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Cartas Que Saem e Cartas Que Ficam
Por JOAQUIM FIDALGO
Domingo, 21 de Novembro de 1999

Boa parte das queixas até agora dirigidas pelos leitores do PÚBLICO ao seu provedor reportam-se não a matérias publicadas no jornal, mas (e precisamente por isso as queixas...) a textos que não foram publicados. O exemplo mais frequente é o de cartas ao director que, por qualquer motivo, acabaram por não sair e que, à falta de alguma explicação, deixam interrogações aos leitores: "será que não gostaram das críticas que lhes fazia?", "será que não tinham espaço?", "será que mexi em assunto incómodo?", "será que a carta se perdeu?".

As "Cartas ao Director" são, desde os inícios do PÚBLICO, uma das secções mais procuradas e mais lidas de todo o jornal. A diversidade de leituras e opiniões que por ali passam, a riqueza de informações fornecidas por leitores, até a polémica que entre alguns volta e meia ali se estabelece, tudo isso fez das "Cartas" um espaço privilegiado de interactividade e de estímulo à participação. Os jornalistas não são os únicos produtores de informação; também os leitores têm muita coisa, e muito interessante, a comunicar, a comentar, a sugerir. Com a vantagem de que, ao ler aqueles contributos de cidadãos mais ou menos anónimos, sentimos a secção de algum modo como "nossa" e aqueles cidadãos de algum modo "como nós". O que é meio caminho para nós próprios perdermos a vergonha ou o embaraço e lançarmos mão da caneta ou do computador.

Felizmente que se vai ultrapassando a tendência desagradável (mas frequente em alguns jornais, não há assim muito tempo) de rematar as cartas com umas "Notas de Redacção" (N.R.) que, não acrescentando nada à matéria de facto, desvalorizavam as interpretações ou opiniões dos leitores a um ponto quase intimidatório. Muita gente se habituou a dizer que não escrevia para os jornais, mesmo quando sentia necessidade de corrigir informações ou propor outros pontos de vista, porque "o jornal é que é sempre o último a falar" e "quem escreve uma carta ainda se arrisca a 'ouvir' das boas...". O próprio Livro de Estilo do PÚBLICO se fez eco dessa preocupação, lembrando: "A diferença de perspectiva ou opinião entre o jornalista e o leitor é natural, saudável e deve ser estimulada nas páginas do PÚBLICO. O jornalista não dispõe de um poder discricionário que lhe assegura sistematicamente o direito à 'última palavra'".

Se se pretende estimular a participação dos leitores, é condição primeira que se lhes permita expressarem-se sem receios e com total liberdade, observando apenas os limites éticos e legais que obrigam toda a Comunicação Social.

Para além destes limites, pode haver, entretanto, um conjunto de "regras do jogo" definidas pelo jornal no sentido de tornar mais clara e mais fácil esta participação. Ou seja: é útil que os leitores conheçam os critérios por que se regem os responsáveis do PÚBLICO quando decidem publicar uma carta e rejeitar outra.

Embora a responsabilidade pela selecção caiba à Direcção e não ao provedor - o facto de as "Cartas ao Director" aparecerem nesta mesma página, aos domingos, terá induzido em erro alguns leitores -, talvez faça sentido deixar aqui alguns esclarecimentos, assim respondendo também a quantos já se queixaram.

"Chegam todos os dias ao PÚBLICO entre 15 a 20 cartas que poderiam ser publicadas", diz o director, José Manuel Fernandes. A primeira dificuldade começa aqui: se, em média, o espaço não suporta mais que quatro ou cinco cartas, já se vê que bastantes vão ficar de fora. A generalização do uso do correio electrónico ajuda a perceber o crescimento deste número: José Manuel Fernandes recorda que, na altura mais "quente" dos noticiários sobre Timor, o PÚBLICO chegou a receber, via e-mail, 800 mensagens num só dia...

Admitindo que a escolha do que sai e do que não sai é obviamente subjectiva, o director enuncia três critérios por que se rege o PÚBLICO na selecção das cartas: o do seu "interesse", o da "preocupação de garantir um certo pluralismo" e o do "tamanho".

Definir o que tem mais ou menos "interesse" comporta os seus riscos; no entanto, não é isso que se espera diariamente dos responsáveis de um jornal, e não só no que toca às cartas mas em tudo o que se refere à selecção dos assuntos a noticiar? A nossa ligação a um determinado jornal depende, afinal, da confiança que temos na sua capacidade de interpretar, dia a dia, o que nos importa ou interessa mais.

Quanto ao "pluralismo" (de opiniões, de temáticas, de origem), parece evidente que um fórum livre como o das "Cartas" só pode abrir-se o mais possível à diversidade de contribuições. É a condição primeira para fazer dele um espaço dinâmico, acessível a todos e impermeável a qualquer censura de opiniões, por muito que contrariem o pensamento "oficial" do jornal - quando o há. Desde que não ofendam terceiros, não usem linguagem imprópria e se refiram a questões minimamente apelativas, as cartas são publicadas... no todo ou em parte.

Já se vê que a questão do "tamanho", dada a exiguidade da secção e a abundância de correio, é sensível. Assim, escrever para o jornal uma carta curta e concisa é meio caminho para garantir a sua publicação. Cortar uma carta longa para lhe publicar apenas alguns excertos, além de ser tarefa nem sempre fácil, arrisca-se a indispor o seu autor: como desabafam alguns, "até parece que cortam sempre o mais interessante...". O remédio está à mão: escrever pouco, indo directo ao assunto, para que ninguém tenha de cortar.

De algo que também deixou de sair no jornal se queixa o leitor Augusto Magalhães: das páginas de economia internacional produzidas pelo Wall Street Journal (WSJ). Desapareceram em fins de Julho, ter-se-á imaginado que haviam interrompido para férias, mas... ninguém mais as viu. E, lamentavelmente, a direcção do jornal não deu sobre isso qualquer explicação pública. Da falha se penitencia agora José Manuel Fernandes.

Instado pelo provedor, o director do PÚBLICO explica que, "ao fim de ano e meio de experiência", se concluiu que o serviço do WSJ "não tinha estado à altura das expectativas, não pela qualidade - indiscutível -, mas pela sua adequação às prioridades informativas do jornal". Dado que o número de páginas do PÚBLICO é um bem escasso, entendeu a direcção que o utilizaria melhor, "com vantagem para os leitores", terminando o serviço do WSJ e "investindo na produção própria de noticiário económico internacional".

É uma opção discutível, que agradará a uns leitores e desagradará a outros, mas que faz parte da tal responsabilidade de selecção editorial, com os riscos inerentes. Independentemente disso, guardemos para futuro a necessidade de, no momento certo, explicar claramente estas coisas aos leitores. Eles merecem saber - mais, têm esse direito.