| Uma Questão de Transparência Por JOAQUIM FIDALGO
 Domingo, 26 de Dezembro
        de 1999
 Se é certo que um colunista de opinião não tem as mesmas
        obrigações profissionais de um jornalista, como vimos na semana passada, não é menos
        certo que ele deve observar certos princípios, em nome do respeito pelos leitores - e em
        nome da credibilidade da sua própria intervenção pública. O que nos leva, então, à
        questão da transparência.  Algumas dúvidas foram levantadas pelo leitor João Pedro Ferreira, a propósito de um
        texto escrito por António Barreto no seu dominical "Retrato da Semana", em
        14/11/99. Em causa não estavam as opiniões expendidas por aquele colunista (por mais
        controversas que elas fossem, nunca competiria ao provedor pronunciar-se sobre elas, como
        aqui já se explicou), mas a "pele" que António Barreto estaria a
        "vestir" naquele preciso momento.  Boa parte do texto era dedicada ao caso da demissão de Artur Santos Silva da
        presidência da Sociedade Porto 2001, de par com uma apreciação crítica do papel
        desempenhado pelo ministro da Cultura, Manuel Maria Carrilho, no conturbado episódio. Ora
        sucede que Barreto era também membro da administração da Sociedade Porto 2001 - tendo,
        aliás, apresentado a sua demissão na sequência do abandono de Santos Silva. Ou seja, ao
        opinar no PÚBLICO sobre essa matéria estaria, aparentemente, a "ajuizar em causa
        própria". E interroga o leitor: "António Barreto escreveu o seu artigo como
        comentador contratado pelo PÚBLICO para analisar o mundo político português ou como
        elemento demissionário da dita sociedade [Porto 2001]?".  Esta situação pode ser analisada como exemplo, pois poderia mais ou menos colocar-se
        noutros contextos. De facto, nenhum dos colunistas do PÚBLICO se dedica em exclusividade
        à escrita de textos de opinião para o jornal; todos eles têm a sua actividade
        profissional e todos eles participarão eventualmente em organizações de carácter
        político, social, cultural, económico, como muito bem lhes apraz. Alguns dos
        comentadores estão mesmo ligados a partidos políticos (até em funções de direcção),
        sem por isso terem algum dever de reserva quanto à apreciação da actualidade. A
        questão que importa não é essa: um colunista não precisa de ser independente para dar
        as suas opiniões. A questão é que essa sua ligação a outras organizações seja
        conhecida, seja clara. Transparente.  Solicitado pelo provedor a comentar a dúvida levantada pelo leitor, António Barreto
        refere precisamente este aspecto: "O leitor teria algum razão se fosse desconhecido
        que eu pertencia à administração da Sociedade Porto 2001. Mas não. O meu envolvimento
        ali sempre foi público, os jornalistas viam-me entrar e sair das reuniões. Mais: ainda
        na véspera desse meu texto, nas páginas do PÚBLICO, e até com destaque na primeira
        página, se noticiara a minha demissão daquela Sociedade".  Sobre um eventual "aproveitamento" de informações recolhidas nas reuniões
        da Sociedade Porto 2001 para posterior utilização na sua coluna do jornal , Barreto
        rejeita-o em absoluto: "Tenho um dever de lealdade para com os leitores do PÚBLICO
        que me obriga a toda a transparência. Mas também tenho um dever de lealdade para com as
        pessoas com quem trabalho noutros lugares, sejam o Porto 2001 ou a universidade, que me
        obriga a não misturar os dois papéis. Há muitas coisas que soube nesses lugares e que
        nunca usei, nem usaria, no jornal". Concretamente sobre este caso, António Barreto
        adianta que, mesmo não estando ligado ao Porto 2001, "não teria escrito coisa
        diferente" do que escreveu a propósito da demissão de Artur Santos Silva e da
        acção do ministro da Cultura, pois o que foi acompanhando daquilo que saiu a público,
        bem como as conversas que foi tendo com pessoas das suas relações, era
        "suficientemente esclarecedor" para formar uma opinião.  Também o director do PÚBLICO, José Manuel Fernandes, releva o facto de ser
        "público e notório" o envolvimento deste colunista na administração do Porto
        2001 e, daí, não haver, no seu entendimento, qualquer dúvida a levantar. Generalizando,
        comenta: "Os critérios a seguir são a transparência e o bom senso. Muitos
        colunistas têm envolvimentos partidários mas isso não os impede de escreverem sobre os
        seus partidos, os partidos dos outros ou, genericamente, sobre política. O seu
        envolvimento partidário deve, isso sim, ser transparente para os leitores".
        Esclarecida tal pertença, "não lhes está vedado utilizarem a sua coluna para
        assuntos em que são parte activa; por vezes até é isso que dá sal aos textos e os
        torna mais importantes".  Não parece que esta argumentação levante objecções de fundo. Claro que há sempre
        o risco de um ou outro leitor, em algum momento, não conhecer a ligação de determinado
        colunista a este ou àquele organismo. Mas é um risco incontornável: não faz sentido
        que se esteja permanentemente a lembrar as filiações ou os envolvimentos de quem escreve
        regularmente opinião nos jornais, tanto mais que se trata, em geral, de pessoas muito
        conhecidas. Isto para não falar, naturalmente, no pressuposto (de que devemos partir,
        até prova em contrário) da boa fé dessas pessoas e da seriedade com que exercem esta
        actividade tão importante para a formação da opinião pública. E quando seja caso
        disso, o bom senso as aconselhará a darem conta aos leitores, no seu próprio texto, de
        alguma ligação menos conhecida.  Mudando de assunto: desagradável foi o erro cometido (e repetido) pelo PÚBLICO, nas
        edições de 17 e 18/12, ao noticiar as consequências de um ataque de uma milícia
        pró-israelita no sul do Líbano. Dizia-se que dali tinha resultado a morte de 15
        crianças, quando na verdade o bombardeamento terá apenas ferido15 a 20 crianças, das
        quais quatro com gravidade. O exagero não passou despercebido ao leitor Daniel Filipe,
        que estranhou ler no PÚBLICO uma notícia bastante mais trágica do que viu noutros
        órgãos de informação. "Como é que um caso destes pode acontecer?",
        pergunta, reclamando uma "resposta concludente". Mais concludente não pode ser
        a jornalista Margarida Santos Lopes, responsável pelos textos em causa: "Errei,
        errei duplamente, e apresento as minhas sinceras desculpas".  Segundo explica a jornalista - que é também editora da secção Internacional -, as
        primeiras informações sobre o ataque transmitidas pelas agências davam, de facto, conta
        de 15 crianças mortas. É o que por vezes sucede com as notícias recolhidas "a
        quente", no terreno, logo em cima de um desastre. Avançou-se com o texto e acabou
        por não se dar conta de novos dados que surgiram, horas depois, a corrigir as exageradas
        informações iniciais.  Não devia acontecer? É evidente que não. Mas acontece... E, se o mal está feito, ao
        menos que se corrija rapidamente. Para isso, como se vê, é bem útil a contribuição
        atenta e crítica dos leitores.   
          
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