Falar Claro para Todo o País
Por JOAQUIM FIDALGO
Domingo, 16 de Janeiro de
2000 Sabem todos os leitores do PÚBLICO - um jornal que se considera, e
com boas razões, "de expansão nacional" - onde fica a Quinta da Marinha?
Entendem todos os leitores o que se pretende dizer quando se caracteriza Pinto Balsemão
como "demasiado 'Quinta da Marinha' para entrar bem no eleitorado popular do
PSD"?
Transmontano de Chaves, o leitor J. B. César duvida. Comentando esta passagem
(retirada de um Editorial assinado por José Manuel Fernandes na edição de 31/12/99),
pergunta "o que levará o director do PÚBLICO a pensar que os leitores do país
sabem o que é ser "demasiado 'Quinta da Marinha'". E ironiza: "Será
alguma coisa que se coma? Ou alguma linha de vestuário de costureiro famoso? Ás tantas
é um perfume... Ou será alguma referência a determinada característica ou estilo de
vida, mas apenas identificados pelos que moram na rua ou no bairro do autor do
texto?".
Ora cá estamos. Como explica José Manuel Fernandes, a intenção foi "partir do
pressuposto que o local de residência é, também, uma parte do bilhete de identidade de
uma figura pública". E o pressuposto seguinte foi que "a Quinta da Marinha,
como a Quinta do Lago, ou a Foz, ou a Lapa, ou outros locais de residência elitista
(...), são suficientemente conhecidos no país e pelos leitores do PÚBLICO para serem
identificáveis com um certo estatuto social e estilo de vida".
O que J. B. César questiona é, precisamente, este pressuposto. E, convenhamos, com
alguma razão. Não é que a referência à Quinta da Marinha seja apenas reconhecida por
quem lá mora (o director do PÚBLICO, aliás, não se conta entre esses
"condóminos"...): quem segue mais de perto o noticiário político e as colunas
sociais talvez já se tenha familiarizado com a expressão. Mas não é difícil acreditar
que, para muita gente deste país, a Quinta da Marinha dirá pouco menos que nada. Ora o
recurso a expressões deste tipo, só identificáveis por pequenos círculos de
"iniciados", prejudica a comunicação e sugere que quem as usa, embora estando
a falar para o país todo, se esquece de que o país vai muito para além da nossa pequena
porta...
Persistem, na Comunicação Social que temos, alguns vícios de centralismo,
decorrentes do facto de a maior parte dos media ter estado, até há pouco tempo, muito
concentrada em Lisboa, "obrigando-nos" frequentemente a conhecer a geografia da
capital ou até o nome das ruas para podermos situar acontecimentos. Mesmo morando nós em
Freixo de Espada à Cinta ou em Mértola...
Por tudo isto, regista-se com agrado o comentário suplementar do director do PÚBLICO
ao leitor de Chaves: "Fico atento ao reparo, pois às vezes tomamos como certo o
incerto. Isto é, damos por adquirido que os leitores entendem referências que se
revelam, depois, menos claras. Julgamos que sabem o que, afinal, não sabem nem nós lhes
dissemos". Nem mais.
Outro leitor transmontano, este de Mogadouro, também se sentiu uma provável vítima
da interioridade, na sua relação com o PÚBLICO. "Leitor que sou desde o primeiro
número, falhei - e estou inocente - o propagandeado inédito do princípio do ano
2000", lamenta-se Ilídio Martins. Como ele, vários outros se queixaram por não
terem podido comprar a edição especial do PÚBLICO do dia 1 de Janeiro, uma edição de
facto muito propagandeada, até pelo apelo que fez ao envio de mensagens alusivas a um
tão especial novo ano.
Pelos dados coligidos, a Direcção do jornal concluiu que, de facto, não correu muito
bem a distribuição daquela edição especial. E quem mais saiu prejudicado foi quem mora
em sítios mais pequenos (mesmo não necessariamente do interior do país). Dado que havia
muitos postos de venda fechados no dia 1 de Janeiro (feriado), optou-se por distribuir o
jornal na véspera, dia 31 de Dezembro, mas nem todos os clientes receberam exemplares -
até porque alguns aproveitaram a data do "réveillon" para fechar mais cedo do
que o costume. Fosse por deficiências de informação, fosse por erros na operação, a
verdade é que houve bastantes falhas. E a Direcção do PÚBLICO, lamentando o sucedido,
pede desculpa.
As gralhas e (pior que isso) os erros de gramática continuam, infelizmente, a afectar
alguns textos do jornal. E por vezes sucede-se tal quantidade de erros em tão pouco texto
que se compreende mal como é possível. Isso mesmo não passou despercebido ao leitor
João Ventura, quando viu a edição de sábado, 8/1/00, mais concretamente a secção de
política onde se apreciam positiva ou negativamente as figuras da semana.
Na escassa dúzia de linhas em que se criticava o primeiro-ministro António Guterres,
podia ler-se "implusão" em vez de "implosão",
"descentalização" em vez de "descentralização", e
"premiável" em vez de "permeável"... Além disso, a primeira frase
não acertava nas concordâncias.
"O mal está no jornalista ou no corrector ortográfico?", pergunta o leitor.
Responderia que o mal está na insuficiência de atenção, de (re)leitura e de revisão
dos textos. Por muito bom que seja, nenhum corrector ortográfico assinala as falhas de
concordância ou o uso indevido, num certo contexto, de palavras ortograficamente
aceitáveis. "Premiável", por exemplo, é uma palavra que, em princípio,
passaria como boa num corrector automático. Só a leitura do texto e a atenção à frase
completa permitiria ver que, naquela situação, o que se pretendia dizer era
"permeável", pois não se falava de "prémios" mas de maior ou menor
capacidade de resistência a pressões de "lobbies". Estas distinções
semânticas é que as máquinas não conseguem perceber.
A Embaixada de Angola, pela voz do seu assessor de Imprensa, negou que (como aqui se
disse há duas semanas) tenha sido recusado um visto a um jornalista do PÚBLICO.
Ironicamente, parece ser mais um daqueles casos em que os simples factos não chegam para
contar a verdade. Formalmente, de facto, não foi recusado o tal visto; na prática,
contudo, o jornalista Pedro Rosa Mendes e a Direcção do PÚBLICO passaram o mês de
Setembro de 1998 a tentar, sem êxito, que a Embaixada concedesse a pretendida
autorização para uma deslocação de trabalho a Angola. Invulgares formalidades
requeridas, problemas sucessivamente colocados, dificuldades de contacto, estranho
desaparecimento de "faxes", tudo serviu para tornar difícil o que devia ser
fácil, esgotando o tempo útil em que se desejava obter o famigerado visto.
O processo assumiu "contornos kafkianos", como na altura explicou, em nota
pública de protesto, a Direcção Editorial do PÚBLICO. Pode dizer-se, burocraticamente,
que o visto não foi recusado: não se permitiu sequer que o processo chegasse a esse
ponto. Mas o certo é que, sem qualquer justificação plausível que não fossem umas
estranhas "formalidades", o jornalista do PÚBLICO acabou, realmente, por ser
impedido de seguir para Angola. Essa é que é a verdade...
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