Azar Ter Acontecido Hoje...
Por JOAQUIM FIDALGO
Domingo, 9 de Abril de
2000 Há que dizê-lo com frontalidade: por muito que nos custe, não é
apenas o intrínseco valor noticioso de um dado acontecimento que faz com que ele seja, ou
não seja, notícia num jornal. Talvez devesse sê-lo, mas não é. E nem se leia nisto a
confirmação de recorrentes generalizações conspirativas segundo as quais, por intentos
políticos ou económicos, a cobertura jornalística dos eventos é sistematicamente usada
como arma de amplificação das vozes "amigas" e de silenciamento das vozes
"adversas". Não, não é isso. Melhor: até pode ser. Mas também pode não
ser... Muitas vezes, por mais que estranhemos, a decisão de fazer ou não fazer uma
notícia pode radicar em questões bem miudinhas, em problemas quase domésticos, em
dificuldades práticas, em circunstâncias imprevistas - tudo motivos de que os leitores
não têm culpa nenhuma mas cujas consequências sofrem.
Há dias em que, por assim dizer, acontece muita coisa e os jornais vêem-se em palpos
de aranha para seleccionar o que cobrir (pois não conseguem "chegar a todas")
ou para arrumar as muitas matérias no espaço exíguo das suas páginas. Em
contrapartida, há dias em que a agenda se mostra pouco sugestiva e certos eventos menores
ganham um destaque que nunca teriam (aliás, alguns "produtores de
acontecimentos" já vão aprendendo como pode ser mais rentável, do ponto de vista
da desejada cobertura mediática, "produzi-los" em certos dias da semana ou em
certas horas do dia, aproveitando as tais fraquezas dos órgãos de comunicação
social...). Os próprios jornais aumentam ou diminuem de tamanho, edição a edição,
não tanto porque as necessidades informativas a isso obrigam mas porque uma maior
afluência de anúncios - fundamentais para a sua viabilidade - permite fazer crescer o
número de páginas.
Da experiência concreta do PÚBLICO, pode dizer-se que é raro o dia em que os
editores das diversas secções - responsáveis directos pela gestão da agenda -
conseguem, no rateio matinal arbitrado pela Direcção, o número de páginas necessário
para o material que perspectivam. A partir daí, é quase sempre a cortar: isto já não
se cobre, aquilo fica para outro dia, deste trabalho faz-se só um breve registo, àquele
suprime-se a foto...
Ora, quanto mais é preciso cortar, mais importa que os critérios de selecção
estejam apurados - e bem sintonizados com as prioridades informativas de um projecto
editorial específico -, sob pena de se cair numa espécie de frustrante jogo de fortuna e
azar, com endosso de culpas para o lado ou para cima. O que atrás se contou é verdade
mas tem o seu perigo: pode abrir caminho a uma sistemática desresponsabilização e à
justificação de todas as falhas com base em "motivos alheios à vontade" dos
jornalistas. Convém não ignorar as dificuldades mas também não ficar prisioneiro delas
ou de critérios administrativos. Se não se pode acompanhar todos os acontecimentos, que
se acompanhe aquilo que mais se ajusta ao jornal concreto e às suas opções
estratégicas. Supondo que as tem definidas, claro.
Suscitou estas reflexões uma reclamação dirigida ao provedor pelo Sindicato dos
Professores do Norte (SPN), frustradíssimo por não ter visto, no PÚBLICO, nem uma linha
alusiva ao seu congresso, reunido recentemente no Porto. "Sem pôr em causa a
autonomia da profissão de jornalista, nomeadamente no que diz respeito à selecção das
notícias, perguntamos se seria ou não legítimo esperar que o jornal PÚBLICO desse a
notícia do V Congresso dos Professores do Norte, que reuniu no Coliseu do Porto, durante
três dias, perto de mil professores", questionam os dirigentes do SPN (e também
"leitores do PÚBLICO", como fazem questão de frisar), acrescentando:
"Seria ou não legítimo esperar que o lema do V Congresso, 'Ensinar e Aprender numa
Sociedade Solidária', preenchesse os critérios jornalísticos do jornal PÚBLICO, num
momento em que todos, desde os teóricos das Ciências da Educação aos políticos,
defendem que é urgente discutir a função e o papel da escola na sociedade?".
Postas as coisas nestes termos, não seria difícil dar uma resposta afirmativa.
Ninguém de bom senso se atreve a negar que estas temáticas são, em princípio, muito
relevantes e interessam a grande parte da sociedade. A questão não está na importância
do assunto assim enunciado; pode, sim, estar na dúvida sobre se as intenções de
discussão do tema eram efectivamente concretizadas - e de modo arejado, dinâmico,
criativo - no espaço sempre peculiar de um congresso sindical. O lema, em si, pouco
garante quanto ao potencial interesse jornalístico. Mas não é menos verdade que tal
interesse só poderia ser realmente avaliado se se lá tivesse ido ver e ouvir. Devia o
PÚBLICO ter ido? E por que motivo não foi?
"Nos dias em que decorreu o Congresso, houve outros temas e acontecimentos cujo
interesse e actualidade se sobrepunham claramente aos do encontro em causa",
explica-se a editora da secção de Educação, Bárbara Simões, dando como exemplo a
votação, no Parlamento, de "um pacote de medidas contra a violência nas
escolas", a propósito do qual o PÚBLICO "preparou um trabalho que contou,
aliás, com o precioso contributo de um dirigente do SPN". Acrescenta ainda que os
critérios jornalísticos do PÚBLICO "têm em conta vários factores" e "a
presença de 'perto de mil' pessoas num evento não é, por si só, determinante".
Estaríamos, assim, numa das situações acima referidas: outros acontecimentos foram
julgados mais importantes e "sobrepuseram-se" ao Congresso, preenchendo o
espaço das páginas de Educação naqueles dias. Azar... Azar dos promotores do evento
(que gostam de ver as suas realizações projectadas) e azar dos leitores (que não foram
informados de uma reunião susceptível de mobilizar, directa ou indirectamente, alguns
milhares de pessoas).
Mas o bom é que estas matérias não sejam uma questão de sorte ou azar. O PÚBLICO
foi habituando os seus leitores a uma atenção sistemática aos assuntos de Educação,
sendo legítimo esperar dele que não falhe nenhuma notícia relevante no sector. Além
disso, é sabido que os professores são um dos grupos profissionais que mais lêem este
jornal, decerto com a expectativa de que ele acompanha - e não só na área específica
da Educação, mas decerto também nela - as matérias mais próximas dos seus interesses
informativos. Por outro lado, uma reunião de mil pessoas não é, só por si,
determinante da cobertura jornalística, mas a verdade é que não acontece todos os dias
e sugere o envolvimento de uma vasta comunidade. Por tudo isto, e descontados eventuais
percalços domésticos, não pareceria excessivo esperar que, ao menos em algum daqueles
três dias de duração do Congresso do SPN, o PÚBLICO noticiasse qualquer coisa.
Está sempre a haver congressos, colóquios, simpósios, seminários, iniciativas que
os jornais tendem a desvalorizar, encarando-as como exemplos do tal "jornalismo
sentado" que Mário Mesquita, há dias, aqui glosava. É impossível ir a todas. E,
quando se vai, nem sempre se traz coisa que contar. Mas, por não ir, também se perdem
debates estimulantes, ideias frescas, novidades. São os riscos de uma escolha que é
preciso fazer a toda a hora e em que ora se acerta, ora se falha. Mas, pelo menos, que a
escolha seja coerente com o jornal - e atenta aos leitores.
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