal, essa faixa de leitores que convém
preservar - e alargar. Mas não desiludir ou trocar.
Nem sempre é fácil (que o digam as acesas discussões na Redacção...) resolver o
dilema entre ter um jornal mais sintonizado com as preocupações dos seus públicos
preferenciais, mais atento ás realidades do dia-a-dia, mais agradável de ler, mais
criativo, e ter um jornal que, não sendo hermético ou elitista, afirma a sua diferença,
a sua especificidade, as suas opções próprias, sem se preocupar em ir atrás do que
"está a dar". Claro que tem de sobreviver economicamente. Mas, mesmo aí, pode
ser enganoso querer "fazer igual" aos outros para conquistar novos públicos:
às tantas não se conquista os novos (porque, em género "popular", há quem
seja muito mais eficaz...) e, em contrapartida, vai-se perdendo os antigos. Como alguém
dizia, nunca um jornal pode ser "para todos"; tentar fazê-lo é o caminho mais
rápido de o fazer "para ninguém".
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Telefones: 22-6151000; 21-7501075
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