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Parabéns a Vocês...
Por JOAQUIM FIDALGO
Domingo, 5 de Março de 2000

Quem folheie a primeira edição do PÚBLICO, datada de 5 de Março de 1990 - faz hoje precisamente 10 anos -, terá porventura uma sensação curiosa: o jornal parece tão igual ao que é hoje... Não é nada habitual que um produto "de mercado", como (também) é um jornal diário, se aguente durante tanto tempo sem alterações importantes no fundo ou, sobretudo, na forma; quando tal sucede, e com continuada adesão do público consumidor, é porque foi capaz de construir e impor uma "imagem de marca" suficientemente forte para resistir à natural usura do tempo. Usura que as solicitações de uma sociedade de consumo multiplicam freneticamente, como sabemos... Aliás, ainda não há muito tempo tivemos, entre nós, exemplos de jornais cheios de ambição, com projectos ditos sólidos, que um ou dois meses depois de iniciarem a publicação já estavam a alterar substancialmente os seus conteúdos e apresentação, tentando adequar-se a um "tipo de leitores" que, afinal, não estava bem estudado.

Vejamos agora o contraponto desta sensação: quem folheie algum exemplar datado de Março de 1990 de outros jornais que igualmente se destacam entre nós, e que hoje concorrem diariamente com o PÚBLICO na captação de leitores - como o "Diário de Notícias" ou o "Jornal de Notícias" -, constatará como eles eram tão diferentes do que são agora... É claro que, há 10 anos, um e outro já tinham muita década de vida e, portanto, a necessidade de mudar haveria de impor-se mais cedo ou mais tarde. Mas concordaremos que o forte desafio colocado pelo novo título, bem como o abanão que ele trouxe ao panorama global da imprensa na época, espevitou as vontades de mudança e de modernização.

Neste dia de aniversário, e crendo falar do ponto de vista dos leitores de jornais em geral (quaisquer que sejam as suas preferências específicas), não será, assim, descabido fazer uma saudação do género: parabéns ao PÚBLICO, não só por aquilo que foi e é em si, mas também pelo que significou para o panorama mediático do país.

Hoje, globalmente, os leitores estão muito mais bem servidos de informação do que estavam em 1990. Com a imprensa diária genericamente envelhecida e resignada a um monocórdico "jornalismo sentado", com a informação mais dinâmica confinada a dois ou três semanários de valia, com a televisão remetida ao canal único cinzento, oficialista e refém dos interesses governamentais, com as rádios (elas, sim) a desbravar novos caminhos e a dar um primeiro ar da sua graça no campo das notícias (a TSF, desde logo...), não havia demasiado por onde escolher. Para mais num tempo prodigioso, esse do virar da década, que levava a Direcção do PÚBLICO a escrever no primeiro número, a propósito da "aventura fascinante" de lançar um novo diário: "Os extraordinários momentos que estamos a viver, especialmente na Europa, reforçaram de forma decisiva a convicção com que partíramos para este projecto: um mundo em acelerada mutação exige uma sintonia jornalística permanente e criativa com a actualidade".

Hoje, descontados os excessos de uma crescente postura comercial que vai de par com alguma submissão a uma estranha "ditadura de audiências" nivelada pelo mais baixo, temos melhores jornais diários, alguma boa imprensa semanária, informação televisiva mais diversificada e acutilante (para o bem e para o mal...), rádios mais atentas e mexidas. Para já não falar do tanto que, por outras vias, nos chega facilmente a casa, a qualquer hora do dia ou da noite, via parabólica, via cabo, via net. Todo um universo em movimento que obriga os jornais diários a repensarem-se permanentemente e a reencontrarem, porventura, vocações diferentes das que os justificavam há 10 anos.

Por muito igual que ainda hoje pareça - e, de facto, parece -, também o PÚBLICO mudou desde Março de 1990. Cresceu em tamanho, alargou-se a novas secções que correspondiam a preocupações crescentes dos leitores, agilizou a cobertura diária da actualidade sem descurar o aprofundamento dos temas, diversificou espaços de opinião, alterou suplementos. E vai continuar a mudar, como tem sido anunciado. Mas, independentemente das vicissitudes por que passou em anos mais recentes, e que chegaram a fazer temer o pior, parece ter sido possível preservar essa "imagem de marca", essa matriz inicial de uma informação exigente e crítica, atenta a um mundo cada vez mais "pequeno", próxima das pessoas mas não seguidista, respeitadora da autonomia e da inteligência dos seus leitores.

É, afinal, aos leitores que se deve o essencial deste percurso - tanto na mudança do que foi preciso melhorar como na preservação do que se revelou adequado. Esta matriz de jornal foi adoptada, desde o início, por um importante "núcleo duro" de leitores que com ela se identificaram e a que continuam fiéis. Criticamente, como convém, mas fiéis. Assim, pode dizer-se que muitos deles também hoje se sentirão em dia de aniversário - e merecedores dos parabéns da praxe... - porque "fazem", eles próprios, 10 anos de PÚBLICO. Aquele a quem com propriedade chamam "o meu jornal", pois todos sabemos como partilhar dia a dia, ano a ano, esta pequena janela por onde se vai lendo e tentando perceber o mundo, confere um sentimento de pertença e uma familiaridade muito particulares - frequentemente transformados em hábito imprescindível na rotina do quotidiano.

