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Usos e Abusos do Direito de Resposta
Por JOAQUIM FIDALGO
Domingo, 21 de Maio de 2000

Sugere a leitora Goreti Marques que o provedor comente o direito de resposta na imprensa: em que consiste, como se enquadra, de que modo é exercido. O assunto parece ter aqui cabimento: trata-se de algo que, tal como a provedoria, procura articular os lados "de cá" e "de lá" dos jornais, fazer pontes entre quem emite e que recebe a informação. Pontes de contacto, pontes de diálogo, mas também instâncias de crítica e de recurso que permitam temperar o indesmentível poder da comunicação social.

Ao contrário do que sucede com o direito de resposta, quem recorre ao provedor não precisa de se sentir directamente atingido na sua reputação ou bom nome. Basta que, enquanto leitor - ou seja, enquanto comprador de um determinado bem/serviço como é o jornal -, se considere de algum modo mal servido. O bem adquirido deve estar em boas condições, deve corresponder ao que foi anunciado, deve apresentar-se condignamente; não o estando, há toda a legitimidade para criticar ou para pedir explicações. E, embora se esteja a falar em causa própria, ainda bem que os jornais resolvem, voluntariamente, abrir aos leitores canais para estes transmitirem os seus reparos, sugestões e preferências.

O direito de resposta é um instrumento diverso. Desde logo, porque não depende (a não ser na tramitação prática) da maior ou menor abertura dos jornais aos seus leitores, mas da própria lei. E com uma dignidade que nasce na própria Constituição da República ("A todas as pessoas, singulares ou colectivas, é assegurado, em condições de igualdade e eficácia, o direito de resposta e de rectificação" - artigo 37º), prolongando-se depois na Lei de Imprensa.

Resumidamente, pode dizer-se que ele confere às pessoas a possibilidade de, no próprio local onde foram objecto de referências inverídicas ou ofensivas - e independentemente de procedimento judicial -, tornarem públicos os desmentidos ou correcções que lhes salvaguardem a reputação. É uma instância de recurso, que em princípio até nem seria necessária se tudo corresse idealmente no que toca às práticas jornalísticas: as exigências éticas e deontológicas, somadas à competência profissional e ao respeito pelos direitos básicos dos cidadãos, deveriam bastar para impedir que nos jornais se publicassem factos inverídicos ou atentatórios do bom nome das pessoas. Mas, por um lado, há erros, falhas, imperfeições - e é justo que se prevejam os meios de lhes minorar os efeitos nefastos. Por outro lado, há lamentavelmente abusos de poder, excessos, desrespeito pelas normas da profissão - com a agravante de, tratando-se de comunicação social, o seu impacto ser muitíssimo amplificado.

Sublinhe-se que nem todos os países consignam o direito de resposta tal como existe entre nós. E há quem o rejeite precisamente em nome da liberdade de imprensa, como é o caso dos Estados Unidos da América. Francisco Teixeira da Mota, advogado do PÚBLICO e conhecido especialista destas matérias, diz que o direito de resposta "corresponde, de certa forma, a uma expropriação por utilidade pública do espaço do jornal, limitando a própria liberdade editorial, já que o controlo do director sobre o conteúdo da resposta é muito restrito".

De facto, ao abrirem as suas páginas à publicação de textos escritos por qualquer pessoa que se sinta ofendida, os responsáveis do jornal acabam por publicar matérias de que possivelmente discordam - matérias ou modos de dizer que, no exercício normal das suas competências, nunca publicariam - mas que não podem alterar. É com base neste pressuposto que o sistema americano desconsidera o direito de resposta (ou seja, recusa qualquer "expropriação" do espaço privado de um jornal), preferindo investir na possibilidade que dá aos cidadãos de accionarem mecanismos judiciais sempre que se sintam lesados. E, pelo que vamos ouvindo aqui e ali, a justiça americana costuma ter mão pesada quando se trata de proteger os indivíduos (por exemplo, os consumidores) face às ofensas de empresas e instituições. Espera-se que o faça também com rapidez - algo que a nós, portugueses, toca fundo...

A questão é que, mesmo ressarcindo-se materialmente, no tribunal, de eventuais danos sofridos, um cidadão cuja reputação tenha sido injustamente atacada em público merece também algum tipo de reparação pública. Se a ofensa (involuntária ou dolosa) foi lida por milhares de pessoas, é justo que a reposição da verdade seja difundida junto do mesmo universo, o que não acontece quando o caso se dirime apenas na sala do tribunal. E todos sabemos como isto é já um recurso, um mal menor, pois as primeiras notícias têm sempre mais impacto do que os eventuais desmentidos que se lhe seguem. Mas diga-se também que, frequentemente, nem sequer é preciso recorrer à figura legal do direito de resposta, pois os próprios jornais, por sua iniciativa, corrigem os lapsos que afectaram a boa fama das pessoas. E não fazem mais que a sua obrigação, claro.

Francisco Teixeira da Mota é a favor do direito de resposta - e com ele concorda o provedor -, preferindo o sistema português ao americano. Na sua opinião, a actual configuração deste direito na Lei de Imprensa (entretanto revista) é adequada e equilibrada. Vai mais longe: "Tal como tem sido genericamente utilizada no nosso país, com bom senso e sem abusos que a perverteriam, a lei está bastante bem". Recorda, a propósito, que já outros países tiveram que rever a legislação a partir do momento em que determinadas instituições começaram a "abusar" dela, recorrendo ao direito de resposta por tudo e por nada, mais por razões de propaganda política do que por legítimo direito de defesa ao bom nome, tornando inviável a própria organização dos jornais. Resta saber se, entre nós, a utilização "equilibrada" deste direito o não tem sido, também, porque as pessoas o conhecem pouco ou porque receiam o mau tratamento que dele é feito nalguns jornais.

As situações não são todas iguais e há, de facto, quem desqualifique esta prerrogativa dos cidadãos, publicando as respostas nos cantinhos mais esconsos, em letra miudinha e bem apertada, para que passem despercebidas. Entre publicá-las exactamente no mesmo local e "com o mesmo relevo" do escrito que lhes deu origem ou escondê-las bem no fundo de uma página de anúncios ou continuados, há meios termos de razoabilidade que só fariam bem em ser respeitados. Do mesmo modo, também conviria que pessoas e instituições, quando abordadas por jornalistas no seu trabalho legítimo de recolha de informações, não se esquivassem ao contacto para, dias depois, virem dizer que não foram ouvidas e, em consequência, invocarem o direito de resposta - no fundo, um direito de palavra que não quiseram usar quando ele lhes foi facultado. São estes abusos, de um lado e de outro, que podem perverter a lei. Felizmente não são muitos - e oxalá vão sendo cada vez menos. Não há boa lei que resista a um sistemático mau uso: ou muda, ou desaparece, ou... não serve para nada.

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