Que Fazer com Esta Sondagem?
Por JOAQUIM FIDALGO
Domingo, 16 de Abril de
2000 Era John Sweeney, provedor do leitor de um jornal americano do
Delaware, quem o afirmava com certeira ironia (e bom conhecimento de causa): "Somos [
os jornais] doidos por estatísticas. Um conselho aos manipuladores de opinião: se querem
que a sua mensagem saia com grande destaque na imprensa, digam-na por números.
Especialmente números alarmantes".
Os números têm este estranho sortilégio de nos fazer acreditar mais depressa,
transmitindo uma aparência de certeza que as palavras, por muito categóricas que sejam,
nem sempre conseguem. Além do mais, ao quantificar, também simplificam frequentemente a
complexidade das questões. E já se sabe que a mensagem simplificada "passa" de
modo mais eficaz para o grande público, além de se prestar mais facilmente a um título
sintético, directo, afirmativo, claro. Daqueles que são sempre uma tentação para os
jornalistas... Escrever que 83,6 por cento dos espanhóis se consideram católicos (como
esta semana dizia o El País) é uma notícia com alguma força aparente, mesmo sabendo-se
que vale o que vale, face à complexidade do tema e, por isso mesmo, à extrema
dificuldade em o reduzir a umas quantas percentagens. Quase nunca a realidade é assim, a
preto e branco. Mas dá um título, claro.
As sondagens de opinião são um bom exemplo desta apetência por realidades traduzidas
em números, e todos sabemos como elas se usam com diversíssimos propósitos, nem sempre
elevados. Então em contextos eleitorais, é ver como os protagonistas da cena política
(e os próprios meios de comunicação) se mexem para tentar adivinhar, antecipar, quiçá
condicionar as escolhas dos cidadãos... Quem sai bem delas costuma atribuir-lhes
credibilidade, quem sai mal sugere que terá havido manipulações, e nós ficamos no
meio, sem perceber muito bem em quem acreditar, dando desconto a uma e outra parte - e,
eventualmente, fazendo pecar o justo pelo pecador. Sim, que também neste campo há
empresas sérias e outras menos escrupulosas.
Nas últimas semanas, certos meios políticos e jornalísticos agitaram-se a propósito
de uma sondagem que tentava identificar as figuras do PS mais bem posicionadas para uma
futura candidatura à Câmara Municipal do Porto. O PÚBLICO deu notícia dos resultados
desse estudo, no dia 6/4/00 ("Sondagem da Domp sobre a Câmara do Porto - Nuno
Cardoso à frente de Narciso"), num texto em que também já se dava conta de alguma
da controvérsia sobre a sua origem e alegadas intenções.
O leitor Paulo Araújo entendeu questionar o provedor sobre "o grau de rigor na
avaliação das fontes" e sobre "os critérios" que levaram o PÚBLICO a
avançar com esta notícia - uma notícia, diz ele, "de algo que parece muito
suspeito". Para o leitor, a dita sondagem "está muito longe de parecer isenta
ou desinteressada", como o provariam os rumores que circularam sobre quem a tinha
pago, quem nela tinha colaborado, que ligações seriam imputáveis à empresa
responsável, etc.
Que havia esses rumores, havia. Mas os rumores não se aceitam só por si;
investigam-se. E, ao que parece, foi o que fez o PÚBLICO antes de se decidir pela
publicação da sondagem. O jornalista Raposo Antunes, responsável pelo texto, explica
que noticiou "exclusivamente o que [conseguiu] apurar sobre a referida
sondagem". E cuidou de apresentar os dados da respectiva ficha técnica, tendo-se
também certificado de que o estudo fora entregue, como manda a lei, na Alta Autoridade
para a Comunicação Social. Admitindo que a informação era relevante, recordou no seu
texto que a empresa responsável pela sondagem "trabalha com frequência para o
PS/Porto e para a Câmara do Porto". Procurou, enfim, saber do fundamento dos
restantes rumores (quem encomendara o estudo, quem o pagara, quem se envolvera nele) mas
nada mais apurou. Não tendo motivos para o contrário, fez fé nas declarações que
formalmente lhe prestaram o empresário da Domp e o assessor do presidente da Câmara do
Porto. De tudo isso deu conta no texto mas, sopesada a questão, avançou com os
resultados da sondagem, por entender que era uma informação "oportuna",
atendendo à agitação que o assunto tem provocado entre os socialistas.
Em sentido semelhante se pronuncia o director-adjunto do PÚBLICO, José Queirós, que
não esquece que "os resultados de uma sondagem política são eles próprios, muitas
vezes, um instrumento da competição política", mas que sublinha também: "O
grau de credibilidade de uma sondagem é aferível, antes de mais, pelo conhecimento dos
respectivos dados técnicos e cumprimento dos requisitos legais a que estão obrigadas as
empresas que as promovem". Quanto a este caso, concorda que havia dúvidas sobre quem
encomendara e pagara o estudo, e por isso, "a bem da transparência", a notícia
"só foi publicada após terem sido efectuadas diligências - que não se revelaram
totalmente conclusivas - a esse respeito". Mais: conhecendo as dúvidas que o estudo
suscitara, o PÚBLICO acompanhou a questão, como lhe competia, e em 11/4/00 voltou a ela
com novos dados.
Face a tudo isto, e analisados os textos concretos, não parece que tenha havido
incumprimento de quaisquer regras técnicas ou éticas. A informação era relevante e foi
dada aos leitores - mas, porque também pareceu relevante a polémica por ela suscitada, o
contexto noticioso desta matéria foi além da mera divulgação dos números.
Investigaram-se os rumores, confrontaram-se as pessoas com as acusações, ouviram-se
opiniões e reacções - e de tudo isso se deu conta no jornal. Salvo melhor opinião, os
leitores ficaram com elementos suficientes para tirar as suas conclusões.
Já não é, infelizmente, a primeira vez que tal sucede: o PÚBLICO voltou a
enganar-se na publicitação do número ganhador do "Joker" (edição de
2/4/00), criando falsas expectativas em quem, afinal, nada ganhara - e frustrando quem
porventura tinha a riqueza à porta. Compreende-se o aborrecimento do leitor José
Carneiro, que à conta do erro perdeu quinhentos escudos, mas que acha que "a falta
de respeito pelo leitor vale concerteza muito mais do que isso". Além de que a falha
não foi corrigida nos dias subsequentes.
Um jornal não tem a obrigação de prestar estes serviços aos seus leitores. Mas, a
partir do momento em que voluntariamente lhes diz que o vai fazer, assume esse compromisso
- o qual, naturalmente, leva implícita a garantia de que prestará informação fiável.
Como o PÚBLICO é reincidente nestes erros melindrosos, e como cada vez mais prescinde de
dar os resultados do Totoloto e do "Joker" ao domingo - face à hora incerta e
tardia a que são conhecidos os números -, talvez seja de repensar se vale a pena
insistir. É preferível não dar uma informação a dá-la sem garantias. Ou então,
passar a dá-la só às segundas-feiras, como sugere o director-adjunto Nuno Pacheco. Com
um pouco mais de tempo, talvez se possa ter também mais atenção. Convenhamos que não
é pedir muito.
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