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Amor com Humor Se Paga...
Por JOAQUIM FIDALGO
Domingo, 20 de Fevereiro de 2000

O sentido de humor é coisa complicada, subjectiva, por vezes melindrosa, muito variável entre pessoas, entre grupos, entre culturas. Há quem defenda que não se deve brincar com assuntos sérios e quem, pelo contrário, entenda que é com esses que se pode brincar - pois os de brincadeira já são isso mesmo, de brincadeira... Há quem seja capaz de fazer graça consigo próprio e quem receba mal uma piada directa, por mais inocente que se mostre. Há quem ria a bandeiras despregadas de um chiste que a outros só provoca esgares de simpatia, quando não um cenho carregado. Enfim, tudo menos consensual.

Por exemplo esta declaração de amor: "Querida (...), por ti estava disposto a votar no PSD!". Foi a vencedora (masculina) do passatempo "A Frase Fatal", organizado na semana passada pela PÚBLICA, a propósito do Dia dos Namorados. O desafio era que "eles" e "elas" inventassem piropos irresistíveis - e, supostamente, engraçados.

Pois o leitor Horácio Azevedo, que até se considera pessoa com sentido de humor, não achou graça nenhuma à frase. Aliás, foi "com inacreditável surpresa e tristeza" que viu darem-lhe o primeiro lugar: "Não sei quem seleccionou as frases, mas assim ficamos a saber que, seja quem for que as escolheu, acha que votar no PSD é um acto diminuído, vergonhoso, para quem o faz". E o leitor mostra-se até convicto de que "frases disparatadas do género 'Maria, por ti votava no PS ou no Bloco de Esquerda' nunca ganhariam tal concurso".

Não é este o entendimento do editor da PÚBLICA, Paulo Moura, que se explica: "O que nos pareceu ter graça na frase não foi o facto de o partido mencionado ser o PSD. Teria exactamente a mesma graça (ou falta dela) se fosse 'Por ti estava disposto a votar no PS', ou 'Por ti estava disposto a votar no PP' ou 'Por ti estava disposto a votar no Bloco'. Se a frase é interessante, é porque equivale a dizer que por amor se está pronto a abdicar dos ideais políticos, ou dos interesses de classe, etc.".

Sobre o facto de alegadamente se considerar "diminuído" ou "vergonhoso" o acto de votar no PSD, o responsável da PÚBLICA diz como interpreta esta crítica do leitor: "É mesmo isso, seria um 'acto diminuído ou vergonhoso' o voto no PSD para uma pessoa que não é adepta desse partido, como se presume ser o caso". Ou seja, isto significaria que "o autor do piropo está disposto a, por amor, praticar actos que o 'diminuem e envergonham'".

Esta questão pode olhar-se por dois ângulos distintos: um é o de saber se a frase vencedora tem ou não tem graça, outro avaliar até que ponto ela pode ser considerada inapropriada ou até ofensiva para outrém.

O primeiro não compete ao provedor, pois é matéria de gostos e de opiniões individuais, tanto mais que estamos no tal domínio tão profundamente subjectivo do sentido de humor. Permita-se só, em jeito de solidária compreensão, que se alivie a culpa dos responsáveis da PÚBLICA: os namorados e as namoradas portuguesas (pelo menos a avaliar pelos resultados deste passatempo) andam com tão pouca imaginação e tão pouca piada que deve ter sido tarefa bem ingrata eleger as declarações ganhadoras...

Quanto ao segundo, parece evidente que pelo menos algum leitor se sentiu agredido com o fundo político do piropo escolhido. Que não houve intenção de ofender fosse quem fosse, garante-o a explicação do editor da revista. A sua argumentação, aliás, tem lógica: só diz uma coisa daquelas quem, por amor, esteja disposto a tudo, até a votar ao contrário das suas preferências políticas, quaisquer que elas sejam. O único problema é que quando uma graça precisa de ser explicada para se lhe descobrir a graça, alguma coisa eventualmente não funcionou - e pode não ter funcionado do lado de quem a emitiu ou do lado de quem a recebeu.

Bem vistas as coisas, isto também não é assim tão transcendente... Foi uma simples brincadeira para um dia bonito como é o Dia dos Namorados, e passatempos deste género devem ser lidos nas suas reais proporções, com as suas retóricas próprias e liberdades de estilo que não seriam tão aceitáveis noutros contextos. O que era bom, isso sim, era que as tais frases "fatais" tivessem mais humor, mais criatividade, mais sedução, mais frescura. Mas, mesmo não tendo, talvez não mereça a pena sacrificá-las no circunspecto altar das lutas ideológicas ou partidárias. Há tanto onde fazer por isso, valha-nos S. Valentim!

O texto aqui publicado na última semana, a propósito de Joerg Haider, precisa de uma correcção (porque o provedor errou) e de um esclarecimento (porque uma leitora o suscitou).

A correcção tem a ver com o nome do partido liderado por Haider: não se chama Partido Nacionalista Austríaco, como por lapso foi escrito, mas Partido Liberal da Áustria. Será esta a tradução mais adequada para "Freiheitliche Partei Oesterreichs" (FPOe), embora em algumas latitudes - sobretudo as anglófonas - também haja quem use dizer Partido da Liberdade. Que a formação de Joerg Haider é de cariz nacionalista, não haverá dúvidas; mas em rigor não se chama assim.

O esclarecimento prende-se com a correcta leitura do editorial de José Manuel Fernandes, aqui citado no último domingo. Teria ele dito que considerava Haider um homem de extrema-direita por, entre outros motivos, ser anti-europeu? À leitora Maria Isabel Pereira Coutinho pareceu que sim: "Ultimamente está na moda aliar às designações claramente pejorativas [neo-nazi, nacionalista, xenófobo, chauvinista, etc.] a de 'anti-europeu'. O próprio director do PÚBLICO afirma tê-lo feito em editorial. Acho louvável a sua preocupação de 'não misturar conceitos, como se tudo fosse sinónimo'. Era bom que clarificasse, assim, por que mistura o 'anti-europeísmo' com todos esses detestáveis epítetos".

Há aqui, de facto, um problema de interpretação, eventualmente provocado pela menor clareza com que o assunto foi exposto. O facto de se apodar Haider de anti-europeísta e também de político de extrema-direita não implica estabelecer uma relação de causalidade entre os dois qualificativos. José Manuel Fernandes esclarece: "Haider é de extrema-direita porque é xenófobo, tem um discurso radical e defende medidas discriminatórias. Para além disso, é também outras coisas. Como anti-europeísta. Ou como ultra-liberal em termos económicos. Nenhuma destas características é sinónimo de ser de extrema-direita. A extrema-esquerda, ou parte dela, também é anti-europeísta, se bem que por motivos diferentes dos do senhor Haider". E, para que não fiquem dúvidas: "Há anti-europeístas na direita tradicional, no centro e na esquerda".

Parece claro. Quanto a uma sugestão complementar desta leitora no sentido de apelidarmos Joerg Haider "vernaculamente e à portuguesa" com um superlativo (e bem sonoro!) epíteto, o provedor compreende bem a tentação mas acha mais prudente não o adoptar no espaço público de um jornal. Os leitores imaginarão porquê... 

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