.
O Estatuto da Opinião
Por JOAQUIM FIDALGO
Domingo, 19 de Dezembro de 1999

Qual é o lugar específico dos colunistas num jornal? Têm, ou não, deveres e direitos semelhantes aos dos jornalistas? Os seus textos - textos de opinião - submetem-se às mesmas regras que orientam os textos mais especificamente informativos? E, se não, com que critérios podem eles ser avaliados pelos leitores?

Interrogações deste génerotêm sido dirigidas ao provedor, nalguns casos porque se pretende de facto conhecer melhor o enquadramento da questão no PÚBLICO, noutros porque se discorda (no fundo ou na forma) do que escreveu tal ou tal colunista. A este último respeito, estamos conversados: não é função do provedor do leitor pronunciar-se - nem no fundo nem na forma - sobre as opiniões expendidas por quem quer que seja, em textos devidamente assinalados, pela sua diferenciação gráfica, como textos de opinião. E se isto é válido para editoriais ou comentários subscritos por jornalistas, é-o por maioria de razão para os escritos de pessoas que, não exercendo o jornalismo como profissão, são convidadas por um jornal para aí dizerem livremente (de que outro modo poderia ser?...) o que pensam sobre os mais diversos assuntos. É uma posição de princípio que certamente se entende, e que só consentiria excepções caso estivessem em causa direitos elementares dos cidadãos.

Este é, aliás, o grande ponto comum a toda a gente que escreve ou fala nos órgãos de Comunicação Social, seja jornalista, colunista ou colaborador esporádico: qualquer um deve respeitar a legislação em vigor - tanto as leis gerais como as leis específicas do sector -, pois estamos perante uma actividade pública e a liberdade de expressão tem limite nos direitos fundamentais das pessoas. Por outro lado, há princípios éticos para a convivência em sociedade que os autores de qualquer texto difundido para terceiros, seja ele de opinião ou de informação, têm a obrigação de seguir. Finalmente, não é abusivo esperar que quem escreve regularmente num jornal aceite e respeite os grandes princípios de conduta desse jornal concreto, tal como definidos no Estatuto Editorial: seria estranho que alguém juntasse o seu nome a um projecto se não concordasse com as linhas essenciais que o orientam.

Tirando estas semelhanças globais, é evidente que há muito de diferente no papel e na actividade de um colunista de opinião, quando comparados com o trabalho regular de um jornalista. Um profissional da informação, ao fazer uma notícia ou uma reportagem, tem obrigações de isenção, de recuo crítico, de objectividade, de equidistância face às partes,

que não fazem sentido para quem escreve a sua opinião sobre um determinado assunto. A opinião é, por natureza, subjectiva: toma partido, defende um lado contra o outro, faz juízos de valor, elogia, critica, bate-se por uma ideia. E sujeita-se, naturalmente, ao debate com quem pense coisa diferente. É (também) por isto que a opinião tem muita importância em qualquer projecto informativo,constituindo ela própria, à sua maneira, informação. Saber o que outros pensam e como argumentam ajuda-nos a conhecer melhor os factos, a compreendê-los em profundidade, a elaborar mais fundamentadamente as nossas próprias opiniões. Contra ou a favor.

Tem um colunista a obrigação de fundamentar "com factos irrefutáveis" as opiniões que expende, como defende, em reclamação dirigida ao provedor - e suscitada pelo polémico tema de Angola -, o leitor Artur Queiroz?

Espera-se, obviamente, que quem sustenta uma determinada opinião argumente a favor dela. De outro modo, não passaria do enunciado gratuito de um juízo ao qual os próprios leitores atribuiriam reduzido interesse. O que faz com que certos colunistas sejam lidos quase religiosamente, semana após semana, e com que os seus textos tragam uma clara mais-valia ao jornal, é exactamente o facto de terem opiniões claras e incisivas sobre a actualidade - mas opiniões defendidas com inteligência, com argúcia, com clarividência, constituindo assim um desafio e um estímulo ao nosso próprio pensar. Contra ou a favor, claro.

E se o colunista não fizer isto? Ou seja, se não fundamentar adequadamente (algo já um pouco subjectivo...) as suas posições? Problema dele. O director do PÚBLICO, José Manuel Fernandes, esclarece as regras do jornal: "O colunista pode entender fundamentar mais ou menos as suas opiniões, mas isso depende do seu estilo e do que ele entender que vale a pena. De resto, aquilo que distingue um bom colunista de um mau colunista é ele ter opiniões, essas opiniões serem polémicas e o colunista conseguir argumentar bem. Como o objectivo das colunas de opinião não é serem isentas ou imparciais, mas antes serem substantivas, é ele que escolhe o detalhe que quer dar aos seus argumentos e à fundamentação das suas teses".

A publicação dos textos dos colunistas do PÚBLICO nunca esteve nem estará "submetida a visto prévio", acrescenta José Manuel Fernandes, explicando: "A partir do momento em que são convidados, dispõem de toda a liberdade para escrever o que entenderem; é essa a relação de confiança que existe, assente no princípio de que não abusarão dela". Se porventura acontecesse, "o que haveria a fazer era dispensar o colunista" - nunca censurar-lhe o texto.

Parecem regras claras e adequadas. No fundo, se quem dá uma opinião não é consistente na defesa dos seus pontos de vista, e não o é continuadamente, os próprios leitores (e o jornal) se encarregam de o ir desvalorizando.

A questão que sobra é a de ver até que ponto este esquema assegura uma conveniente pluralidade de opiniões ou alguma abertura à réplica, quando seja o caso. Se um jornal diz querer respeitar, e até estimular, diferentes ideias e perspectivas sobre a actualidade, tem a obrigação de escolher um naipe de colunistas que traduza essa diversidade. Mais: como o espaço de opinião do PÚBLICO não se esgota nos colunistas ou nos editoriais e comentários, é justo esperar que o "espaço público" - onde se publicam contributos dos leitores - seja o mais aberto possível à pluralidade de opiniões.

Ao contrário dos colunistas, que têm um espaço fixo e a garantia de publicação, os leitores que enviam os seus textos submetem-se a uma selecção por parte do PÚBLICO que visa, segundo o director, avaliar "a qualidade e o interesse" do que escreveram. Seria impossível, por razões práticas, dar espaço de "resposta" a todos quantos, regularmente, querem contradizer as opiniões de António Barreto, ou Miguel Sousa Tavares, ou Pacheco Pereira, ou Fernando Rosas, ou Vital Moreira, ou Ribeiro e Castro. Neste domínio, é claro que nem todas as pessoas têm as mesmas oportunidades. A direcção do jornal assume a responsabilidade das escolhas que faz e o que se espera é que, na medida do possível, dê expressão a todas as correntes. Não perde nada com isso - pelo contrário, só ganha.

Há uma última questão colocada por um leitor ainda a propósito dos colunistas: devem eles escrever sobre matérias em que têm interesses ou envolvimentos directos? O assunto fica para a próxima semana.

Contactos do provedor do leitor:
Cartas: Rua João de Barros, 265 - 4150-414 PORTO
Telefones: 22-6151000; 21-7501075
Fax: 22-6151099; 21-7587138
E-mail: provedor@publico.pt