Chamar as Coisas pelo Seu Nome
Por JOAQUIM FIDALGO
Domingo, 13 de Fevereiro
de 2000 Como é que os jornais devem qualificar o senhor Joerg Haider, o
polémico líder do Partido Nacionalista Austríaco (FPOe) que, nas últimas semanas, teve
o rosto estampado em tudo quanto era primeira página da imprensa mundial? Ultrapassando a
candura asséptica de quem, porventura, queira chamar-lhe apenas "o presidente do
FPOe" - pois, sendo verdade, nada diz do que verdadeiramente importa -, será
rigoroso defini-lo como fascista?, ou nazi?, ou neo-nazi?, ou político de
extrema-direita?, ou nacionalista?... Como é que uma comunicação social efectivamente
interessada em informar e esclarecer a opinião pública deverá, nesta situação
escaldante que agita os corredores políticos da União Europeia, tratar o assunto sem se
ficar pelo simplismo dos "slogans" ou pelo tom redutor de "carimbos"
mal explicados?
Dos muitos qualificativos que têm sido usados para Haider e para o seu partido, um
parece mais consensualmente assumido do que qualquer outro: extrema-direita. Assim dizem
os jornais portugueses, ingleses, espanhóis ou franceses, assim dizem as revistas
norte-americanas, assim diz a própra imprensa austríaca. Tudo pacificamente de acordo?
Não: há pelo menos um leitor do PÚBLICO, João Pedro Moura, que não se revê nesta
aparente unanimidade. E escreveu ao provedor a explicar porquê:
"Toda a comunicação social, incluindo o PÚBLICO, tem-se referido a Joerg
Haider, dirigente do Partido Nacionalista Austríaco, como sendo de extrema-direita. É
constantemente. Não há uma referência a esse partido ou ao seu dirigente (...) que não
tenha a denominação de extrema-direita. Pergunto: onde é que está a extrema-direita
nesse partido?! Extrema-direita é o fascismo e o nazismo. Volto a perguntar: onde é que
estão preceitos nazis nesse partido?! Para se classificar alguém de extrema-direita, tem
de se demonstrar que assim é o seu programa, a sua prática política ou as suas
ligações internacionais. Ora nem o PÚBLICO nem qualquer outro órgão de comunicação
social demonstraram, até agora, que essa gente seguisse doutrinas nazis. Então para quê
a insistência obsessiva na denominação de extrema-direita? Não deturpem!".
Não é este, como se sabe, o sítio para discutir opiniões sobre o senhor Haider -
noutros espaços do jornal isso se tem feito de modo abundante, vivo e plural.
Interessará, sim, a partir do repto do leitor, perceber se o PÚBLICO tem sido correcto e
rigoroso na informação sobre o caso austríaco, não só no que respeita à terminologia
mas também, ou sobretudo, ao aprofundamento reflexivo sobre o que ali está em causa (e
de que a terminologia usada pode ser amostra). Não é uma mera questão de palavras: é
uma questão de fundo, de tentativa de compreensão do fenómeno protagonizado por Joerg
Haider, para se poder sobre ele tomar posição esclarecida e, sendo caso disso, agir em
conformidade. É, portanto, algo que passa pelas responsabilidades de uma comunicação
social exigente e pelo respeito devido á inteligência dos leitores.
Solicitado a comentar este assunto, o director do PÚBLICO, José Manuel Fernandes,
recorda que o jornal tem utilizado a designação "extrema-direita" para definir
o partido de Haider "mas tem evitado (nos textos informativos, não nos textos de
opinião, que são da responsabilidade dos seus autores) as expressões 'nazi', 'neo-nazi'
ou 'fascista'". Isto porque, entende o director, tais designações "não
descrevem correctamente o fenómeno FPOe". Ele próprio, em editorial, classificou
Joerg Haider como "um populista de direita, anti-europeu, e que defende uma Áustria
para os austríacos, fazendo-o de forma xenófoba; mais do que um fascista, é um
chauvinista".
José Manuel Fernandes acha "importante que se utilizem definições correctas,
sob pena de se criar, entre os leitores, uma imagem deformada da realidade". E
assegura que, no PÚBLICO, se tem procurado não misturar os conceitos como se tudo fosse
sinónimo. Mas, neste contexto, e ao contrário de João Pedro Moura, não associa
automaticamente "extrema-direita" a "nazismo" ou "fascismo".
"No caso concreto do senhor Haider, parece-me correcto defini-lo como um
nacionalista de direita, com propostas e um discurso xenófobos, próprios da
extrema-direita", diz José Manuel Fernandes, explicitando: "O que caracteriza o
FPOe como um partido de extrema-direita é o seu nacionalismo exacerbado, são as
propostas discriminatórias para os emigrantes e é o reaccionarismo das políticas
culturais. O facto de o seu líder ter proferido, no passado, algumas frases de elogio a
políticas do III Reich não faz do partido um partido neo-nazi: a sua base de apoio e a
sua militância não se identificam com esse ideário, sobretudo depois de Haider ter
saneado alguns quadros ostensivamente defensores dos tempos de Hitler".
Parece justo concluir que, mesmo não sendo necessariamente rotulável de
"nazi" ou "fascista" (apesar dos suspeitos avanços e recuos no
discurso político de Haider, aparentemente ao sabor de uma imagem que é preciso
"civilizar" para consumo externo), o Partido Nacionalista Austríaco nem por
isso deixará de ser, à imagem do seu líder, uma formação política de
extrema-direita.
Ainda que o conceito de extrema-direita seja interpretado com diferentes cambiantes em
função dos espaços e tempos históricos, há ingredientes que o marcam sem grande
margem de dúvida ou complacência: o nacionalismo exacerbado e potencialmente agressivo,
a xenofobia e o desprezo arrogante por quem é diferente, o discurso ameaçador ou
revanchista contra a 'permissividade' de sociedades livres e democráticas, o endeusamento
de certos princípios 'absolutos' (a Pátria, a Ordem, a Autoridade) em detrimento das
pessoas concretas. Ora, do muito que temos lido e ouvido sobre o que foi, ao longo dos
últimos anos, o FPOe mais os seus principais dirigentes - com evidente destaque para
Joerg Haider -, não é difícil integrá-lo nesta "família", junto com alguns
outros parentes europeus mais ou menos conhecidos. E se os separam, aqui e além,
diferenças de grau, não os afastam grandes diferenças na substância do que defendem -
algo que, claramente, não se enquadra num modelo de sociedade livre, aberta e
participativa como aquelas em que acreditamos.
Ao contrário do que sugere o leitor, parece-nos que o PÚBLICO tem feito um trabalho
informativo bastante completo e aprofundado sobre a questão austríaca - e isto
independentemente das opiniões a favor ou contra a actuação dos parceiros europeus face
ao novo governo de Viena. Cobertura exaustiva dos acontecimentos, reportagens "in
loco" com jornalista da casa, "dossiers", inquéritos, espaços de opinião
diversificados (sem esquecer o vivo contributo das "Cartas ao Director"),
memórias da história recente, tudo isso são elementos que, desejavelmente, permitirão
aos leitores perceber cada vez melhor o que está em causa. E que não se reduz, longe
disso, à aposição deste ou daquele rótulo a este ou àquele político - mas que
também não tem medo das palavras quando o seu conteúdo é tão claro.
Contactos do provedor do leitor:
Cartas: Rua João de Barros, 265 - 4150-414 PORTO
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