| O Poder (e o Perigo) dos Títulos Por JOAQUIM FIDALGO
 Domingo, 9 de Janeiro de
        2000
 Um título de jornal é um instrumento poderoso - e perigoso. São os
        títulos, e quase nada mais que os títulos, que nos ficam marcados na retina quando
        olhamos a banca do quiosque ou folheamos rapidamente o jornal. É pelo título que
        decidimos, tantas vezes, entrar pela notícia dentro ou ficar à porta, só por ali,
        satisfeitos com o simples enunciado do que há (ou não há) para revelar. Afinal, nunca
        se consegue ler tudo de todas as páginas... Fazem-se de títulos as rápidas
        "revistas de imprensa" que ouvimos na rádio e com as quais julgamos, desde
        logo, o que têm este e aquele para nos oferecer nesse dia. E daí, quantas vezes, a nossa
        decisão de comprar ou não o jornal. Ou, pelo menos, a expectativa antecipada de material
        interessante para leitura.  Veículo importantíssimo para captar a atenção, um título de jornal - e
        designadamente um título de primeira página - deve, também, ser fiel ao que é dito no
        texto, mesmo de uma forma necessariamente sintética, para não levar os leitores ao
        engano. É como a montra de uma loja, onde foram expostos os produtos mais bonitos e mais
        apelativos: olhamos, gostamos, entramos para comprar e, obviamente, esperamos encontrar
        lá dentro aquelas mesmas peças que o manequim tão sedutoramente apresentava na vitrina.
        De outro modo, sentimo-nos defraudados e protestamos com o dono da loja.  Foi o que decidiram fazer alguns leitores do PÚBLICO, a propósito do que viram na
        "montra" do jornal - e na capa da revista Pública - no passado dia 26/12/99.
        Sentiram-se atraídos pela publicitação de um "produto" forte
        ("Documentos secretos de Bilderberg - Como os grandes deste mundo planearam em Lisboa
        o bombardeamento da Tchetchénia") e, sem perder tempo, entraram pela
        "loja" dentro - ou seja, pelo texto. Mas, no que leram, não encontraram
        correspondência exacta com o que lhes fora prometido pelo título.  Diz o leitor Vasco Rodrigues: "Passados ao corpo da notícia, ficamos a saber que,
        afinal, ninguém combinou nem planeou coisa nenhuma, tendo-se limitado os tais 'grandes' a
        falar 'com surpreendente displicência' sobre o Kosovo e a Tchetchénia. E, neste
        contexto, um qualquer oráculo terá avisado os restantes 'grandes' de que Moscovo não
        seria bombardeada caso a Rússia invadisse a Tchetchénia. (...) A tanto se resumem as
        revelações!". E conclui que "entre o que é anunciado em primeira página e o
        que é noticiado vai uma distância demasiado grande". Coisa pouco diferente diz o
        leitor João Pedro Moura, que pergunta: "Onde é que, no interior do artigo, se
        evidencia algo que comprove esses títulos (...)?". Aborrecido, não se fica por
        aqui: "Será que este jornal [o PÚBLICO] já recorre a qualquer coisa de
        sensacionalista nas capas, e sensacionalismo deturpador e especulativo, para vender
        mais?!".  Para quem eventualmente não tenha lido o trabalho em questão (assinado pelo
        jornalista Gibby Zobel / agência IFA), recorde-se a passagem do texto que se refere à
        Tchetchénia e que, aparentemente, motivou a escolha do título: "De que falaram,
        então, mais de uma centena de homens poderosos na estância da Penha Longa? Antes de
        mais, sobre a guerra. A do Kosovo e a da Tchetchénia, com surpreendente displicência. O
        documento [espécie de acta da reunião] revela que o grupo foi avisado de que, depois do
        Kosovo, seria dada 'carta branca' á Rússia para intervir na Tchetchénia. A NATO não
        bombardeará Moscovo se a Rússia invadir a Tchetchénia".  Solicitado a comentar as críticas dos leitores, o editor da Pública, Paulo Moura,
        não se mostra muito concordante. Em sua opinião, "o autor do artigo não pretendeu
        dizer que o clube de Bilderberg decidiu em conjunto, naquela reunião, invadir a
        Tchetchénia". E adianta: "Arfirma-se, isso sim, que o grupo , que incluía
        dirigentes da NATO, dos EUA e da Rússia, falou e esteve de acordo sobre o que iria ser
        feito, ou seja: que a Tchetchénia iria ser atacada e a NATO não reagiria como fez no
        caso do Kosovo". No entender de Paulo Moura, "tudo isto está explicado no
        texto". E não apenas isto, como defende: "Está, no texto, explicado à
        saciedade que a organização tem um carácter informal, que nem existe oficialmente como
        sujeito de direito internacional. Tem um estatuto de 'clube de amigos'. E, contudo, há
        fortíssimas razões para crer que estabelece consensos, que formula hipóteses que depois
        vêm a ser postas em prática, enfim, que firma acordos e toma decisões. embora
        cimentados apenas pela honra dos cavalheiros ou a confiança dos amigos".  Não é fácil contestar - até pela subjectividade aí implicada - o que o autor do
        texto em causa "pretendeu dizer", ou qual foi a intenção do editor ao optar
        pelo título que acima se transcreveu. Dá-se de barato que, no plano das intenções, o
        objectivo do trabalho era dar a conhecer melhor os meandros das tomadas de decisão na
        cena internacional e o papel que certos círculos "de amigos" nelas desempenham.
        No entanto, também não podemos deixar de olhar com rigor para aquilo que, de facto, é
        dito no título e no texto; não o que se "pretendeu dizer", mas o que "se
        disse" efectivamente. E, quanto a isso, a crítica dos leitores terá alguma razão
        de ser.  Repare-se que, tal como nos é apresentado, este trabalho tem uma componente também
        noticiosa. Não é apenas uma análise genérica ao funcionamento do grupo de Bilderberg;
        é, assumidamente, a (até agora inédita) revelação dos documentos secretos de uma
        reunião. O texto o diz: "Nunca, nos seus 47 anos de história, o conteúdo das
        discussões da organização foi tornado público. Até agora. Pela primeira vez (...), os
        documentos de Bilderberg foram revelados".  É evidente que, com estas promessas, fica aguçada a curiosidade do leitor. E mais
        aguçada fica quando, no próprio título, se afirma taxativamente (invocando os tais
        documentos secretos) que o grupo "planeou" ou "combinou" em Lisboa o
        bombardeamento da Tchetchénia. Por muitas interpretações que possamos dar às palavras,
        "planear" e "combinar" transmitem-nos um sentido activo, de alguém
        que "faz" alguma coisa. E afinal, o corpo da notícia, sobre esta matéria
        concreta, diz apenas que o grupo "foi avisado" de que a Rússia estava
        'autorizada' a intervir na Tchetchénia. Ora "ser avisado" é algo de passivo,
        é ficar a saber. E, implicitamente, concordar - caso nada se diga em contrário. Mas não
        é "planear".  Aliás, o texto refere, a dado passo, que nestas reuniões "não se decidem
        políticas" mas "se influenciam as decisões dos líderes mundiais". Está
        claro, portanto. Nesse sentido tem razão o editor Paulo Moura: o jornalista deixa tudo
        bem explicadinho na sua prosa. Mas a questão não está no texto - está na
        correspondência dele com o título. E, aqui, teremos de concordar que se foi excessivo
        numa formulação tão categórica para a primeira página. O título dizia um pouco mais
        do que o texto (bastante interessante, de resto) tinha para nos oferecer. 
          
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