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Forças e Fraquezas da Imagem
Por JOAQUIM FIDALGO
Domingo, 14 de Novembro de 1999

A imagem de um João Paulo II visivelmente cansado, deixando escapar um largo bocejo, ilustrava uma notícia do PÚBLICO do passado dia 7, a propósito da visita do Papa à Índia. Não pareceu bem ao leitor Daniel Serrano esta opção do jornal por uma imagem em que "o Papa aparece com a boca aberta". Esclarecendo que teria a mesma opinião se, em vez de João Paulo II, o retratado nestes modos fosse uma qualquer figura pública, o leitor considera tratar-se de "uma falta de respeito", embora "possa compreender" que uma fotografia assim "venda mais".

Fez bem o PÚBLICO? Ou, pelo contrário, esqueceu a norma do seu Livro de Estilo que, no (magro) capítulo dedicado à fotografia - e depois de recomendar aos repórteres fotográficos que procurem sempre "surpreender um ângulo inesperado ou um pormenor significativo" -, diz assim: "A recusa das convenções oficiais e a procura de um olhar novo não significa, porém, o recurso à deformação caricatural das situações ou personagens"? Ao mostrar João Paulo II bocejando, o jornal cedeu à "facilidade da caricatura"?

Luis Ramos, editor de Fotografia do PÚBLICO, defende a escolha feita (embora a foto fosse da agência Reuters e não um original "da casa"), sublinhando que a regra do jornal é tentar "retratar as pessoas de uma maneira não institucional, criando uma leitura paralela com o texto". Entende que isso foi cumprido com a foto do Papa, "feita no próprio dia e no local referenciado". Aliás, ao lermos a notícia sobre o que se passou nesse dia em Nova Deli, deparamos com uma referência do repórter a "um João Paulo II em que os 79 anos parecem pesar cada vez mais".

Também ao editor da Sociedade, Fernando Correia de Oliveira, não parece que esta escolha possa ser olhada como ofensiva ou desrespeitosa, sabendo-se, como se sabe, que o Papa está "fisicamente debilitado", mas nem por isso se furtou a tão relevante viagem. De resto, o editor recorda como o PÚBLICO fez, entre os dias 5 e 9, "uma ampla cobertura" da visita de João Paulo II à Índia e à Geórgia, com grande diversidade de textos e de fotos, por pensar que isso era "um tema importante". E acrescenta: "Ilustrar o cansaço do Papa, a sua fragilidade, com imagens de um ancião alquebrado? É a realidade. Ilustrar a possível e muito humana dificuldade de João Paulo II se adaptar aos fusos horários, com um bocejo do chefe da igreja católica? Continua a ser a realidade".

Mesmo que nem todas as "realidades" das personalidades públicas devam (até por razões de elementar bom gosto e de respeito pela sua dignidade) ser fotografadas e dadas à estampa num jornal, também ao provedor parece que, no caso em apreço, a opção foi correcta. Por um lado, ilustra uma situação bem actual e frequentemente tratada nos noticiários, que é a debilidade física do Papa - e fá-lo de um modo comedido. Por outro lado, integra-se adequadamente (como a notícia confirma) no contexto da visita daquele dia a Nova Deli, onde o cansaço de João Paulo II foi nota saliente. Finalmente, as próprias dimensões (reduzidas) da fotografia e a sua colocação (no fundo de uma página) não parecem revelar vontade de exploração sensacionalista, mas preocupação informativa, aliada ao compreensível desejo de, dentro de limites éticos, fugir à "chapa batida".

Será excessivo confundir esta imagem com as que certos fotógrafos de tablóide popular tanto prezam e que os levam a disparar, vorazes, sempre que uma personalidade mete o dedo no nariz, ou se engasga a comer um croquete, ou sai da casa de banho com os botões desapertados... Aí, assim, pode falar-se em caricatura disfarçada de "original", em falta de respeito pela privacidade, em aproveitamento de mau gosto e sem qualquer relevância informativa ou estética.

Mais razão parece ter o mesmo leitor Daniel Serrano noutra crítica que faz ao PUBLICO, e de novo a propósito de uma fotografia: a que ilustrava, na edição de 6/11, uma notícia sobre uma reunião de empresários católicos do projecto "Economia de Comunhão". A reunião teve lugar no Porto, mas era ilustrada por uma foto do santuário de Fátima - mesmo que, no primeiro plano, a imagem mais forte fosse a de uma mão segurando um terço. O leitor lamenta a "falta de rigor jornalístico", tanto mais que já tinha visto esta mesma fotografia no PÚBLICO, há pouco tempo, a propósito de um assunto completamente diferente: a visita de D. Ximenes Belo a Fátima.

Este é, infelizmente, um mal que ataca com alguma frequência as páginas do jornal: a escolha de fotos "de arquivo" (ou seja, feitas anteriormente, e noutros contextos) pouco adequadas à matéria que pretendem ilustrar. Acresce a isso que nem sempre as legendas ajudam a estabelecer uma relação lógica entre o texto e a imagem, ou sequer a deixar claro ao leitor o que mostra a dita imagem e por que motivo se terão lembrado dela.

O ideal seria, em assuntos da actualidade, nunca ter de recorrer a fotos de arquivo mas recolher, tal como se faz para o texto, imagens originais no próprio dia. Isso é impossível na prática (por exemplo, não se recolhem informações por telefone para fazer uma foto, é mesmo preciso "ir lá"...). Além disso, por vezes julga-se que um determinado trabalho não vai traduzir-se numa grande notícia, e por isso se decide não mandar fotografar, mas acaba por se decidir dar-lhe uma maior expressão - e a única hipótese é recorrer à imagem de arquivo. O desejável, nestas circunstâncias, é que ela seja expressiva, bem articulada com o texto e o menos "localizada" possível, para que não se associe a outro acontecimento e crie, com isso, um desnecessário ruído na informação. Como sucedeu na situação em análise.

Carlos Romero, editor de Economia (em cujas páginas saiu o trabalho), reconhece que "foi difícil e demorada" a escolha da fotografia, sendo que a intenção era encontrar "uma imagem que funcionasse como um símbolo religioso-cristão suficientemente genérico". Fernando Veludo, editor da Fotografia, explica que se escolheu "um símbolo identificativo da religião católica em Portugal" para fazer a ligação com o novel "movimento religioso" que se noticiava.

Como os arquivos são limitados, nem sempre se consegue lá encontrar a imagem satisfatória. Talvez não houvesse muitas outras hipóteses, mas a escolhida, em boa verdade, não foi muito feliz. E o facto de esta mesma imagem recentemente ter sido utilizada noutro contexto bem concreto desaconselharia a repetição. Com isso concorda, aliás, Carlos Romero, que comenta a propósito: "Pelos vistos, a memória dos leitores do PÚBLICO não é assim tão curta, e ainda bem".

Obviamente, o provedor subscreve o comentário.