Grande parte das cartas que o provedor tem recebido, nestes ainda escassos meses de função, começa sintomaticamente assim: "Sou leitor do PÚBLICO desde o primeiro número...". Não é que a antiguidade seja um posto, ou que se considere menos quem aderiu ao PÚBLICO em tempos mais próximos. Longe disso: quantos mais vierem, tanto melhor nos sentimos todos, os do lado "de cá" (porque vêem o seu trabalho mais divulgado, a sua proposta editorial mais reconhecida, a sua empresa mais sólida) e os do lado "daí" (porque ficam menos "sós", porque vêem alargar-se o tal círculo de pertença que é feito de identificações e cumplicidades relativamente a uma certa maneira de olhar o mundo). Mas o facto de continuar a haver, ainda hoje, muitos leitores da primeira hora que participam activamente, escrevendo ao director ou ao provedor, fazendo as suas críticas, avançando sugestões, lamentando os erros, aplaudindo as melhorias, enfim, lidando com o jornal como de facto "seu", dá algum conforto e, sobretudo, a certeza de que há caminho aberto pela frente. Assim se saiba caminhá-lo.

São poucos, os leitores? Os que o são gostaríam, naturalmente, que fossem mais. Mesmo sabendo que nunca poderão ser todos. Como disse em tempos Juan Antonio Giner, grande estudioso destes meandros da imprensa escrita, "um jornal para toda a gente é um jornal para ninguém" (v. "Expresso" de 16/5/98). E, de facto, em tempos nada longínquos, um jornal diário que se pretendeu lançar em Portugal e que queria ser "para toda a gente", fechou ao fim de dois meses. Pouco depois, um outro que tencionava dar às pessoas "o que elas de facto querem mas não encontram nos jornais actuais" teve de rever as suas ambiciosas metas e lá vai agora sobrevivendo no fundo da tabela das tiragens.

O grande património do PÚBLICO é, afinal, o razoável conjunto de leitores que cativou e fidelizou ao longo destes 10 anos. Um conjunto inacabado - como inacabado é forçosamente um jornal, procurando sempre esse equilíbrio difícil entre a estabilidade, que nos dá segurança, e a disponibilidade para o novo, que nos desafia e estimula. Que essa procura possa ser feita cada vez mais com a participação activa dos leitores, numa relação dinâmica e criativa, é o que se deseja. E se nisso puder ajudar a "ponte" que é o provedor do leitor (uma das novidades de hoje face ao PÚBLICO inicial...), tanto melhor.

· Falsa entrevista - O leitor Paulo Almeida, como decerto muitos outros, procurou em vão, na PÚBLICA do passado domingo, uma muito anunciada "entrevista com o Buda vivo". A própria capa da revista lhe confirmou essa expectativa. Lá dentro encontrou, afinal, uma breve descrição de um encontro (raríssimo, sem dúvida, mas fugaz e silencioso) de algumas pessoas - entre elas a jornalista do "Le Monde", Françoise Chipaux - com Orgyen Trinley Dorje, o "Buda vivo". "Uma entrevista poderia ser em discurso directo ou indirecto, mas o texto em questão não se enquadra em ambos", nota Paulo Almeida. "Foi um erro de tradução", penitencia-se o editor da PÚBLICA, Paulo Moura. A palavra correcta a utilizar seria "encontro"; traduzindo literalmente do francês, usou-se a palavra "entrevista", que também pode ter essa acepção ("vou ter uma entrevista com Fulano", diz-se por vezes) mas que, num contexto jornalístico, claramente sugere outra coisa. Ou seja, um texto constituído por declarações de alguém, normalmente em discurso directo, sob a forma de respostas a perguntas do jornalista.

· Livros on-line - Uma leitora dirigiu ao provedor o seu lamento pelo facto de não haver "nenhuma recomendação literária de autores portugueses" na página de abertura do PÚBLICO Online (rubrica "Livros e discos: os favoritos do PÚBLICO"). Seria isso tanto mais lamentável quanto está em causa, diz, "o melhor jornal português". Acresce que, para esta leitora, de muitos dos autores ali sugeridos "a maior parte das pessoas nunca ouviu sequer falar". O editor do PÚBLICO Online, José Vítor Malheiros, não concorda totalmente com esta última referência ("as recomendações servem precisamente para nos chamar a atenção para obras e autores que, de outra forma, passariam despercebidos") mas dá plena razão à leitora no que respeita à ausência de autores portugueses. E, agradecendo a crítica, até vai mais longe: "É uma falha que iremos corrigir e que esperamos mesmo que esteja corrigida no momento em que esta nota chegar ao prelo".

· Causas monárquicas - Continuaram ainda durante esta semana os comentários de leitores ao modo como o PÚBLICO fez a cobertura jornalísitica do baptizado, na Sé do Porto, do terceiro filho dos duques de Bragança. E as supostas "justificações" aqui dadas pelo provedor, na última semana, a propósito do estilo algo irónico usado pelos jornalistas para relatar ou comentar a cerimónia, também não satisfizeram algumas opiniões. "O estilo é chocarreiro", afirma Inês Amorim, que critica o facto de se ter, na sua perspectiva, relatado apenas "uma certa categoria" de factos, de ter havido "comentários deslocados" e até "faltas de respeito". Pedro de Salter Cid insiste em que o tratamento do assunto foi "faccioso" e, com grande correcção, sugere que a melhor maneira de lidar com estes assuntos seria (re)abrir, junto da opinião pública, um grande debate sobre a questão Monarquia"versus" República. De um outro quadrante, o leitor João Brandão pergunta-se até se será adequado tratar Duarte Nuno e o seu filho Dinis por "D.", pois isso é atribuir-lhes um título "que não é reconhecido pela nossa ordem legal". Independentemente da sensibilidade que o tema parece suscitar, repete-se a sugestão: talvez não faça muito sentido sobrevalorizar o evento ou os diversos pontos de vista por que ele foi encarado, e muito menos ver propósitos ofensivos onde não houve mais do que um olhar leve e bem disposto a propósito do lado mais "social" de uma peculiar cerimónia pública. 

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